Sanguessugas: As provas da propina 05/08/2006
- Hugo Marques - IstoÉ:
Documentos envolvendo parlamentares são contundentes: de cheques a comprovantes de depósitos feitos pelas empresas do grupo Planam.
O clima no Congresso raramente esteve tão tenso quanto na última semana. Uma parcela de parlamentares fazia enorme pressão para tirar nomes da lista dos sanguessugas. De outro lado, deputados e senadores não citados no esquema que superfaturava a compra de ambulâncias pressionavam para que a lista fosse a mais ampla possível. No meio do embate, os membros da CPI que investiga as fraudes nas emendas ao Orçamento e dez técnicos trabalhando até 16 horas por dia para finalizar um primeiro relatório que será divulgado na quinta-feira 10.
Apesar de alguns dados ainda não estarem disponíveis, o documento a ser apresentado certamente representará a morte política de vários parlamentares.
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ISTOÉ teve acesso exclusivo a diversos documentos já em poder da CPI, da Polícia Federal e do Ministério Público.
São cheques, extratos bancários, depósitos e gravações telefônicas que serão usados no relatório e que servirão como base para o pedido de cassação de 14 deputados. Eles receberam dinheiro em suas contas correntes ou nas contas de parentes muito próximos, como filhos e mulheres.
Outros 30 parlamentares recebiam a propina por intermédio de assessores. Um deputado está nas duas listas, pois recebeu tanto na própria conta corrente como na de seu chefe de gabinete.
O combativo deputado Cabo Júlio, do PMDB mineiro, elegeu-se após liderar uma greve de PMs. A CPI já confirmou que, uma vez eleito, ele reuniu os líderes dos sanguessugas em sua chácara, em Belo Horizonte. Na lista da Planam, a empresa que vendia as ambulâncias, há dois cheques e 15 comprovantes de depósitos na conta bancária de Júlio César Gomes dos Santos no Banco do Brasil. Esse é o nome completo do Cabo Júlio. Total dos depósitos: R$ 193 mil.
Para o deputado Ricarte de Freitas (PTB-MT) a Planam foi mais generosa. O documentos mostram que a empresa chegou a pagar dívidas do parlamentar junto à Piran Factoring e à VR Factoring e ainda forneceu as passagens aéreas de uma filha de Ricarte para uma viagem a Nova York. Total da generosidade: R$ 747 mil.
Lino Rossi (PP-MT) é acusado de arregimentar colegas do Parlamento para integrar os sanguessugas. A CPI encontrou vários pagamentos da Planam para ele, que admite ter recebido dinheiro, camisetas e “sacolões” de Darci Vedoin, o dono da empresa. Mesmo assim, jura inocência. Ele não revela quanto recebeu e nem a CPI conseguiu ainda somar todos os depósitos já comprovados, o que deverá ser feito no final de semana.
Na quinta-feira 3, foram totalizados os “benefícios” recebidos por Nilton Capixaba (PTB-RO). Eles somam R$ 646,6 mil. Parte do dinheiro foi entregue em mãos, no Hotel Meliá, em Brasília.
Outro que recebeu dinheiro na própria conta corrente do Banco do Brasil em Indaiatuba (SP) foi Neuton Lima (PTB-SP). A CPI listou R$ 152 mil em favor do parlamentar. Os mimos incluem até um microônibus.
Já o deputado Helenildo Ribeiro (PSDB-AL) foi menos aquinhoado. Recebeu R$ 10 mil em duas vezes. Metade foi depositada na conta de seu filho, James Monteiro. A outra parte foi-lhe entregue em mãos. Segundo Vedoin, o dinheiro foi um “adiantamento”.
Helenildo conheceu Vedoin através do deputado João Caldas (PL-AL), outro acusado de envolvimento com os sanguessugas que deverá ter o sigilo quebrado.
Alguns parlamentares depositaram a propina em contas correntes de parentes diretos.
Amauri Gasques (PL-SP) ordenava que os depósitos fossem feitos nas contas da esposa e assessora, Edna Gonçalves Souza. O dinheiro entrava na agência do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal localizada no interior do Ministério da Defesa. Total: R$ 25,9 mil.
Edir de Oliveira (PT-RS) usou o sobrinho Rafael Zancanaro Oliveira para receber R$ 30 mil.
Edna Macedo (PTB-SP) recebeu depósitos da Planam na conta do filho e assessor Otávio José Bezerra Sampaio Fernandes. Foi a própria deputada que fez contato com a direção de uma entidade para acertar os detalhes do direcionamento das licitações, segundo confissão de Luiz Antônio Vedoin, filho do dono da Planam.
Reginaldo Germano (PP-BA), que durante a campanha eleitoral se vangloriava de ter tido um passado marginal e de ter-se recuperado, recebeu R$ 49 mil em sua própria conta. O dinheiro saiu do esquema das ambulâncias que a Planam montou para fraudar licitações em municípios paupérrimos do interior da Bahia, como Irecê. O dinheiro era depositado na conta do deputado na agência do Banco do Brasil na Câmara dos Deputados.
O deputado Josué Bengtson (PTB-PA) recebeu R$ 19,9 mil em sua conta corrente. Outros R$ 55 mil desviados em emendas do parlamentar foram repassados para entidades indicadas por ele.
Há ainda os casos de parlamentares que usaram, além das contas pessoais, as contas de funcionários da Câmara.
Enivaldo Ribeiro (PP-PB) recebeu na sua conta no Banco do Brasil dois depósitos que somam R$ 10 mil. Outros R$ 28 mil foram depositados na conta do chefe de gabinete Divaldo Martins Soares Júnior. É por isso que Enivaldo está na lista dos 14 com provas e na lista dos 30 com fortes indícios.
Cleuber Carneiro (PTB-MG) recebeu em sua conta corrente um depósito de R$ 14,4 mil, feito por Luiz Antônio Vedoin. Outros R$ 42 mil foram pagos em dinheiro, diz Vedoin, no gabinete do parlamentar, em Brasília. Foi dinheiro desviado em licitação da saúde para o município de Januária.
A CPI encontrou documentos que indicam depósitos da Planam no valor de R$ 60 mil na conta do deputado José Divino (PRB-RJ). Ele foi o responsável por colocar Maria da Penha Lino no Ministério da Saúde. Ela intermediou os negócios da Planam com o governo e, quando o esquema foi descoberto, delatou os parlamentares envolvidos. A CPI quer quebrar o sigilo bancário de Divino para confirmar movimentações financeiras.
A lista com 30 nomes de assessores deverá comprometer outros parlamentares.
Um dos nomes dessa lista é o do senador Ney Suassuna (PMDB-PB). Na quinta-feira 3, Vedoin disse à Polícia Federal que o senador tinha conhecimento da participação dos seus assessores na compra das ambulâncias.
Até a sexta-feira 4, a CPI não tinha feito cruzamentos de documentos que comprometessem outros parlamentares de forma grave. Ainda faltam chegar documentos importantes como a quebra de sigilos das empresas e da família Vedoin.
Por enquanto, a avaliação dos parlamentares que investigam o escândalo é de que pode haver parlamentares inocentes citados em depoimentos dos Vedoin. Por isso, o relatório que será anunciado esta semana irá pedir a punição apenas dos 14 já comprovadamente envolvidos.
O dilema do relator da CPI, senador Amir Lando (PMDB-RO), é fazer um relatório que atenda à pressão por punições, mas sem cometer injustiças.