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TEMA LIVRE : Valéria Del Cueto
A maior lição da 40º Califórnia da Canção: Menos vale mais!
21/12/2017
Num fim noite de domingo do mês de dezembro em 2017, três cidades gaúchas premiavam simultaneamente ganhadores de festivais de músicas nativistas: a XX Seara da Canção, em Carazinho, o XI Canto Sem Fronteira, em Bagé, e o mais antigo festival do Rio Grande do Sul, a 40º Califórnia da Canção Nativa, em Uruguaiana.
Escolhida entre as 20 concorrentes (selecionadas entre 571 inscritas), a canção de Silvio Genro, “Um homem, um cavalo e um cachorro”, vencedora da Linha Manifestação Rio-Grandense, levou o troféu Calhandra de Ouro disputado com os ganhadores das Linhas Livre, a milonga “Aprendendo a morrer”, de Mauro Ferreira e Luis Carlos Borges, e a Campeira, com a chamarra “Sobra de baile”, de Anomar Danubio Ferreira e Juliano Gomes.
As mulheres, sempre número reduzido nos certames nativistas, se destacaram levando os prêmios de melhor intérprete, para Shana Muller defendendo a milonga “Amor em Trova de Lua”, de Gujo Teixeiras e Sérgio Rojas, e de melhor arranjo, da maestrina Dunia Elias, na linda toada “Tatuagens”, de Gilberto Carvalho e Lenin Nuñez.
Realizado em meio a crise econômica que afeta todos os setores locais, estaduais e do país, o evento literalmente quente e com preços salgados (250,210 e 150 reais as permanentes para os três dias), não conseguiu lotar, como nas primeiras edições, o Teatro Municipal Rosalinda Pandolfo. O que, por um lado, foi providencial, já que o sistema de ar condicionado da sala, não funcionou a contento.
Iluminação frenética - A plateia, composta em sua maioria por pessoas de mais idade, além do calor comum na região nessa época do ano, teve que suportar o uso excessivo de fumaça cenográfica e o cheiro característico do efeito, e especialmente no primeiro dia, da insuportável luz estroboscópica usada em demasia cegando os assistentes. Se a situação era ruim na plateia inferior imagine no mezanino onde o valor dos ingressos era mais em conta e a ausência de ventilação concentrava a fumaceira.
Cenografia equivocada
Os recursos serviram para tentar camuflar o cenário precário composto por um gigantesco banner de fundo, com a imagem dos “tartarugas ninjas” pampeiros (definição dada por um seguidor de muitas Califórnias) do cartaz oficial, com marcas das dobras do plástico brilhante.
O cuidado com a ambientação cenográfica inexistiu. As cadeiras utilizadas pelos músicos, por exemplo, eram as do Centro Cultural. De plástico azul turquesa, combinavam apenas com a bermuda da mesma cor do assistente de palco inapropriadamente paramentado de “show de praia” para a ocasião. Ficou a cargo dos participantes, concorrentes e convidados, com suas pilchas e instrumentos, criarem o clima que remetia ao motivo da festa. E eles não se fizeram de rogados.
A sonorização
Talvez funcionasse a contento na mesa de som para o registro sonoro do espetáculo, mas estava precária dentro do teatro onde estavam os pagantes. Um detalhe: não apenas uma, mas duas vezes, as apresentações foram interrompidas por problemas técnicos. Nunca, antes, na história da Califórnia tal fato aconteceu.
Os shows
Nos dias que antecederam o início da Califórnia foram anunciadas substituições no “grid” dos shows. No lugar da Camerata Pampeana se apresentou Luis Carlos Borges. No de Ivan Lins, João Almeida Neto, que dividiria o palco com Mauro Moraes na abertura da 3º noite, foi remanejado para o encerramento. Quem ganhou foi o público. Se o nível da disputa foi bom, considerando o número de festivais nativistas existentes no estado, os shows foram melhores ainda!
Mano Lima encerrou a primeira noite, infelizmente com um público aquém do desejado, envolvendo a pequena plateia com seu espírito missioneiro. Na etapa seguinte, a dupla Mario Barbará e Chico Saratt, levantou pela primeira vez a plateia apresentando seu mais recente trabalho “Os Desgarrados”. Uruguaiana aplaudiu de pé!
Enquanto se aguardava o resultado do júri foi a vez de João Almeida Neto passear pelos corredores do Teatro Municipal e por seu vasto repertório regional segurando a ansiedade do público ele fechou a 40º Califórnia da Canção com clássicos de Nelson Gonçalves.
A mais
Uma constatação elementar é o fato de que basta uma apresentação por noite. Com o início por volta das 22h, os shows de abertura – “Os Uruguaianenses Cantam sua Terra” (com enxerto excessivo de convidados), Luiz Carlos Borges e Mauro Moraes -, as eliminatórias/final, além dos espetáculos de encerramento, a maratona se estendia até as 2:30h, em plena madrugada. Cadê tempo para acompanhar as Tertúlias que aconteciam na praça em frente ao teatro? O tradicional e aguardado encontro musical funcionou.
Contrapartida
Esse extenso roteiro foi um dos motivos para inviabilizar a utilização, por parte das escolas, dos ingressos doados como contrapartida pelos benefícios da LIC - Lei de Incentivo de Cultura do RS. Distribuídos para unidades que mantém trabalhos “campeiros”, não foi providenciado transporte para o acesso dos alunos ao teatro no centro da cidade. Como retornar às suas casas num horário tardio, em que as linhas de ônibus não funcionam?
Excessos
A distribuição de comendas e a participação (e/ou ausência) de autoridades também provocou atrasos, especialmente com discursos de cunho político e repetitivos. Outro ponto que não passou desapercebido foi a proibição para o público de consumo de bebidas e alimentos no interior do teatro. Devido ao calor, a água foi liberada a partir do segundo dia. Mas a regra só valeu para o público...
Que venha a próxima
Sem a presença no palco na hora do anúncio dos resultados de ninguém mais além dos premiados, objetos e motivos da festa. O que se viu nessa edição foram caroneiros que não fazem parte contexto tirando uma casquinha e atrapalhando o registro final dos protagonistas do mais expressivo movimento musical criado para valorizar e representar o verdadeiro nativismo gaúcho.
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*Jornalista, fotógrafa, gestora de carnaval e porta-estandarte do Saite Bão. Da série “Fronteira Oeste do Sul”, do SEM FIM... delcueto.wordpress.com
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