Governo decreta prisão de líder opositor na Bolívia 14/09/2008
- Márcia Carmo - BBC
O governo do presidente da Bolívia, Evo Morales, ordenou a prisão do prefeito (governador) do Departamento (Estado) de Pando, Leopoldo Fernández, onde 16 pessoas morreram em enfrentamentos recentes.
A prisão foi decretada com base na acusação de que o líder opositor orquestrou as manifestações anti-Morales que levaram aos confrontos, segundo o governo.
Pouco depois, os outros prefeitos da oposição reagiram, impondo condições para um diálogo com o presidente, marcado para este domingo.
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¨Nós nos solidarizamos com o prefeito de Pando. E antes de ir ou não à reunião em La Paz, queremos viajar a Cobija (capital de Pando) para lhe dar nosso apoio¨, disse o prefeito de Santa Cruz, Ruben Costas. ¨Só haverá diálogo se não ocorrer mais nenhum ferido ou morte¨.
Costas fez as declarações ao lado dos colegas de Tarija, Mario Cossío, e de Beni, Ernesto Suárez, durante entrevista na prefeitura de Santa Cruz, na capital deste departamento, Santa Cruz de la Sierra.
Mais cedo, o anúncio do encontro com Morales tinha alimentado a esperança de uma trégua e entendimento entre governo e oposição. ¨Queremos ir à reunião, mas depende do que vai acontecer nas próximas horas¨, disse Cossío.
Foi ele quem se reuniu na sexta-feira, em La Paz, com o vice-presidente Álvaro García Linera, e chegou com a informação do encontro para o diálogo.
¨Mas enquanto o prefeito de Tarija estava em La Paz, o governo decretou estado de sítio em Pando. Fica difícil dialogar desta forma¨, afirmou o secretário geral da prefeitura de Santa Cruz, Roly Aguilera.
Prisão
O anúncio da ordem de prisão contra Fernández foi feito pelo ministro da Presidência, Juan Ramón Quintana, na noite de sábado, diante das câmeras de televisão do país.
¨Prenderemos Fernández¨, disse. ¨A prisão será, mais cedo ou mais tarde, por ele ter violado a Constituição e por ter gerado a sangrenta matança de camponeses em Pando¨, disse. Segundo ele, grupos ¨paramilitares e mafiosos¨ atuam sob as ordens do prefeito.
Pando, na fronteira com o Acre, foi o lugar dos enfrentamentos ocorridos na quinta-feira, que deixaram catorze mortos.
Na sexta-feira, na chegada dos soldados do Exército a Cobija, outras duas pessoas foram mortas, subindo para dezesseis o total de vítimas fatais.
Diferentes emissoras de televisão começaram a mostrar anúncio do governo, dizendo: ¨Senhor prefeito, esse massacre de camponeses não ficará impune¨.
Fernández, por sua vez, disse, segundo a imprensa local, que não pretende cumprir o estado de sítio. ¨Não temos por que cumpri-lo¨.
Entendimento difícil
As declarações do governo e da oposição mostram as dificuldades para que se chegue a um entendimento.
O clima de forte tensão permanece no país. Como antecipou a BBC Brasil, as Forças Armadas mandaram tropas para os Departamentos governados pela oposição, com objetivo, segundo o Ministério da Defesa, de ¨recuperar¨ e ¨proteger¨ instituições públicas.
¨Temos informações de que militares foram enviados para cá. Esse é outro motivo pelo qual tivemos que pensar melhor sobre a reunião com Morales¨, disse Aguilera. ¨Se o Exército entrar aqui (na capital) haverá enfrentamentos¨.
No sábado, grupos indígenas, simpáticos a Morales, ligavam para as emissoras de rádio para dizer que caminhavam para o centro de Santa Cruz de la Sierra, para ¨liberar¨ organismos públicos, ocupados por opositores de Morales.
¨O Instituto de Reforma Agrária é nossa esperança de ter um pedaço de terra. Vamos tirar os invasores¨, disse um deles.
Foram registrados enfrentamentos com paus e pedras em localidades a mais de cem quilômetros de Santa Cruz de la Sierra. Uma emissora de televisão mostrou manifestantes armados com espingardas. Foi outra jornada com feridos, mas até o início da madrugada deste domingo não havia informações sobre o número de vítimas.
A nova crise boliviana começou pouco depois do referendo, em agosto, que ratificou tanto Morales quanto a oposição no poder. A oposição rejeita a nova Constituição, aprovada no ano passado, que prevê, entre outros itens, a reforma agrária.
Ao mesmo tempo, a oposição reclama dos cortes no repasse de verbas do setor petroleiro para as regiões. O governo informa que os recursos são usados no pagamento de benefícios aos aposentados.
Ninguém sinaliza que pretende ceder nas suas visões.