Projeto cria ¨provedor Big Brother¨ 13/11/2006
- Maurício Moraes e Silva - O Estado de S.Paulo
Toda vez que você entrar na internet, o provedor terá o papel de Big Brother e ficará de olhos bem abertos. Caso acredite que você esteja fazendo algo de errado, denunciará à polícia. Mas não é só. Você terá de fornecer seus dados - nome, RG, data de nascimento e endereço - à empresa utilizada para se conectar. As informações ficarão gravadas junto com o registro dos dias e horas em que você acessou a web nos últimos três anos.
Esse cenário fará parte do seu dia-a-dia se o Congresso aprovar o substitutivo ao Projeto de Lei 76/2000, elaborado pelo senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG). A proposta - que procura coibir crimes na internet - seria votada pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado na quarta-feira, mas causou tanta polêmica que teve sua análise adiada. As críticas se concentraram na exigência de os usuários se cadastrarem.
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Uma versão anterior da proposta previa que isso poderia ocorrer de dois modos: pessoalmente, por meio da apresentação de documentos originais ao provedor de acesso, ou com um certificado digital (uma espécie de RG eletrônico, que deve ser comprado de uma empresa especializada). O texto sofreu modificações e, na versão que seria votada na CCJ, não deixa claro se os internautas têm de se dirigir fisicamente às empresas.
Um item, porém, passou despercebido. O inciso IV do artigo 22 determina que o provedores têm de vigiar seus clientes. O texto diz que a empresa precisará “informar, de maneira sigilosa, à autoridade competente (...) fato do qual tenha tomado conhecimento e que contenha indícios de conduta delituosa na rede de computadores sob sua responsabilidade”.
O restante do projeto propõe alterar o Código Penal para incluir crimes cometidos pela internet que não estão previstos na legislação brasileira (leia quadro abaixo). Espalhar um vírus, por exemplo, passa a ser punido com pena de 1 a 3 anos de prisão e multa.
A inclusão dos delitos é vista com bons olhos por Rogério Santanna, diretor do Comitê Gestor da Internet no Brasil. “O problema do projeto são os acréscimos do senador Azeredo e de seu assessor.” Para ele, a exigência de cadastro não vai impedir crimes e levará muita gente a procurar provedores no exterior, para evitar dor de cabeça. “O Comitê tem posição contrária a esse assunto”, disse. “Forças maiores levaram o senador a propor isso, possivelmente um lobby muito forte.”
Opinião parecida tem o presidente da ONG Safernet, Thiago Tavares. A entidade fiscaliza delitos contra os direitos humanos cometidos na web. “Não criticamos todo o projeto, mas as partes que limitam os direitos individuais e as liberdades civis”, afirmou. “Parte-se da premissa equivocada de que todo usuário de internet no Brasil é um criminoso em potencial e tem de ser monitorado. Isso não é verdade.” Ele acha que o cadastro foi incluído para beneficiar empresas de certificação digital.
A Associação Brasileira dos Provedores de Acesso (Abranet) também é contra a coleta de dados pessoais de usuários. “A quem interessa que a lei exista dessa forma?”, questionou o presidente da entidade, Antonio Tavares. Já o empresário Marcelo Ballona, fundador do site Submarino, acredita que a web deve ser livre. “Deixo uma pergunta para o senador Azeredo: a transação em que ele recebeu R$ 150 mil do Marcos Valério foi feita com certificação digital?”
Segundo o advogado especializado em internet Omar Kaminski, o cadastro servirá mais para desmotivar o uso da web do que para garantir segurança. “Os criminosos vão procurar outros meios em que não possam ser identificados. A lei só servirá para quem quiser cumpri-la.”
Mas há também quem apóie o projeto de Azeredo. A idéia é vista como positiva pelo advogado Rony Vainzof, também especialista em delitos virtuais. “Não podemos permitir que as pessoas cometam crimes no anonimato”, disse. Segundo ele, a coleta de informações já é feita extra-oficialmente pelos provedores. “Não vai mudar grande coisa.”
O presidente da empresa de certificação digital Certisign, Sérgio Kulikovsky, também defendeu a iniciativa. “Somos favoráveis ao combate aos crimes de internet e achamos o cadastro uma coisa positiva nessa direção”, destacou. Ele negou que tenha havido lobby para alteração da proposta. “Nunca estivemos com o senador.”