capa | atento olhar | busca | de última! | dia-a-dia | entrevista | falooouu
guia oficial do puxa-saco | hoje na história | loterias | mamãe, óia eu aqui | mt cards
poemas & sonetos | releitura | sabor da terra | sbornianews | vi@ email
 
Cuiabá MT, 24/11/2024
comTEXTO | críticas construtivas | curto & grosso | o outro lado da notícia | tá ligado? | tema livre 30.947.260 pageviews  

MT Cards Que tal mostrar a cara de Mato Grosso?

TEMA LIVRE : Xico Graziano

Outras colunas do Tema Livre

Irrigação agrícola e desperdício de água
03/03/2015

Nestes tempos dramáticos de crise hídrica, é normal que se procurem os responsáveis pela desgraça.

Um jogo de interesses, porém, costuma esconder-se nessa busca de responsabilidades, querendo diluir a culpa.

Tem gente, agora, dizendo que o grande vilão do desperdício de água no Brasil é a agropecuária. Tem cabimento isso?

Nenhum. A afirmação representa uma malvadeza da cidade para denegrir o campo. O incauto raciocínio parte da informação, correta, de que 61% da retirada de água dos mananciais brasileiros se destina ao uso rural, assim distribuído: 54% na irrigação agrícola, 6% nos bebedouros dos animais e 1% nas residências da roça.

No meio urbano, os domicílios demandam 27% da água e a indústria capta 12%. O informe refere-se a 2010 e constam do último Relatório de Conjuntura dos Recursos Hídricos, da Agência Nacional das Águas (ANA).

Para contestar a caluniosa crítica contra a agricultura minha primeira ponderação diz respeito à agregação dos dados.

É bastante desigual a distribuição dos recursos hídricos no Brasil.

Quando se considera apenas a bacia hidrográfica do Rio Paraná, onde se situa a metrópole paulista, os usos domésticos e industriais de água ultrapassam metade da demanda total.

Na bacia do Rio São Francisco, por sua vez, os domicílios urbanos e a indústria demandam apenas 18% da água, ante 77% destinados somente à irrigação.

O segundo ponto diz respeito à evolução da irrigação.

A ANA mostra que entre 2006 e 2010 houve um acréscimo de 47,5% na demanda d'água para agricultura.

Mais expandiram suas áreas irrigadas as bacias hidrográficas do Paraná (acréscimo de 88%), do São Francisco (73%) e do Araguaia-Tocantins (58%).

Essa expansão da agricultura irrigada, óbvio, utiliza mais água. Mas representa uma excelente notícia para o desenvolvimento sustentável do País.

Em 1970, a irrigação correspondia a apenas 2,3% da nossa área cultivada. Passados cerca de 40 anos, tal patamar subiu para 8,3%.

Tornou-se prática imprescindível na moderna fruticultura, na olericultura e na floricultura.

Entre os grãos, a área irrigada abrange apenas 5% do plantio, beneficiando especialmente as lavouras de arroz e feijão, que concentram 55% da irrigação nos cereais básicos.

A irrigação garante o prato nosso de cada dia.

Análises da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) indicam que os perímetros irrigados em solos brasileiros, públicos ou particulares, aproveitam apenas 19,6% do potencial nacional das áreas disponíveis à tecnologia, ante 72% na média mundial.

Quer dizer, precisamos avançar mais.

No Nordeste, onde a ação pública assume papel primordial, os atuais 210 mil hectares irrigados significam pouco diante do potencial produtivo e das necessidades do desenvolvimento regional.

A irrigação traz reflexos extraordinários na geração de renda e empregos locais.

De onde vem a crítica contra a irrigação?

Do suposto consumo perdulário de recursos hídricos nas lavouras.

Argumenta-se que se aplica água em excesso, em horários equivocados, com equipamentos obsoletos.

Tais observações são, muitas vezes, pertinentes. Os antigos sistemas de irrigação padecem da obsolescência técnica, perdendo eficiência.

Em contraposição, os modernos sistemas de irrigação localizada, incluindo o gotejamento no pé da planta, apresentam uma notável economia de água.

O termo "desperdício", a rigor, não se aplica na agricultura como nas cidades.

Mesmo na irrigação por sulcos, quando se desviam os córregos para regar lavouras, parecendo "gastar" muita água, o excedente retorna mais abaixo ao ciclo hidrológico natural.

Ou, então, ocorre a lixiviação na profundeza do solo, alimentando o lençol freático.

Nada se compara ao uso residencial, em que o precioso líquido se esvai no ralo entupido de detergentes e apodrecido com matéria orgânica na descarga da privada.

O consumo humano e industrial de água destrói sua salubridade, gerando efluentes com elevada carga de poluição.

A irrigação, quando erroneamente aplicada, pode carregar fertilizantes químicos, ou mesmo pesticidas, contaminando mananciais.

Mas esse dano ambiental é facilmente mitigável dentro do manejo local do solo.

Soa insano comparar o uso de água para a produção de alimentos ao consumo urbano.

