Loteamento político da Infraero foi ponto de partida do caos aéreo 15/04/2007
- Christiane Samarco - O Estado de S.Paulo
Análise de organograma mostra que empresa é dirigida por um consórcio de 6 partidos, governistas e de oposição
Alvo certo da CPI do Apagão Aéreo que o Congresso está prestes a instalar, a Infraero vive uma espécie de ¨efeito Orloff¨ da situação enfrentada pelos Correios em 2004, palco de escândalo nacional depois da malsucedida experiência do loteamento político por pelo menos três partidos (PT, PMDB e PTB).
O organograma da Infraero acomoda 33 postos de comando - do presidente e seus 5 diretores aos 19 superintendentes nacionais e 8 regionais espalhados pelo País. Mas o exame minucioso do colegiado revela que a empresa é dirigida por um consórcio eclético de fisiologismo que junta seis partidos aliados e de oposição ao governo.
Convivem ali afilhados de parlamentares do PT, PMDB, PTB, PSB, do recém-criado PR (ex-PL) e até do antigo PFL, rebatizado no mês passado de Democratas. Todos atentos aos R$ 878 milhões de investimentos em aeroportos que o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) prevê para este ano.
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Esse cenário inspirou o brigadeiro Edilberto Sirotheau a escrever uma carta de demissão premonitória da Superintendência de Segurança Aeroportuária, em abril de 2005. Sirotheau deixou a Infraero denunciando a ´obsessiva prioridade às obras que proporcionam ´visibilidade´, em detrimento das necessidades operacionais´. O brigadeiro previa ´ocorrências graves em futuro próximo´.
A profecia do brigadeiro se cumpriu 17 meses depois, com o choque entre um jato Legacy, da Excel Aire (EUA), e um Boeing da Gol, que matou 154 passageiros. A tragédia desencadeou a operação-padrão dos controladores e trouxe à tona casos como o do Aeroporto de Congonhas: obras em ritmo apressado nos salões de embarque para acomodar lojas e publicidade, com mais conforto, sem dúvida, para os passageiros, mas com a reforma das pistas atrasada em pelo menos quatro anos.
O protesto de Sirotheau gerou polêmica, mas nem por isso a pressão política arrefeceu de lá para cá. O atual presidente da empresa, brigadeiro José Carlos Pereira, chamado pelos funcionários de ´J. Carlos´, ampliou as indicações políticas do antecessor, deputado Carlos Wilson (PT-PE). Na guerra de bastidores que trava com Wilson, é o deputado que se diz espantado com a ´ousadia´ do brigadeiro.
PECADO CAPITAL
Para atender a indicações políticas, Wilson chegou a dividir o Nordeste em duas regiões, distribuindo o território por dois afilhados: um governista e outro da oposição. Mas Wilson diz que o brigadeiro ´J. Carlos´ cometeu um erro grave ao abrir cargos técnicos da Infraero a políticos - uma referência aos superintendentes regionais do Leste e do Sudeste.
No caso da Superintendência do Leste, com sede em São Paulo e onde estão aeroportos estratégicos, Edgard Brandão Júnior foi nomeado para atender a um padrinho ilustre: o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), reconhecido por funcionários e diretores da empresa como responsável pela indicação do superintendente que administra os Aeroportos de Congonhas e Guarulhos.
Um funcionário de carreira da Infraero atribui boa parte da crise por que passa a empresa ao ´pecado capital´ que o brigadeiro teria cometido quando engendrou sua sucessão. Apontado ele próprio como afilhado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por conta da amizade de sua ex-mulher com a primeira-dama Marisa Letícia, Pereira era diretor de Operações na gestão Carlos Wilson. Sua cadeira vinha sendo tradicionalmente ocupada por brigadeiros da reserva, que se encarregavam, entre outras funções, da boa interlocução com os sargentos controladores de vôo.
Ao desocupar o posto, Pereira atendeu a uma indicação do PMDB e pôs na direção de Operações um civil. O problema é que o civil nada tinha que ver com a Infraero e, pior, já havia sido pivô de uma crise política na base de apoio do governo Fernando Henrique Cardoso, quando o mesmo PMDB tentou emplacá-lo no comando da Companhia Docas do Pará. À frente da liderança peemedebista na Câmara, o deputado e hoje ministro da Integração Nacional Geddel Vieira Lima (BA) chegou a protestar da tribuna contra o recuo de Fernando Henrique, que simplesmente ´desnomeou´ Rogério Amado Barzellay, depois de confirmá-lo oficialmente nas Docas. O então presidente só manteve o despejo do apadrinhado do PMDB porque o governador tucano Almir Gabriel (PA) ameaçou deixar o PSDB se Barzellay permanecesse no cargo.
MAPA DIVIDIDO
Na gestão Carlos Wilson, que nos tempos de presidência da Infraero era um ex-senador filiado ao PTB, a estatal deu jeito na pressão do então PFL baiano para acomodar os aliados do senador Antonio Carlos Magalhães (DEM-BA) com uma solução tipicamente fisiológica: inventou dois Nordestes. Foi assim que ele conseguiu manter na regional do Nordeste, com sede no Recife , um superintendente técnico do agrado do governador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) e do PFL pernambucano, sem protestos. Para tal, criou a regional do Centro-Leste - formada apenas pelos dois Estados então governados por pefelistas (Bahia e Sergipe) - onde ACM emplacou o técnico Elvino Ney Taques.
Logo que assumiu, Wilson teve de administrar o presidente de seu PTB, o ex-deputado Roberto Jefferson (RJ), que ameaçou romper com o Palácio do Planalto por conta da decisão de Lula de entregar-lhe o comando da Infraero. Como prêmio de consolação, Jefferson ganhou o direito de indicar o superintendente regional do Leste, que administra os Aeroportos Santos Dumont e Tom Jobim (antigo Galeão) - também estratégicos na órbita do loteamento político.
Bastou Jefferson romper com o governo e o PTB perdeu o cargo para o PT, que, aliado à CUT, indicou para o posto o sindicalista Pedro Azambuja. Já o superintendente do Centro-Oeste, Carlos Alberto Vilela, é fruto de uma indicação do PR do vice-presidente José Alencar. Mas seu padrinho é o deputado Aelton Freitas (PR-MG), suplente de Alencar no Senado. O técnico Nilo Sérgio Reinehr, da regional Sul, tem a simpatia do PSB do vice-líder do governo na Câmara, Beto Albuquerque (RS).
A lista de padrinhos inclui também políticos agora sem mandato. É o caso do ex-deputado Leur Lomanto (PMDB-BA), que perdeu a eleição para a prefeitura de Jequié (BA), mas ganhou uma diretoria da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Foi ele quem indicou Lincoln Delbone para a Superintendência de Relações Comerciais da Infraero. Funcionários da empresa contam também que o diretor de Administração, Marco Antonio Marques de Oliveira, faz questão de expor sua ligação com o ex-presidente Itamar Franco, com quem havia trabalhado na Secretaria de Obras do governo de Minas.