Boca-de-urna indica mais de 80% ao ¨sim¨ no referendo em Santa Cruz 04/05/2008
- Márcio Carmo - BBC
Três resultados de boca-de-urna indicaram que mais de 80% dos eleitores votaram, neste domingo, pelo “sim” à autonomia do Departamento (Estado) de Santa Cruz, o mais rico da Bolívia.
O índice de abstenção teria sido superior aos 30%, de acordo com os responsáveis pelo levantamento da Equipos Mori.
Pelos dados desse instituto internacional, 85% teriam votado pelo “sim” e 15% pelo “não”.
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Outro levantamento, da consultoria argentina Mora y Araujo, encomendado pela TV PAT, indicou que 82,7% teriam optado pelo “sim” à autonomia e 17,3% pelo “não”.
Uma terceira pesquisa de boca-de-urna, da TV Dia, sugeriu que 85,9% teriam aprovado a autonomia e 14,1% não.
Festa
“O que ocorreu hoje aqui em Santa Cruz foi muito importante para mostrar ao mundo que a Bolívia não vive sob a ameaça de uma ruptura democrática ou separatismo. O que ocorreu aqui foi absolutamente democrático”, disse o analista argentino Manuel Mora y Araujo, convidado como analista TV PAT.
Assim que os primeiros resultados de boca de urna foram divulgados, houve festa na praça principal de Santa Cruz de la Sierra, com fogos de artifícios, buzinaços e bandeiras verde e brancas – as cores do Departamento.
Quase ao mesmo tempo, o ministro de Governo do presidente Evo Morales, Alfredo Rada, disse em La Paz que o referendo foi “um fracasso”.
Ele explicou: “Os enfrentamentos de povo contra povo e a violência confirmam o fracasso deste referendo”.
Rada e outros ministros do governo Morales tinham pedido a “abstenção” dos eleitores nesta votação.
Segundo parlamentares do partido Podemos, que apóia o referendo e é o principal opositor ao governo Morales, a partir de agora o governador de Santa Cruz tem três meses de prazo para convocar eleições para deputados estaduais que integrarão a Assembléia Legislativa do Departamento – hoje essa assembléia não existe.
Antes do resultado de boca-de-urna, o presidente do Comitê Cívico Santa Cruz, Branko Marinkovic, um dos principais líderes de defesa da autonomia, sinalizava à BBC Brasil que o diálogo com o governo Morales só ocorrerá depois dos referendos em Beni, Pando e Tarija, em junho.
Juntos, estes Departamentos formam a região da chamada “meia lua” ou “Oriente”, a região mais rica deste país que é um dos mais pobres da região.
Presos e feridos
Durante este domingo de votação, mais de quarenta pessoas foram presas, segundo dados de Rada, e pelo menos 18 ficaram feridas, algumas em estado grave, apenas no bairro conhecido como Plano 3000, reduto de Morales em Santa Cruz de la Sierra.
Um homem de 69 anos morreu no bairro de Copacabana, da capital de Santa Cruz. Ele estava em meio a um dos protestos, segundo a polícia.
Os protestos violentos incluíram disputas entre seguidores de Morales e defensores do sim à autonomia, que usaram paus, pedras e explosivos, em diferentes localidades do Departamento de Santa Cruz.
Em outros pontos do país, como Cochabamba e La Paz, seguidores do presidente Morales realizaram manifestação contra a autonomia e pedindo a “unidade da Bolívia”.
Polêmica antiga
A autonomia e sua polêmica são antigas na Bolívia. Mas este é um processo, que segundo diferentes analistas, se acelerou nos últimos tempos, durante o governo Morales.
“A Bolívia leva mais de um século falando de descentralização, de autonomias, de federalismo (…) Isso não é algo novo. Mas, sem dúvida, ao ignorar os projetos de autonomia que deveriam ter sido tratados na Assembléia Constituinte, o governo acabou acelerando esse desejo de descentralização”, disse a cientista política Ximena Costa, professora da Universidade de San Andrés, de La Paz, e observadora no referendo deste domingo.
Segundo ela, outro ponto que contribuiu para acelerar o processo das autonomias foi um artigo do texto constitucional que, segundo ela, devolve aos movimentos indígenas as terras de antes da colonização. “Assim, Santa Cruz, por exemplo, desaparecia e as terras voltariam aos indígenas, séculos depois. E isso foi, digamos, a gota d´água.”