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O Outro Lado Porque tudo tem dois, menos a esfera.

TEMA LIVRE : Marli Gonçalves

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60, por hora, na vida
11/06/2018

Acordei e era idosa. Sentei na cama, movi os braços, as pernas. Corri para o espelho. Chequei se continuava tudo ali no lugar, forcei um pensamento mais arrojado e tudo bem, valeu, pelo menos a meu ver, ele surgiu coerente e livre. Ufa! Tudo bem, tudo legal.

Na noite anterior, coisa de um minuto para outro eu tinha pulado de fase no jogo da vida, chegando à casinha 60, aquela na qual é preciso parar um pouco, pensar e esperar quais serão as próximas jogadas.

Tudo igual. Que bom. Agora ganhei um epíteto a mais: idosa. Se provocar, tem mais: sexagenária; sessentona – palavra que pesa um pouco nas costas, principalmente as femininas.

Os sessentões parecem mais galãs. As sessentonas, quando citadas, dão a entender que são espevitadas e pouco virtuosas. Usada como adjetivo aponta ironia com a informação que dará em seguida “Sessentona isso, sessentona aquilo, sessentona apresenta namorado trinta anos anos mais novo”…

Tem o coroa também, meio gíria antiga, que um dia alguém me explica. É usado para definir qualquer pessoa que seja mais velha do que quem a declama. “É uma coroa enxuta”, uma frase, por exemplo.

Engraçado, ainda bem que me preparei antes, buscando não ter muita ansiedade, meditando bastante e observando como pode funcionar para mim e para os outros. Do meu canto, me observo e observo. Consigo agora até tocar no assunto por aqui.

O redondo 60 é número bonito, sonoro, imponente e importante. Deve ter algo a mais para oferecer. Tanto que horas têm 60 minutos e os minutos, 60 segundos.

Dizem que 60 era o número mais admirado pelos babilônios, que dividiam o círculo em 60 partes, e que foi assim a base na qual estabeleceram o calendário, e calcularam os tais 60 minutos da hora e 60 segundos do minuto. Achavam o número harmônico. Tem o número. 60.

A palavra. Sessenta. Sixty, que tem som sexy. Soixante, em francês. Perde um “s” em espanhol, vira sesenta.

Dizem que não pareço que tenho sessenta; tem quem ache que eu não devia nem falar, mas nunca menti. Acho legal.

Então até já me organizei para tirar a tal documentação que comprove onde eu precisar que agora, de um dia para o outro, ganhei uns direitos, uns descontos, mereço um outro tipo de tolerância obrigatória e até umas leis de proteção, o tal estatuto. Um lugar diferente nas filas.

Vou procurar direitinho o que mais posso ter de vantagem. Porque as desvantagens já conheço e estou vendo não é de hoje nessa sociedade que pouco valoriza a experiência, e nos torna invisíveis.

Estamos aí com força total.

Como o tempo passa. Outro dia eu tinha nascido, no outro cresci, fui adolescente e sempre mulher. Nenhuma das fases tão marcada a ferro e fogo como esta.

O que foi bom porque carreguei e mantenho as outras partes: ainda sou criança, adolescente, adulta, vivi e agora – como determinam – sou idosa, essa fase marcada com um círculo em volta.

Tô brincando com isso com meus amigos e amigas. Ouvi muitas gargalhadas e, dos que já passaram dos 70 e quase já chegam ao 80, ouço dizem: esse é um novo começo.

E é neles que me fio. Afinal, quando nasci eles já eram até maiores de idade.

Adoro saber do ano de 1958, e me vejo como um acontecimento igual a muitos daquele tempo onde tudo parecia abrir um novo caminho para o país, para as ideias, arejando ideais, e com grande criatividade artística.

Creio que foi um ano bem alto astral. Mais alguns anos que se seguiram também, até que apagaram a luz por 21 anos.

60 anos depois, cá estamos nós, e esse ano agora caminha carrancudo.

Valeu a pena?

Olho para trás e me preocupo muito é se vou ter energia e vontade de novamente lutar enfileirada para que não consigam fazer desandar de novo o tempo que conquistamos e que se perde.

Combater chatos e caretas, e outros tantos que pensam torto, e querem regredir ainda mais.

Uma preguiça imensa aparece do nada. E sei que é uma sensação que invade muitos de nós, hoje idosos, e alguns ainda mais idosos – que não deve demorar a surgir classificação posterior, já que estamos vivendo mais.

Os idosos e os mais idosos, todos por aí com muita energia, superando a garotada que parece já ter nascido cansada e isolada em suas redes sociais.

Temos visto terríveis casos de suicídios, de pessoas famosas que aparentavam ser totalmente realizadas.

Penso que talvez elas tenham querido apenas congelar o tempo.

Porque sempre há o medo, muito medo, do que virá.

...

*Jornalista – Tá bom, admito, esperei 48 horas para só depois escrever tudo isso. Queria ter certeza do que é que podia ter mudado de um dia para o outro.

São Paulo, junho de 2018

E-mails: marli@brickmann.com.br
marligo@uol.com.br



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