Um lugar pra colocar na lista de desejos 21/04/2018
Pedra Azul é a Campos do Jordão do Espírito Santo e sua completa tradução mineral um dos cartões postais do estado. Parte da região, belíssima, abriga o Parque Estadual que leva seu nome. Fica no distrito de Aracê, do município Domingos Martins.
Depois do desembarque no recém-inaugurado aeroporto da de Vitória e fazer um tour pela arquitetura emergente da orla da ilha, entrar no mundo rural do Espírito Santo é um choque radical.
NA ESTRADA
Pegar a BR 262 que liga as capitais do estado e Minas Gerais, ao som do violão do Marques de Salobreña, o espanhol Andrés Segóvia, a caminho de um paraíso é um privilégio.
No rumo traçado em direção a região da Pedra Azul, no alto da serra, o que chama a atenção é a quantidade de plantações de eucalipto, matéria prima para a produção de celulose, indústria de destaque na economia estadual.
As linhas das árvores criam desenhos e recortes nos morros, contrastando com outras culturas e o que está preservado da vegetação original da Mata Atlântica. No decorrer dos 112 km até o destino final, a paisagem agrega também lavouras de café, outro produto tipo exportação da região.
Na parada para abastecimento cachaça, mel e embutidos de fabricação local. No posto, carretas carregadas de madeira preparadas para engrossar o vai-e-vem da BR que liga a costa ao interior em pleno sábado.
TEMPO INSTÁVEL
O tempo nublado, com uma chuvinha peneirada, criava um contraste difícil com o céu chapado para fotografar. A carga pesada dos caminhões se integrava ao quadro, suavizado pela montanha verde adereçada com o efeito cocar das silhuetas dos eucaliptos costurando a junção dos elementos.
Isso foi apenas o começo. No final de semana, o que poderia ser defeito para alguns foi festa! Revelada nos ensaios das imagens. Choveu fino, choveu forte, teve névoa, neblina, nuvens e... sol!
IMIGRANTES DO VELHO MUNDO
A região é colonizada por pequenos agricultores de origens italiana e alemã. É na evolução harmoniosa dessa vocação agrícola que se ancora o charme do destino turístico do PIB capixaba, pioneiro no agroturismo.
Ótimos hotéis, pousadas e restaurantes oferecem um leque de opções para hospedagem e delícias da gastronomia aos visitantes, especialmente no inverno. Tudo cuidadosamente preparado para valorizar o produto (agrícola, comercial ou turístico), embalado por ações modernas de marketing que indicam a profissionalização na gestão dos negócios.
AGROTURISMO
A família Carnielli, oriunda do Treviso, chegou ao Brasil 1888 e se instalou na região cultivando café, milho, criando animais e produzindo seus derivados. Na década de 80, pioneira, investiu no agroturismo.
Hoje, oferece cafés especiais, socol(copa) e embutidos, laticínios, farinha de milho... A linha já está disponível na capital em supermercados, no Café do Horto Mercado, na Delicatessen do Aeroporto de Vitória e numa loja virtual. O próximo passo? A criação de franquias da marca.
Está no setor do comércio a origem da Transverde, a monumental loja de departamento de Pedra Azul, no 90km da BR 262. Inicialmente, o pioneiro levava a produção local para ser vendida na capital.
Na volta, trazia encomendas de gêneros de primeira necessidade para os colonos. Depois, veio a loja de material de construção. Há espaço para todos os tipos de itens dentro do prédio de pedras que abriga o “empório”, com produtos de “A” a Versace.
Tudo distribuído pelos dois andares ligados por uma impressionante escada estruturada em madeira maciça, peça que me levou a conhecer o local e “capturar” imagens entre os itens oferecidos no enorme estoque do, também, antiquário.
Irresistível para os visitantes, necessário para os moradores e um pecado para fotógrafos gentilmente autorizados a explorarem os imensos ambientes. Mais um entre os numerosos cases de sucesso do trabalho familiar na serra capixaba.
ORQUÍDEAS, BROMÉLIAS E UM IGUAL
Foi nessa levada que cheguei ao orquidário Caliman. O céu chorava de tempos em tempos e, sentindo os primeiros pingos engrossarem, entrei nas estufas em direção ao prédio principal para pedir para explorar aquele mundaréu exuberante.
O proprietário, ao dar a autorização, alertou: “Pode fotografar tudo, menos eu. Tenho pavor de fotos. Acho, como os índios, que ela rouba a alma dos retratados”.
Me senti em casa e entabulei conversa enquanto a chuva despencava do lado de fora. Descobri que era professor de Matemática.
Prestou atenção pela primeira vez nas orquídeas numa excursão a Petrópolis/RJ quando perdeu a democrática votação que levou o grupo a uma exposição de espécies no Palácio dos Cristais.
Daí a virar expert e criar o incrível orquidário na região foi um longo caminho que passou por uma formação em filosofia e uma capacidade incrível de se manter imune aos apelos do mundo moderno.
Não tem celular, internet nem e-mail. Apenas um telefone fixo. Seu contato foi anotado a lápis nas costas de um panfleto de propaganda de uma exposição de orquídeas num município vizinho.
Por respeito a sua privacidade, mantenho seu anonimato. Mesmo, agora, ao agradecer as fotos maravilhosas que fiz no local.
PEDRA AZUL
De lá só saí para trocar a conversa estimulante por uma passagem pela Rota do Lagarto. O tempo mudara e... havia sol!
O caminho circula a Pedra Azul, visível em toda a região, e é passeio obrigatório com diferentes propostas, como o Fjordland, um complexo em que, entre outras atrações, é possível alugar cavalos noruegueses para percorrer a região.
Outro atrativo é Hotel Fazenda Monte Verde, em Vargem Alta. Um dos apelos de seu campo de golfe é justamente o cenário privilegiado do Parque da Pedra Azul, a 650 m de altitude. O tempo instável no final da tarde impediu uma exploração mais demorada do lindo visual das quaresmeiras floridas, agasalhadas pelas franjas da neblina que surgia.
SINFONIA E SINTONIA
Bom, aqui termina a parte pública do final de semana. A outra, foi a base de bons vinhos. Destaque para a moqueca de camarão e a perdição que é o pé-de-moleque de macadâmia.
A sinfonia da passarinhada para “acordar” o dia não falhou. Mas as maritacas, tucanos e outros frequentadores da ceva da janela da copa só apareceram na manhã de sol. Ruim? Não, perfeito.
Se não fosse o mau tempo não seria recebida por uma orquestra magistral, composta pelo barulho da chuva castigando a floresta preservada e os ventos uivantes assobiado entre as árvores.
A natureza conversava com quem conseguia captar sua mensagem. Quem se manifestava era a Mata Atlântica, derramada exuberante aos pés da casa projetada, como outras na região, pelo filho de Zanine Caldas, o mestre das madeiras.
Em termos visuais, só ela mereceria dias de estudos de luz fotográfica. Para uma exploração aprofundada das sutis variações de sua iluminação interna, propiciadas pelos raios do sol, em diferentes posições, que vazavam pelas paredes de vidro emolduradas pela estrutura de madeira da construção... Mas essa é outra viagem!
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*Jornalista, fotógrafa, gestora de carnaval e porta-estandarte do Saite Bão. Da série “No Rumo”, do SEM FIM...