Agências não cumprem obrigação e punem consumidores 05/01/2007
- Marilena Lazzarini e Marcos Pó
O ano de 2006 foi marcado por muito trabalho na área da defesa do consumidor. Ao mesmo tempo em que comemoramos 15 anos de aplicação do Código de Defesa do Consumidor (11 de março) com algumas vitórias, tivemos abundantes exemplos da falta de atenção dada ao consumidor brasileiro por diversas instituições governamentais, que, por meio da tolerância, acabam por premiar empresas e fornecedores que descumprem regras acordadas ou impostas pelo governo.
Exemplos da inação de órgãos governamentais estão nas agências reguladoras. Na área de saúde suplementar, o consumidor está cada vez mais vulnerável. Porém, não vemos uma resposta por parte da ANS (Agência Nacional de Saúde). Os consumidores de planos individuais estão se tornando cada vez mais raros, pois muitas empresas não aceitam mais pessoas nessas modalidades e outras estão vendendo suas carteiras individuais. Está havendo uma migração forçada para os contratos coletivos. Por quê? Ora, a atuação da ANS é ainda mais omissa, já que sequer os reajustes ou planilhas de custos são avaliados. Poderíamos dar mais exemplos dos prejuízos do consumidor nesse setor, como os reajustes acima da inflação seguidamente concedidos às empresas, os termos de compromisso onerosos aos consumidores e a falta de fiscalização firme nas alienações de carteiras de empresas, como no caso da Saúde ABC.
A Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) é outro exemplo negativo. Depois de, no final de 2005, anunciar várias medidas que beneficiariam o consumidor — ainda que com certo atraso — vimos apenas adiamentos e confusões. O detalhamento obrigatório das contas telefônicas, previsto no CDC, foi adiado devido à implementação da conversão do sistema de cobrança de pulsos para minutos. A Anatel adiou seguidamente a sua implementação, prevista agora para março de 2007, devido às pressões exercidas pelas empresas (que sabiam dessa mudança desde 2003) e pela incompetência em fazer valer as regras impostas pela própria Agência. Espera-se que a portabilidade numérica, que já está sendo prevista apenas para 2008, não passe pelos mesmos problemas.
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O setor de transportes aéreos está se mostrando cada vez mais difícil para os consumidores. Punidos com a falta de ação da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) e de outras autoridades governamentais no caso da Varig, agora estão novamente sozinhos com os (não muito) recentes problemas de atrasos e cancelamento de vôos, sem que as empresas tomem medidas para minimizar os problemas e cuidar dos transtornos impostos aos consumidores. Não ouvimos sequer falar de alguma punição às empresas que desrespeitaram os direitos básicos dos consumidores. Por isso o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) e o Procon de São Paulo entraram com ação judicial para que a Anac e, por conseguinte, a União cumpram sua obrigação.
Outras áreas também trazem exemplos dessa natureza. As empresas que adiaram a implementação da rotulagem de gorduras trans, prevista faz cerca de três anos, foram anistiadas com maior prazo para se adaptar, sofrendo apenas notificações. As instituições financeiras já estão falando em adiar a implantação da conta salário, que poderia dar um pouco de poder de barganha aos consumidores. Esperamos sinceramente que o Banco Central se mostre firme nessa questão, assim como tome ações para lidar com as situações de superendividamento dos consumidores e da oferta descontrolada de crédito consignado.
Mas nem só de problemas foi feito 2006. Depois de vários anos tramitando no STF, finalmente foi reafirmada a aplicação do CDC a todas as relações jurídicas travadas entre bancos e consumidores. Ainda com alguns pontos problemáticos, o Congresso finalmente aprovou a Política Nacional de Saneamento, que traz avanços para os consumidores nesse campo. O Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, do Ministério da Justiça, avançou com a implementação do Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec), consolidando em nível nacional as reclamações fundamentadas de, até agora, 11 Procons estaduais. Por fim, a posse do ministro Antonio Herman Vasconcelos e Benjamin no Superior Tribunal de Justiça , um dos autores do anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor, traz novas esperanças para o entendimento da aplicação do CDC nas instâncias superiores do Brasil.
O ano que se encerra foi marcado também pelas eleições, que é uma época em que a democracia nos dá para avaliar o passado e para discutir o futuro. O Idec e o Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor apontaram as propostas mais relevantes para os consumidores no ano de 2007 e nos seguintes, que tem como princípio básico o respeito ao Código de Defesa do Consumidor. O foco é sempre a luta pela sua implementação e não deixando que os direitos e mecanismos por ele estabelecidos sejam rebaixados por atos dos poderes executivo ou legislativo, acordos internacionais ou pressões do poder econômico.
Esperamos dos políticos - que tomam posse em 2007 - os compromissos de desenvolver e fortalecer a estrutura institucional de proteção e defesa do consumidor, garantir a oferta de serviços públicos essenciais adequados e a preços razoáveis, garantir a segurança e a qualidade dos produtos e serviços, garantir o equilíbrio financeiro do consumidor e fortalecer as ações de Educação para o Consumo.
Como se vê, na área de defesa do consumidor, 2006 foi um ano de muito trabalho e de muitas batalhas, com alguns avanços e diversas questões não resolvidas. Tendo consciência de que ainda há muito a ser feito para podermos dizer, no balanço final do ano, que foi um período de conquistas e vitórias para os consumidores/cidadãos brasileiros.
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Marilena Lazzarini é engenheira agrônoma, coordenadora institucional do Idec e presidente da Consumers International
Marcos Pó é engenheiro eletricista, mestre e doutorando em Administração Pública e coordenador-executivo do Idec.