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TEMA LIVRE : Marli Gonçalves
Em busca do prazer perdido
25/05/2019

Vou falar desse assunto um pouco proustiano porque creio que muito mais gente pode estar se sentindo assim e talvez seja bom trocarmos ideias, um pouco de filosofia, essa conversa particular.
Não confunda prazer com felicidade. Prazer é fugaz, mas alegria necessária no nosso árido cotidiano.
Anda faltando prazer. Anda me faltando prazer. Demorei dessa vez um pouco mais do que de costume para distinguir o porquê de uma certa tristeza no fundo do coração, como definiria e responderia como me sinto, claro, caso alguém me perguntasse.
O que anda meio difícil, que alguém queira saber de outro realmente se está tudo bem. Tudo bem, tudo bom.
Cada vez mais as relações são fugazes, superficiais e as pessoas estão voltadas aos seus próprios umbigos e a como salvar os seus rabos.
Não é uma crítica. O mundo está assim mesmo.
Cabe a todos admitirem onde o sapato aperta.
Mas especialmente quem vive só, ou melhor, convive consigo mesmo, tem de estar esperto ao que o seu eu interno está sentindo, até para evitar o agravamento enquanto é tempo.
Quem pode, pode, faz análise, viaja, tira ano sabático, inventa uma moda, sai comprando coisas – que comprar coisas é sempre bom.
Quem não pode… escreve.
Pode ser a aproximação de mais um aniversário, os teimosos e inúmeros cabelos brancos que despontam revelados pelo espelhos. E que parecem rir da sua cara quando se tenta puxá-los da cabeça.
Pode ser essa sensação de ter se tornado invisível justamente para aqueles os quais mais gostaria de estar sendo vista. O tempo correndo.
Pode ser por causa de tanta coisa. Pode ser esse país maluco e desorientado, todo dia ouvir índices bons descendo, índices ruins subindo, o tempo escorregando numa rotina qualquer.
A repetição das desgraças que poderiam ser evitadas, e das tragédias que, por mais longe que seguidamente ocorram, nos afetam a sensibilidade – cada vez mais acompanhamos ao vivo muitas delas e diante de nossos olhos elas se desenrolam sem que possamos interferir em nada.
Tenho um bom amigo psicanalista, um vizinho de quem gosto muito, também jornalista, e que um dia vi conseguir mudar um monte de coisas na vida dele. Continua mudando.
Me contava que para se “salvar” diminuiu drasticamente o número de horas “GloboNews”; se informa no estritamente necessário.
Já eu não posso fazer isso, por conta da atividade, mas detectei uma parte da minha própria angústia: os plins 24 horas vindos da internet, dos e-mails, das redes sociais, do SMS, do Whatsapp, que agora ainda tem mais essa.
Cancelar notificações: ajuda.
Continuando a conversa, ele citou um autor que pergunta: “Você realmente quer aquilo que deseja?” “É mesmo o que precisa?”.
Porque desejar muito é constante fonte de angústia.
Citou ainda mais o que faz para si, a leitura e a culinária, essa última encontrei várias vezes citada como excelente forma de prazer. Cozinhar. Criar.
Prazer é descrito como uma sensação de bem-estar, a gente demonstra alegria quando tem prazer. É uma resposta do nosso organismo. É aquela sensação agradável. Efêmera, curta, mas fundamental.
Os prazeres ocorrem à flor da pele. O dicionário é claro: sentimento agradável que alguma coisa faz nascer em nós; deleite, gozo, delícia; gosto, desejo; alegria, contentamento; boa vontade, agrado; distração, divertimento.
E olha que nem estou falando do prazer sexual, que esse é outro capítulo.
Cazuza queria uma ideologia para viver. Eu quero prazer, ter mais prazer.
Ideologias há muitas e ultimamente elas têm sido fonte é de enorme desprazer.
Porque as pessoas se apegam a elas – talvez até em busca de preencher seus vazios existenciais – e têm ficado meio burras agarradas nessas tábuas de salvação.
Acabam tentando limitar o prazer a aquilo que alguém ao longe acena friamente buscando fanáticos para segui-los.
Acabam com os nossos, em palavras, canetadas, agressões.
O prazer é coisa pessoal, individual, precisa ser livre e desimpedido, acontecer quando menos se espera, naturalmente.
Prazer me faz sorrir, me impulsiona, dá ânimo, me deixa bem, combina comigo.
Mas precisa de ambiente propício. Que é o que não vem sendo o caso, também descobri nessa busca que empreendi para entender meus sentimentos.
E você, como está se sentindo?
O que é que te dá prazer?
...
*Jornalista
E-mails:
marligo@uol.com.br
marli@brickmann.com.br
São Paulo, no outono.


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