Governo já admite racionamento de energia em 2008 09/01/2008
- Leonardo Godoy - Agência Estado
¨Não estou dizendo que vai ter problema. Não é impossível haver um racionamento este ano¨, adverte diretor da Aneel
O governo já admite racionamento de energia neste ano. A situação crítica dos reservatórios das hidrelétricas levou o diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Jerson Kelman, a admitir nesta terça-feira, 8, que ¨não é impossível¨ que o Brasil passe por um novo racionamento de energia ainda em 2008. ¨Não estou dizendo que vai ter problema. Não é impossível haver um racionamento este ano, mas o mais provável é que não tenha¨, disse ele.
Kelman defendeu até a elaboração de contingenciamento para evitar situação parecida com a de 2001, quando a sociedade foi pega de surpresa e o governo teve que elaborar um plano de racionamento às pressas. No inicio, as medidas eram tratadas como racionalização.
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¨Você só discute temas como apólice de vida e sepultura quando você está bem de saúde. Assim deve ser com coisas desagradáveis, como o racionamento. Esse assunto deve ser discutido muito antes. Não sob pressão¨, disse. Além de elaborar um plano de contingenciamento para um eventual apagão, o governo também deveria fazer campanhas para estimular a população a economizar recursos energéticos, disse Kelman.
A segurança no abastecimento de energia vem sendo questionada devido à redução do nível dos reservatórios de água das hidrelétricas, causada pela falta de chuvas. Nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, por exemplo, os lagos das usinas operavam na segunda-feira passada com 44,73% da capacidade, segundo dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). No dia 7 de janeiro de 2007, os reservatórios dessas mesmas regiões estavam com 60,2% da capacidade.
A situação é ainda mais grave porque as usinas do Sudeste e Centro-Oeste estão tendo de enviar energia para o Nordeste desde o fim do ano passado. No Nordeste, os reservatórios estão com menos água ainda. Na segunda-feira, eles operavam com apenas 27,04% de seu volume - no mesmo período do ano passado, as represas nordestinas estavam com 65,4% da capacidade.
Governo aciona termelétricas
Para poupar água dos reservatórios, o ONS determinou que todas as usinas termelétricas convencionais disponíveis, movidas a gás, carvão ou óleo, entrassem em operação. Na segunda-feira passada essas térmicas estavam produzindo 4.622 megawatts médios, ou 8,8% do total da produção nacional.
Para Kelman, além da chuva vários outros ¨vilões¨ fizeram com que o nível dos reservatórios baixasse. Em primeiro lugar, o atraso - causado, principalmente, por entraves ambientais - nas obras de novas hidrelétricas. Com o atraso nas obras e o crescimento do consumo, as hidrelétricas existentes tiveram de ser utilizadas com mais intensidade, o que reduziu mais rapidamente o nível da água.
Outro ponto importante é a escassez de gás natural. A falta do combustível levou a Aneel a retirar do planejamento do setor elétrico 3,6 mil megawatts (MW) que deveriam ser produzidos por usinas térmicas, mas que não estavam sendo gerados.¨A conjunção desses fatores fez com que o País ficasse mais dependente das chuvas¨, disse.
Semelhanças com 2001
Para Kelman, há algumas semelhanças entre a situação atual e a de 2001, quando foi decretado o racionamento. Uma delas está no que ele classificou como ¨frustração da oferta¨. Segundo ele, algumas usinas, como Itaipu, produzem menos do que deveriam produzir. ¨Quando foi calculado, na origem, o lastro de Itaipu foi superestimado. O fato é que tem menos pessoas carregando o piano em relação ao que se imaginava. Aí, o peso que cada um carrega é maior¨, disse o especialista.
O ex-ministro de Minas e Energia e atual presidente da Companhia Energética de Brasília (CEB), José Jorge, avalia que a situação do setor elétrico é ¨parecidíssima¨ com a que antecedeu o racionamento em 2001. Jorge, que assumiu o ministério em março daquele ano, pouco antes da crise energética, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, disse que é necessário que o governo Lula reconheça que pode haver problema de abastecimento.
¨A primeira coisa é rezar para chover, e a segunda é reconhecer a dificuldade¨, disse Jorge à Agência Estado. ¨Não adianta tapar o sol com a peneira, porque só faz piorar¨, acrescentou o ex-ministro, que até o ano passado cumpriu mandato de senador pelo DEM (ex-PFL) de Pernambuco. Segundo ele, o caminho para atenuar a crise é criar um comitê de gestão, como foi feito em 2001, e começar a falar em economizar energia.
