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TEMA LIVRE : Antonio Copriva
O Plantador de Arame
03/05/2005
Longe se vai a paisagem.
Entre macieiras, redodendros, salsaparrilhas e ornitorrincos, junto às sebes, crescem mudas cinzentas, espetadas, agudas, antenas de fina sintonia.
Há paz de túmulos naquele campo estendido tal qual mortalha debaixo da lápide azulada pintassilgada de coleópteros e mafagafos com seus mafagafinhos.
Nada germina além da paisagem pintada pelo crepúsculo.
Definha.
Aves soturnas farfalham os metais de suas asas rasgando o véu da noite em mil estilhaços que se chocam com luzes estelares mergulhando em pântanos.
Nessa hora o vulto se insurge ondulando a espessura úmida da mortalha que se estende pelos campos silentes, o esbugalhado dos olhos devassando cada palmo traçado a foice e picareta. De dentro do embornal dissimulado na ilharga saca lenta e lubricamente as mudas pequeninas que tilintam se entrechocando, calando o pio agourento das aves envolvidas num universo de dobras fugidias e assustando almas daninhas ensaiando artes.
A criatura sulca o árido terreno com os bicos metálicos de botas grosseiras e atira com engenho, arte e eficácia os pequeninos vermes de aço em cada cova medida, onde cospe sua baba violácea e injeta seu mijo fétido e espumoso, dando por encerrado o pequeno ritual que se repete de metro em metro, dali a léguas e léguas.
Quando o sol de chumbo se espraia nas pradarias daquele cerrado oceânico, dando a exata dimensão da pequenez dos seres diante da extensão do universo, as serpentes espiraladas já atingem dimensões avantajadas. O vento morno as faz ranger histéricas.
Em instantes a máquina-bate-estaca, em arrancos grotescos mas cadenciados, traça uma linha de ajuste milimétrico entre as tênias metálicas agitadas pelo vento, dando direção e função ao balé mefistofélico que exibem no éter.
Como trepadeiras eróticas de um baile de fetiches, elas se estendem e se entrelaçam e avançam, para satisfação e gozo da criatura soturna que viria, na próxima vigília, arquejar entre os morcegos, as lesmas, as rãs e os pirilampos, prosseguindo na sua faina funesta, cobrindo as distâncias e calcinando as terras com seu bafo mumificado de acetona e enxofre.
O plantador de arame prossegue na semeadura, devastando os campos e transformando em posse a própria linha do horizonte, amarrada num carretel que amordaça todos os sonhos e a esperança dos homens.
No entanto, escondidos entre as dobras da noite, pequeninos olhares acompanham o ogro que se arrasta grotesco. Há algo que carregam pequenas mãos de dedos frágeis mas muito ligeiros. Um fugaz relâmpago revela pernas ágeis em corpos matreiros protegendo um artefato. É questão de tempo. O vôo da pipa não há de tardar.
...
*Antonio Copriva é jornalista e publicitário em MT.
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Comentários dos Leitores
Os textos dos leitores são apresentados na ordem decrescente de data. As opiniões aqui reproduzidas não expressam necessariamente a opinião do site, sendo de responsabilidade de seus autores.
Comentário de Susana (susilva@plugin.com.br) Em 04/05/2005, 20h41 |
colhendo arames! |
Sr. Copriva, já lhe disse que sou sua fã? |
Comentário de Letícia Tavares de Faria (ltavares@netsite.com.br) Em 03/05/2005, 14h27 |
Sobre plantadores e arames |
Antonio Copriva tem um estilo que em nada deve à geração que formou o movimento Modernista, porém com um acento tóxico e suficiente para não perturbar sua estada entre os mais acurados pós modernos de que se já deu notícias. |
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