MST mantém acampamentos fantasmas 27/04/2008
- José Maria Tomazela - O Estado de S.Paulo
Barracos vazios e em ruínas são marcas do abandono. Só no dia de cestas básicas há movimento na região
O único sinal da presença humana no Acampamento Sul Mineira, em Presidente Epitácio, no Pontal do Paranapanema, é um canteiro recém-plantado com batata doce. Os 18 barracos, na margem direita da SPV-035, que liga a cidade a Teodoro Sampaio, estão fechados, alguns com cadeado na porta, outros com marcas evidentes de abandono. Na última quinta-feira, havia água em duas torneiras abastecidas por tambores plásticos e algumas galinhas que ciscavam o solo seco, famintas.
No cadastro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), usado inclusive para a distribuição mensal de cestas básicas, o Sul Mineira tem 36 famílias acampadas. Fora do papel, é um acampamento fantasma, como dezenas de outros espalhados pela região que mais recebe investimentos da reforma agrária no Estado.
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O coordenador regional do Movimento dos Sem-Terra (MST), Valmir Rodrigues Chaves, reconhece que está perdendo acampados. Ele atribui a redução ao desestímulo com a reforma agrária que não anda e à dificuldade de mobilizar um pessoal que, na periferia das cidades, é atendido pelas bolsas e outras benesses do governo.
De acordo com os números do Incra relativos a 2007, o Pontal tem 54 acampamentos com 5.343 famílias sob a lona, na expectativa de ganhar um pequeno sítio de até 20 hectares. Só em Presidente Epitácio, são 10 acampamentos com 1.275 famílias.
Entre eles, o Jahir Ribeiro, do MST, que já foi o maior do País com mais de 4 mil famílias. No papel, o acampamento continua relativamente grande, com suas 140 famílias. Na prática, transformou-se numa pequena favela com barracos esparsos na periferia de Epitácio.
A coordenadora Francisca Ângela dos Santos Souza, de 40 anos, uma das líderes do MST na região, se orgulha de ter conseguido segurar uma parte dos acampados. ¨Temos 50 famílias que ficam aqui dia e noite¨, diz. ¨Elas não têm para onde ir, pois não possuem casa na cidade.¨ A própria líder mora ali com o marido Francisco Bezerra de Souza Filho, 43, e os filhos Cristiano, 19, Jéssica, 16, e Gilberto, 14. Ela conta que a maioria das pessoas voltou para a cidade, ou por ter conseguido emprego ou para receber a cesta básica, a Bolsa-Escola ou o seguro-desemprego. ¨Como a terra demora pra sair, o pessoal busca outra opção.¨
Muitas só aparecem quando chega a cesta básica. Essa ¨vantagem¨ de ser assentado - receber a cesta todo mês - já não existe, diz a líder. ¨O pobre da cidade recebe todo mês, já o acampado só de vez em quando.¨
Houve casos de acampados que venderam os barracos para integrantes do Movimento de Libertação dos Sem-Terra (MLST). Francisca lembra que o acampamento tinha boa estrutura: água encanada, escola, atendimento médico. A água vinha de um poço artesiano e era bombeada. ¨Um ex-líder, que já foi expulso do movimento, vendeu a bomba e os encanamentos e deu um golpe no pessoal.¨
O acampamento minguou também porque muitos sem-terra foram trabalhar nas usinas de cana-de-açúcar. ¨Aqui tem gente que se sujeita a levantar às 2h30, pegar o ônibus às 3 e ralar até a volta, às 9 da noite. É um regime de escravidão.¨ Francisca, cozinheira, e o marido, acampados há quase 10 anos, continuam desempregados.
O acampado Valdir José Brasil, de 65 anos, é um dos que permanecem no Jahir Ribeiro. Sua mulher, Antonia Silva, voltou para a cidade. Acampado há seis anos, ele também já está com ¨um pé¨ fora da luta pela terra: conseguiu emprego como vigilante e passa as noites no trabalho.
A família de Oleni das Dores Rocha Marques, de 42 anos, está dividida. Enquanto ela mantém o barraco e vai ao acampamento todo dia, a filha Adriana Rocha Marques, de 23, prefere garantir na cidade a Bolsa-Escola para os 4 filhos.
Só quatro barracos estão ocupados no Acampamento Ponte Funda, em Presidente Epitácio, entre eles o de Dionísia Ferreira Amorim, de 68 anos, 15 como sem-terra. Dos seis filhos, apenas Júlio Amorim, de 30, mora com ela no barraco sem energia. As notícias chegam pelo rádio de pilha. ¨Ouço a Voz do Brasil¨, diz Amorim, que trabalha nas fazendas a R$ 20 por dia.
Carro novo
O líder do Movimento Terra Brasil, Ailson Neres Barbosa, que prefere o conforto da cidade e vai ao acampamento de carro novo, diz que ninguém precisa ficar sempre no barraco. ¨As pessoas precisam viver.¨ Mais importante, segundo ele, é comparecer quando for convocado ¨para a luta¨. Barbosa reclama que a cesta básica não é entregue desde janeiro.
Mesmo os acampamentos mais badalados, como o Dona Carmem, em Teodoro Sampaio, tem muitos barracos fechados, assim como o José Maria, em Pirapozinho. O Incra contabiliza 180 famílias no Dona Carmem e 60 no José Maria, mas o número de barracos corresponde à metade. Em Piquerobi, o Acampamento Piquerobi aparece na lista do Incra com 53 famílias. No local, restam dois barracos em ruínas e sem morador.
O esvaziamento afeta as ações programadas pelo movimento que dependem de contingente, como as ocupações. No ¨abril vermelho¨, o MST do Pontal fez uma única mobilização para apoiar a invasão de uma fazenda em Iaras. Por falta de homens nos acampamentos - a massa operacional - foi preciso buscar gente nos assentamentos. Chaves, o coordenador regional do MST, conta que o Pontal já teve 9 mil acampados. ¨Depois que o Lula entrou, perdemos 60% do pessoal.¨ Ele conta que, na periferia das cidades, o pobre recebe mais atenção do governo do que no campo ou no acampamento, o que torna difícil mobilizar os sem-terra. ¨Pra eles tem bolsa de tudo quanto é tipo.¨