Jorge observa que faltam dois meses para o fim do ¨período molhado¨ e que ainda pode chover. O aumento do nível dos reservatórios nesses dois meses, na opinião dele, pode até resolver o problema para este ano, mas não garante o abastecimento para 2009. Ele lembra que foi isso que aconteceu em 2000, mas o racionamento acabou ocorrendo em 2001.
Reservatórios em situação crítica
Mesmo que chova, situação dos reservatórios só deve começar a voltar à normalidade no mês de março
A diretora-executiva da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e Consumidores Livres (Abrace), Patrícia Arce, disse que as empresas do setor estão preocupadas com a estiagem que fez com que em janeiro o nível de chuvas tenha atingido o nível mais baixo em 76 anos. ¨Com as dificuldades registradas pelas chuvas, os problemas de abastecimento de energia que o País poderia registrar em 2009 agora podem ocorrer já em 2008¨, comentou.
De acordo com Patrícia, a Abrace tem a expectativa de que as chuvas deverão ocorrer a partir da segunda quinzena deste mês. Segundo ela, a situação da queda do nível dos reservatórios do Sudeste e Nordeste é tão séria que se as chuvas surgirem com índice pluviométrico normal a partir da próxima semana somente no final de março a situação ficaria normalizada.
Na avaliação da executiva, a estiagem provocou efeitos imediatos no mercado spot de energia elétrica, pois o preço do megawatt/hora, que atingiu a média de R$ 100 em 2007, subiu no começo do ano para R$ 240 e chegou esta semana a marca de R$ 475. ¨Se ocorrerem problemas de desabastecimento de água nos reservatórios neste ano, provocados por dificuldades relacionadas às chuvas, é possível que o governo adote algum tipo de racionamento de energia¨, comentou Patrícia.
¨Neste contexto, eventualmente pode ocorrer um direcionamento do gás natural que seria utilizado por indústrias para o consumo da população. Se isso ocorrer, esperamos que a Petrobras possa vender óleo combustível às empresas que são grandes consumidoras de energia pelo mesmo preço do gás natural, que hoje é mais barato do que o óleo¨, destacou.
Além da falta de chuvas, a diretora-executiva da Abrace afirma que há problemas de oferta de energia no Brasil. Ela ressaltou que de 2004 a 2007 ocorreu uma queda ao redor de quatro mil megawatts, provocada por alguns fatores, como a redução do fornecimento de mil megawatts pela Argentina, diminuição do envio de eletricidade para o País pela hidrelétrica de Itaipu devido ao aumento da demanda de energia pelo Paraguai, e queda da atividade das usinas térmicas a gás natural, provocada pela falta do produto causada em parte por problemas com a importação do gás da Bolívia. ¨Esperamos que as chuvas se normalizem em breve, pois a atual situação causa apreensão¨, comentou.
Em queda
A situação dos reservatórios continua preocupante, segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). O nível de armazenamento no subsistema Sudeste/Centro-Oeste registrou, na última segunda-feira, ligeira queda de 0,1 ponto percentual, para 44,8% da capacidade total, de acordo com boletim divulgado ontem. Entretanto, a diferença para a curva de aversão ao risco (CAR), referência do operador para o volume de água necessário para garantir o abastecimento com segurança, caiu para cinco pontos percentuais, já que a CAR subiu de 39,3% para 39,8% do dia 6 de janeiro para segunda-feira.
No Nordeste, no Sul e no Norte do país, a situação permaneceu estável em relação ao dia anterior. Na primeira região, o nível de armazenamento foi de 27%, igual ao patamar do último domingo, o que representa uma diferença de 17 pontos percentuais sobre uma CAR de 10%. Já no Sul, o volume de água disponível representava 74,3% da capacidade total. Isso resultou em um ligeiro aumento de 0,1 ponto percentual, para 53,2%, na diferença com a CAR, que segunda-feira foi de 21,1%. No Norte, o nível de armazenamento ficou em 30%, igual ao de domingo.
De acordo com o informativo, a Região Sudeste exportou 3,102 mil megawatt (MW) médios para o Nordeste (2,353 mil MW médios) e para o Norte (749 MW médios). Já o Sul do País enviou 657 MW médios para o Sudeste. As termelétricas movidas a gás natural e a óleo combustível produziram, na média do dia, 6,19 mil MW, em uma tentativa do ONS de poupar os reservatórios das hidrelétricas nesse cenário de falta de chuvas.