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TEMA LIVRE : Valéria Del Cueto
É fria, a frente
06/08/2017
“Querida amiga reclusa.
Antes de mais nada gostaria de pedir desculpas pela ausência. Não consegui chegar em tempo hábil na última lua cheia para, usando seus raios, alcançar a fresta da janela e “invadir” sua cela no retiro voluntário.
Andava “pluct placteando” e perdi o bonde da carona lunática espectral. Falha minha envolvido que andei acompanhando os inenarráveis movimentos para o desenlace pós recesso no país.
Fim de férias para várias pendências nacionais, estaduais e municipais. Para não ampliarmos excessivamente nosso raio de observação científica.
Pulei de galho em galho, tal e qual macaca de auditório acompanha shows dos ídolos décadas atrás do milênio passado.
Sim, sei que você vai me repreender por usar o termo animal, em vez do simpático e politicamente correto tiete. Culpa dos sofisticados sistemas de minha moderníssima aeronave. Aquela que não consegue ultrapassar a atmosfera e me cuspir para além da estratosfera.
Seguiria tranquilo minha viagem intergaláctica. Tomamos embalo. Ela, a nave mãe, comigo dentro, mas acabamos ping pongueando sem furar o bloqueio celestial.
Diante disso, só me resta passar para o plano B da viagem interestelar e continuar por aqui recolhendo dados do declínio inexorável dessa civilização que tantas maravilhas já revelou ao universo.
É muita informação para ser armazenada. Dessa missão até tenho dado conta.
Quem não está conseguindo acompanhar e decodificar os eventos é a máquina na cabine de comando da nave que havito.
Não, não vou entrar em detalhes para evitar traumas e choques na sua lenta – e frágil – recuperação. Acontecerá com você, amiga, o mesmo que ocorre com o computador de bordo.
Chamará tiete de macaca de auditório e político de ladrão e sem vergonha. Assim mesmo. Generalizando que é para colocar toda a farinha no mesmo saco.
De preferência com uns corózinhos, aqueles bichinhos, que é para inutilizar de vez o fardo inteiro. Tudo podre.
E é aí que mora o perigo. Porque corre o risco da minha cronista preferida levar um “teje preso”.
É fia, estamos nessa vibe. Com direito a projeto de lei proibindo “defamar” a categoria como um todo.
De autoria renomada e apoiado por muitos dos que pregam crença que não creem nem moral que não praticam.
Sorte que a novidade não atingirá seres como eu, de outro planeta.
Só que este não é o seu caso e a desculpa da insanidade não será considerada nas cortes judiciais do seu país.
Tatua o nome do seu amado no ombro? Tira a camisa numa cerimônia pública para exibir a obra de hena? Usa seu precioso tempo no seu ambiente de trabalho para pedir nudes pelo seu aplicativo? Votou sim? Não? Então não terá a menor chance de pedir imunidade para abusar da impunidade.
Insanidade pouca não anda fazendo verão por aqui. Foca, amiga querida. Contenção de gastos é a ordem geral. Excluindo para eles que continuam mandando ver em emendas, explodindo de cargos e, claro, levando algum por fora.
Por falar nisso, essa é a razão dessa missiva fora de lua. Ainda estamos a uma semana da lua que nos une por seu raio.
Não tenho ideia de onde estas mal traçadas linhas irão encontra-la, minha enluarada.
Seu reduto do outro lado do túnel, o Pinel, está ameaçado, se já não foi esvaziado!
Por isso, mando essas instruções por aquele enfermeiro gente boa.
Não se preocupe, vou busca-la onde estiver.
Na próxima cheia nos encontramos na ponta do raio mais longo de luar.
Até lá, É fria, a frente. Se cuida."
...
*Jornalista, fotógrafa, gestora de carnaval e porta-estandarte do Saite Bão. Essa crônica faz parte das séries “Fábulas Fabulosas” do SEM FIM... delcueto.wordpress.com
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