Em "Fado das Perguntas", o sambista conta a história de um sujeito que disfarça o sofrimento com as baixas temperaturas do inverno e com a solidão dentro de uma tasca. “Tudo bom, nada malâ€, diz a letra.
Na realidade de parte dos mais de 100.000 brasileiros que hoje vivem do outro lado do Atlântico, não está nada bom.
A gerente comercial Marina Lamar, de 28 anos, integra esse grupo.
“Mudamos para tentar melhorar de vidaâ€, conta ela, que chegou a Lisboa em setembro de 2018, com o marido, os filhos de 1 e 9 anos e grávida do terceiro. “Hoje vivemos pior que no Brasil.â€
A famÃlia de Marina tinha uma rotina simples em Vitória, no EspÃrito Santo, mas conseguia viajar (“parcelando mil vezes no boletoâ€), ter carro, animais de estimação, vida social.
A decisão de deixar o Brasil foi motivada pelo medo da violência e pelo desejo de proporcionar um ensino gratuito de qualidade aos filhos.
Depois de morarem em um quarto de hostel e em uma quitinete infestada de percevejos, conseguiram alugar um apartamento de dois quartos numa cidade a 20 quilômetros do bairro de Lisboa onde o marido trabalha como garçom.
“Passados seis meses, a senhoria pediu o imóvel. Fiquei sem chãoâ€, lembra Marina, que hoje mora de favor no apartamento de uma amiga, enquanto espera sair o passaporte do filho que nasceu em Portugal para retornar a Vitória. “Chegamos ao limiteâ€, desabafa.
Para cruzar o Atlântico de volta, Marina conta com a ajuda de parentes do casal que estão se cotizando para pagar as cinco passagens de avião.
A onda de desencanto representa a ressaca pós-inundação migratória.
Depois do êxodo em direção a Miami a partir dos anos 90, Portugal virou o eldorado para muitos que buscam uma fuga de problemas como a violência e o desemprego.
Em 2018, a comunidade de brasileiros no paÃs europeu chegou ao número de 105.000, 23,4% superior ao total registrado em 2017.
Novamente, o Brasil liderou o número de tÃtulos de residência emitidos, 28.210, e representa o paÃs natal de 21% dos imigrantes que vivem por lá.
Para quem não tem o mesmo colchão financeiro e arrisca tudo na mudança, há o grande perigo de trombar com a barreira da tÃmida economia portuguesa.
A iniciativa, da Organização Internacional para as Migrações (OIM), não só banca a volta de expatriados sem condições de arcar com o custo das passagens como dá um incentivo financeiro para a reintegração no mercado de trabalho do paÃs de origem.
Na hora do pagamento, tomaram um calote. “Uma brasileira que contratava os funcionários sabia que não tÃnhamos documentos e disse: ‘Não vou pagar nada, não. Se quiserem, reclamem na polÃcia’.â€
“Em cinco meses, a gente se viu numa situação desesperadora, à beira do despejo, com a proprietária dizendo que ia arrombar a porta e nos expulsar. Era muita humilhaçãoâ€, conta.
A famÃlia acabou salva pelo ARVoRe. Um mês depois de se candidatar ao programa, estava voltando para casa.
Embora tenha uma taxa de desemprego baixa (6,7%) em comparação com a trágica realidade brasileira (12,5%), Portugal está longe de ser um oásis para quem procura trabalho — e os estrangeiros sofrem mais ainda com essa dificuldade.
A relações-Âpúblicas carioca Ana Duarte, de 43 anos, chegou a Lisboa em 2016 e guarda no notebook os mais de 300 e-mails que enviou com seu currÃculo desde então.
Apenas sete empresas retornaram, das quais só uma era em sua área de atuação — e ela não ficou com a vaga.
“Quando terminar meu mestrado, vou tentar uma bolsa em outro paÃs europeuâ€, conta.
Na falta de encontrar um emprego qualificado, a administradora Nathalia de Lima, de 32 anos, investiu cerca de 50.000 reais para montar com o marido, engenheiro de produção, uma loja de frutos secos caramelizados e doces em uma das estações de metrô mais movimentadas da cidade do Porto.
“Tentamos negociar o valor da locação, mas o administrador foi irredutÃvelâ€, diz Nathalia, que atualmente tenta recuperar o investimento vendendo o estoque pela internet.
No momento, há vagas sobrando para setores especÃficos, como o de tecnologia de informação.
Portugal criou um visto especial para atrair talentos da área das mais diferentes partes do mundo.
Muitos que têm qualificação acabam trabalhando no paÃs como motorista de Uber ou motoboy para sobreviver.
Em busca de uma saÃda, alguns brasileiros começaram a ganhar dinheiro oferecendo serviços à grande comunidade de conterrâneos expatriados, como o de bufê de festa infantil caprichada, um negócio estranho à s famÃlias portuguesas.
O empresário paulista Marinho Ponci, de 52 anos, por sua vez, criou uma consultoria no Porto para brasileiros interessados em montar negócios por lá.
Para quem pensa em empreender, ele dá duas dicas: paciência e reserva financeira de pelo menos dois anos.