Vídeo das Farc sobre líder morto desperta dúvidas 28/05/2008
- Hernando Salazar - BBC
O vídeo em que as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) anunciaram a morte do líder Manuel Marulanda, ou ¨Tirofijo¨ (¨Tiro Certo¨, em tradução livre do espanhol), levantou uma série de perguntas e suspeitas.
Uma das questões é por que o vídeo não mostra o enterro ou o túmulo de Marulanda, cuja causa da morte permanece um mistério, ao contrário de anúncios semelhantes feitos pelas Farc no passado.
O vídeo de 12 minutos mostra Timoleón Jiménez (Timochenco), um líder histórico do grupo, mas pouco conhecido da imprensa, falando sobre a morte de Marulanda.
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O vídeo tem data de maio de 2008 e foi transmitido no último dia 25, mas pode ter sido filmado antes do dia 24, data em que o governo colombiano anunciou a morte de Marulanda.
Analistas entrevistados pela BBC Mundo afirmam que a divulgação do vídeo estava prevista para o próximo dia 28, quando se completam 44 anos da fundação das Farc, mas o vídeo teria sido divulgado antes por conta do anúncio do ministro da Defesa, Juan Manuel Santos, sobre a morte de Tirofijo.
Segundo o diretor do Instituto para Desenvolvimento e Paz, Camilo González, ¨as Farc estavam esperando que a maré baixasse para revelar o vídeo, mas o anúncio de Santos precipitou as coisas¨.
¨Cruzaram-se o ritmo das Farc, que é lento, com os serviços de inteligência do Exército colombiano”, diz González.
Três câmeras e pós-produção
Além disso, o vídeo foi gravado com o uso de três câmeras e foram utilizados recursos de pós-produção, o que indica meios mais sofisticados do que o normal.
Apesar de Timoleón Jiménez se despedir como se estivesse ¨nas montanhas da Colômbia¨, a vegetação mostrada indica que o vídeo parece ter sido filmado em uma zona de clima quente.
¨Pelas palmeiras, (o vídeo) parece ter sido gravado em uma região perto de uma praia¨, diz Antonio Sanguino, que militou na guerrilha do Exército de Libertação Nacional (ELN) até 1994 e hoje é vereador em Bogotá.
¨Isso não foi gravado na selva, nem (nas savanas) em Yarí, nem no Guaviare (região à beira de um rio, no sudeste da Colômbia)¨, acrescenta. ¨A paisagem não tem nada a ver com as últimas provas de sobrevivência de Ingrid Betancourt.¨
Segundo Sanguino, o vídeo ¨dá a impressão de que tudo é muito pré-fabricado¨.
Em entrevista à BBC, o filósofo e escritor Armando Silva, especialista em semiologia, ressalta que o vídeo mostra uma cerca de arame, ¨e isso indica que pode ter sido gravado em uma propriedade privada¨.
¨Mudança paradoxal¨
Além do lugar em que foi gravado, Silva afirma que o uso da televisão para anunciar a morte de seu chefe máximo marca uma mudança importante nas Farc.
¨As Farc entraram em uma nova era da comunicação, e se planeja uma nova relação entre televisão e política¨, diz o filósofo. ¨O vídeo tem uma mensagem de ruptura com as Farc camponesas e nos mostra as Farc do glamour e da imagem.¨
No entanto, Silva chama a atenção sobre um paradoxo porque, ao mesmo tempo em que as Farc apresentam uma imagem ¨moderna¨, o discurso de Timochenco ¨é abertamente dos anos 50¨.
Está claro também que se trata de uma mensagem como as das guerrilhas dos anos 60, que depois do triunfo da Revolução Cubana afirmavam que iam tomar o poder e impor um regime comunista.
Mas Sanguino afirma que é preciso observar o que o discurso não diz e esconde.
¨Esconde que as Farc sofreram um golpe com as mortes de Negro Acacio, Martín Caballero, Raúl Reyes, Iván Ríos e Manuel Marulanda e com a captura de Martín Sombra e a rendição de Karina¨, diz Sanguino.
Segundo o vereador, diante da desmoralização entre os guerrilheiros, o discurso de Timochenco é ¨mais uma mensagem aos guerrilheiros das Farc e à base social mais próxima à guerrilha¨.
Sanguino ainda afirma que a escolha de Timochenco para anunciar a morte de Marulanda pode ser um sinal de que o líder pode ser o novo porta-voz das Farc, substituindo Raúl Reyes, morto em uma ação do governo colombiano em março passado.