|
TEMA LIVRE : Valéria Del Cueto
Minguante
25/06/2017
Não sei quando liguei a lua minguante a hora da partida. Desde que me lembro foi assim. Acho que é nela que a nossa ligação com a terra enfraquece, o fio de prata fica mais tênue.
Se a força da lua influencia as marés, as plantas e, dizem por aí, o nascimento dos bebês, por que não ser presente também na morte?
Com o tempo passei a observar o “fenômeno” que se repete a ciclo lunar. Em maior ou menor intensidade, para mim, sempre está presente.
Essa lua foi daquelas que vai levando de roldão várias pessoas queridas. Depois de seis anos de ausência aportei em Cuiabá.
Dias antes da virada da lua minguante para testemunhar em uma semana a cuiabania sofrer sucessivas perdas.
O jornalista Jorge Bastos Moreno abriu a lista dos que, espero, tenham ido dessa para muito melhor.
“Grande coisa melhorar o que está péssimo”, diria ele resmungando se lhe fosse dado o direito de, já assim rapidinho, mandar notícias do outro do outro lado.
“Uma twittada, por favor, São Pedro. Se deixar devolvo a chave...”
Também partiram Rômulo Vandoni, amigo das minhas idas ao Senadinho e fonte de vastas informações sobre Cuiabá e outras regiões de Mato Grosso.
Sempre gentil e disposto a saciar minha sede de histórias e curiosidades daqui. Foi colaborador valioso em diversas campanhas políticas em que atuei no estado.
Com o Aecim Tocantins, também personagem essencial da história cuiabana, não tive tanto contato. Mas senti a perda de outro baluarte da cultura local.
Dois contadores de histórias e um personagem influente e querido por toda a comunidade.
E já estava de bom tamanho, pensei prestando atenção na data do final da lua minguante: 23 horas do dia 23. Que passasse logo essa fase e os fios que nos unem a terra se fortalecessem...
Mas não tinha acabado. Na madrugada final do reinado da minguante de junho, se foi Fatima Sonoda, minha bióloga preferida.
A conheci logo que cheguei por aqui na década de 80. Como uma boa e longa amizade, a nossa nunca foi linear. Havia amor e discordâncias.
Ficávamos “de mal” e tínhamos um enorme prazer em fazer as pazes.
Uma das brigas mais sérias foi quando ela estava grávida de Bibi. Essa durou. Até o dia em que, numa campanha de Luiz Soares, quando estava com Helinho Lopes gravando numa reunião num ginásio perto da Universidade Federal de Mato Grosso, um toco de gente cruzou o salão com aquele andar cambaleante de bebê e, inexplicavelmente, grudou nas minhas pernas.
Fiquei ali, meio sem saber de onde viera o afago até Fátima chegar perto de mim e declarar:
“Essa é Beatriz. Se ela gostou de você, também tenho que gostar, né?”
As pazes estavam, finalmente, feitas. Bibi não sabe, mas sempre teve meu carinho especial por ter feito a reconciliação.
Como já disse, Fátima é bióloga. E como tal a reconheci em cada passo da sua vida.
Fosse jogando Master e dando surras homéricas nos demais desafiantes (foi quando revoltada gritei o bordão que encerrava nossas demandas:
“ Ela é biooooologa!”.
Fator incontestável diante do meu saber empírico, após essa constatação não havia mais discussão), fosse como especialista e defensora do meio ambiente. Luta árdua.
Técnica do melhor calibre e maior comprometimento, minha fonte de saber e inspiração nesse campo da ciência, batalhou corajosamente pelos biomas mato-grossenses.
Virava onça! Especialmente quando falávamos de uma paixão imensurável que tínhamos em comum: o Pantanal.
Como aprendi com ela! Noves fora nossas paixões em comum: Nina Haggen, Lou Reed, Tom Waits, Laurie Anderson, Charles Bukowski e por aí vai...
Tudo gauche na vida, como ela.
Então Fá se foi e nós ficamos. Com tremendas saudades! Mas certos que logo ali ela vai se enturmar. Boas companhias não faltarão para a amiga querida. E logo, logo, nos vemos por aí. Numa minguante qualquer...
...
*Jornalista, fotógrafa, gestora de carnaval e porta-estandarte do Saite Bão. Essa crônica faz parte da série “Parador Cuyabano”, do SEM FIM... delcueto.wordpress. com
Compartilhe:
|
|