Brasil aceita pagar US$ 100 milhões a mais por gás boliviano 15/02/2007
- Folha Online
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva aceitou mudar a fórmula de remuneração do gás boliviano, em uma decisão que deverá gerar US$ 100 milhões por ano a mais em receitas para o país vizinho.
O acordo fechado hoje não altera o atual preço pago pelo Brasil, que foi estabelecido em contrato. A Petrobras, entretanto, aceitou pagar um adicional devido a um excedente de poder calorífico.
Haverá a desagregação dos componentes do gás e valorização dos ingredientes mais nobres do combustível, como o etano, que passarão a ser cotados com base nos preços internacionais. Essa regra valerá para as frações nobres do gás acima de 8.900 kcal/metro cúbico.
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Para que o valor adicional comece a ser cobrado, Petrobras e governo boliviano farão um aditivo ao contrato existente estabelecendo a partir de qual faixa o gás ficará mais caro.
Além disso, ficará estabelecido que a Bolívia fornecerá no mínimo 9.200 kcal/metro cúbico, ou seja, a estatal sempre terá um gasto adicional pela fração excedente. A justificativa para esse limite é que as atuais máquinas estão calibradas para trabalhar no mínimo com essa quantidade.
A expectativa é que essa nova forma de comercialização entre em vigor a partir do dia 15 de março, prazo estimado para que os protocolos tenham respaldo legal.
A estimativa do ministro dos Hidrocarbonetos da Bolívia, Carlos Villegas, é que essa fórmula garanta um aumento de US$ 100 milhões nos valores pagos pela Petrobras ao país vizinho neste ano.
Já o ministro Silas Rondeau (Minas e Energia) disse que haverá um aumento de 3%, 4% ou 6% nos preços finais. Em 2006, o gás boliviano custou US$ 1,260 bilhão a Petrobras.
Esse gasto extra sobre o adicional do fornecimento de gás não será repassado aos consumidores, já que a Petrobras não irá alterar os contratos existentes com as distribuidoras.
¨Esses contratos estão dados. Os novos contratos deverão levar em conta a nova realidade do mercado¨, disse Sergio Gabrielli, presidente da estatal.
Hoje a Bolívia vende para a Petrobras cerca de 27 milhões de metros cúbicos diários de gás a US$ 4,30 por milhão de BTU (unidade de medida térmica). A Bolívia reivindicava que o Brasil pagasse cerca de US$ 5 por milhão de BTU, mesmo valor acertado com a Argentina.
Ontem os dois países informaram que o gás fornecido para uma usina termoelétrica de Cuiabá será reajustado de US$ 1,19 para US$ 4,20 o milhão de BTU. Esse reajuste vai custar US$ 44 milhões (além dos outros US$ 100 milhões do contrato com a Petrobras), será repassado para Furnas e futuramente rateado com as distribuidoras. Para o consumidor brasileiro, deverá chegar um reajuste médio de 0,2% na conta de luz, mas que precisa ser autorizado pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).
Garantia
O presidente da Bolívia, Evo Morales, afirmou que o Brasil não ficará sem gás após a revisão dos preços. ¨O preço justo para o gás é importante para o nosso país. Nós cumpriremos todos os contratos com a Petrobras. Nunca faltará gás para o Brasil.¨
Em seu discurso, Lula lembrou o colega de que não se deve agir com ameaças.
¨Essa visita permitiu dar continuidade a nosso diálogo franco, aberto e construtivo. Sem condicionantes. Sem imposições. Sem ameaças ou rupturas. É assim que se relacionam países amigos e soberanos¨, disse o presidente.
Petrobras pagará mais por gás inútil
No acordo fechado hoje com a Bolívia, a Petrobras se comprometeu a pagar mais por componentes do gás natural que não terão utilidade para a empresa, ao menos por enquanto.
¨É um valor adicional para um gás mais rico, e é importante que isso seja reconhecido¨, disse Sergio Gabrielli, presidente da Petrobras, ao justificar o acordo.
O gás fornecido pela Bolívia hoje já tem uma concentração de componentes mais nobres, como o etano, utilizado na indústria petroquímica para a fabricação de plástico, o GLP (gás de cozinha) e a chamada gasolina natural.
A estatal brasileira recebe esses combustíveis e o comercializam como gás natural sem fazer qualquer tipo de desagregação. Mas a partir de agora, como pagará mais por essa parte mais nobre do produto fornecido pela Bolívia, a Petrobras deverá antecipar investimentos para separar os componentes e recuperar o investimento.
¨A Petrobras vai fazer um esforço para empatar¨, disse o ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau. Ele explicou que tradicionalmente, nos países ricos, esses componentes são separados do metano (queimado para gerar energia) para serem vendidos isoladamente. Entretanto, a Bolívia não possui planta industrial para fazer essa operação. ¨Aí [a saída para justificar o gasto extra] é acelerar investimentos. A vida empresarial é isso¨, disse Gabrielli.