Por fim, resta considerar uma invencionice.

Trata-se da absurda contabilidade que anota a quantidade total de água consumida por um vegetal, ou um animal, durante sua vida útil, para depois concluir quanto se "gasta" na produção daquele bem.

Por exemplo, pega-se um bovino e se mede quanta água ele bebe desde que nasce até ser abatido no frigorífico.

Daí, divide-se pelas arrobas que pesou e se chega à incrível conclusão: gastam-se 15 mil litros de água para produzir um quilo de carne.

Com base nessas contas malucas, já vi alguém estimar que mastigar um hambúrguer equivale, em consumo d'água, a tomar banho por dois meses seguidos.

Parece piada.

Essa matemática boboca simplesmente desconsidera que os bichos fazem xixi e, ao urinarem, devolvem ao meio ambiente a água que dele retiraram para beber.

Em seu corpo permanece apenas o líquido celular.

Assim funciona o "ciclo da água", matéria do ensino fundamental, em que os alunos aprendem que a água apenas muda de estado -- sólido, líquido e gasoso --, mantendo a mesma quantidade existente no planeta Terra.

Se alguém estiver interessado em encontrar um vilão para o desperdício de água, sugiro procurar no banheiro da sua casa: basta apertar o botão da descarga na válvula hidra.

Em seis segundos se esvaem dez litros para o fétido esgoto.

Deixe o agricultor em paz.

Aí mora a insanidade.


...

*Xico Graziano é agrônomo, foi secretário de Agricultura e secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. E-mail: xicograziano@terra.com.br


OUTRAS COLUNAS
André Pozetti
Antonio Copriva
Antonio de Souza
Archimedes Lima Neto
Cecília Capparelli
César Miranda
Chaparral
Coluna do Arquimedes
Coluna do Bebeto
EDITORIAL DO ESTADÃO
Edson Miranda*
Eduardo Mahon
Fausto Matto Grosso
Gabriel Novis Neves
Gilda Balbino
Haroldo Assunção
Ivy Menon
João Vieira
Kamarada Mederovsk
Kamil Hussein Fares
Kleber Lima
Léo Medeiros
Leonardo Boff
Luciano Jóia
Lúcio Flávio Pinto
Luzinete Mª Figueiredo da Silva
Marcelo Alonso Lemes
Maria Amélia Chaves*
Marli Gonçalves
Montezuma Cruz
Paulo Corrêa de Oliveira
Pedro Novis Neves
Pedro Paulo Lomba
Pedro Pedrossian
Portugal & Arredores
Pra Seu Governo
Roberto Boaventura da Silva Sá
Rodrigo Monteiro
Ronaldo de Castro
Rozeno Costa
Sebastião Carlos Gomes de Carvalho
Serafim Praia Grande
Sérgio Luiz Fernandes
Sérgio Rubens da Silva
Sérgio Rubens da Silva
Talvani Guedes da Fonseca
Trovas apostólicas
Valéria Del Cueto
Wagner Malheiros
Xico Graziano

  

Compartilhe: twitter delicious Windows Live MySpace facebook Google digg

  Textos anteriores
26/12/2020 - MARLI (Marli Gonçalves)
21/12/2020 - ARQUIMEDES (Coluna do Arquimedes)
20/12/2020 - IDH E FELICIDADE, NADA A COMEMORAR (Fausto Matto Grosso)
19/12/2020 - 2021, O ANO QUE TANTO DESEJAMOS (Marli Gonçalves)
28/11/2020 - OS MEDOS DE DEZEMBRO (Marli Gonçalves)
26/11/2020 - O voto e o veto (Valéria Del Cueto)
23/11/2020 - Exemplo aos vizinhos (Coluna do Arquimedes)
22/11/2020 - REVENDO O FUTURO (Fausto Matto Grosso)
21/11/2020 - A INCRÍVEL MARCHA DA INSENSATEZ (Marli Gonçalves)
15/11/2020 - A hora da onça (Coluna do Arquimedes)
14/11/2020 - O PAÍS PRECISA DE VOCÊ. E É AGORA (Marli Gonçalves)
11/11/2020 - Ocaso e o caso (Valéria Del Cueto)
09/11/2020 - Onde anda a decência? (Coluna do Arquimedes)
07/11/2020 - Se os carros falassem (Marli Gonçalves)
05/11/2020 - CÂMARAS MUNICIPAIS REPUBLICANAS (Fausto Matto Grosso)
02/11/2020 - Emburrecendo a juventude! (Coluna do Arquimedes)
31/10/2020 - As nossas reais alucinações (Marli Gonçalves)
31/10/2020 - MARLI (Marli Gonçalves)
31/10/2020 - PREFEITOS: GERENTES OU LÍDERES? (Fausto Matto Grosso)
26/10/2020 - Vote Merecimento! (Coluna do Arquimedes)

Listar todos os textos
 
Editor: Marcos Antonio Moreira
Diretora Executiva: Kelen Marques