O acordo fechado hoje que prevê um preço diferenciado para componentes acima de 8.900 quilocalorias por metro cúbico foi proposto pelos bolivianos, que apresentaram como referência o contrato que eles fizeram recentemente com a Argentina.
Com a desagregação por enquanto teórica dos componentes, a Petrobras passará a pagar pela cotação internacional de cada produto (etano, GLP e gasolina natural) que excederem os 8.900 kcal/metro cúbico previstos em um aditivo contratual que deverá ser assinado na segunda quinzena de março.
A estimativa do ministro dos Hidrocarbonetos da Bolívia, Carlos Villegas, é que essa fórmula garanta um aumento de US$ 100 milhões nos valores pagos pela Petrobras ao país vizinho neste ano. No ano passado, a conta do gás boliviano para o Brasil foi de US$ 1,260 bilhão.
Já o ministro Silas Rondeau disse que haverá um aumento de 3%, 4% ou 6% nos preços finais. Segundo ele, o valor dependerá da quantidade de componentes considerados nobres excedentes.
Investimentos
A estatal brasileira irá fazer uma avaliação econômica para definir como esse gás nobre será utilizado. Uma das saídas seria destiná-lo ao pólo gás-químico que a Petrobras tem a intenção de construir na fronteira com a Bolívia.
Esse pólo era o maior projeto da Braskem (Petrobras com a Norberto Odebrecht), que foi suspenso após a decisão da Bolívia de nacionalizar os hidrocarbonetos, tomada em 1º de maio do ano passado.
¨Ontem o presidente [Evo] Morales e eu assistimos sobre uma apresentação de um polo gás químico na fronteira. (...) Temos as condições para ir muito além do gás. Seremos parceiros na revolução da energia renovável, na petroquímica e na geração de hidroeletricidade¨, disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em cerimônia hoje no Palácio do Planalto.
Ele afirmou que os dois países vão estudar a possibilidade de construir uma usina hidrelétrica binacional na fronteira com a Bolívia. Segundo a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), essa usina ficaria no rio Mamoré, e teria cerca de 3.000 MW de potência.
Um outro investimento que será analisado é a construção de uma usina de biodiesel no país vizinho pela Petrobras, com investimentos estimados em até US$ 50 milhões, para a produção de 50 milhões de litros do combustível por ano a partir de soja. O modelo de negócios para a usina ainda não está definido.
Rondeau explicou que há interesse boliviano no projeto, porque o país é importador de óleo diesel e o projeto poderá gerar empregos no país, inclusive no campo.
Para Lula, o investimento em biodiesel fará com que os dois países tenham possibilidade de gerar trabalho e renda para a população que vive nas áreas rurais dos dois países. ´O biodiesel é a possibilidade dos países mais pobre conquistarem a sua soberania econômica´, afirmou.
A expectativa do ministro boliviano é a de que os investimentos totais do Brasil na Bolívia cheguem a US$ 3 bilhões entre 2007 e 2010.
Morales recusa ¨Sucatinha¨ e viaja em avião argentino
Além de confirmar a viagem ao Brasil só na véspera, a comitiva do presidente Evo Morales criou outro constrangimento ao Itamaraty: o governo da Bolívia recusou a oferta de empréstimo de avião brasileiro -- foi o oferecido o ¨Sucatinha¨, um 737 -- e viajou a Brasília a bordo do Tango 2, um Boeing da Força Aérea da Argentina.
Morales embarcou antes da maior parte da comitiva na madrugada, em um pequeno avião particular, acompanhado do chanceler David Choquehuan ca e do ministro de Hidrocarbonetos, Carlos Villegas.
Alegando falta de espaço, o governo boliviano excluiu, na última hora, o embaixador brasileiro em La Paz, Frederico Cezar de Araújo.
O embaixador foi orientado a viajar depois, com ministros menos importantes e outros integrantes da comitiva. Araújo só soube que seria uma aeronave argentina pouco antes de embarcar.
O avião argentino não conseguiu descer para reabastecimento em Santa Cruz por causa do mau tempo e foi obrigado a voltar a La Paz, atrasando todo o cronograma da visita.
A Bolívia não dispõe de aeronaves para viagens presidenciais longas. Na maioria das vezes, Morales empresta o avião do aliado Hugo Chávez, como na posse de Rafael Correa, em Quito. Na visita de ministros bolivianos a Brasília, em dezembro, foi emprestado um avião da Força Aérea Brasileira.
Venezuela e Argentina
Membros do governo boliviano disseram à Folha que Morales tem demonstrado proximidade bem maior com Caracas e Buenos Aires, sobretudo em temas energéticos, em detrimento do Brasil. A preferência específica por Néstor Kirchner tem um grande motivo: o preço do gás. Morales tem exigido, até agora sem sucesso, que a Petrobras pague pelo gás o mesmo que a Argentina, US$ 5 o milhão de BTU, contra US$ 4,3 que a empresa brasileira paga. Recentemente, o governo de Morales promulgou resoluções que privilegiam o abastecimento da Argentina, contrariando acordo de venda com o Brasil.