Ordem de prisão ameaça diálogo de Morales com opositores 14/09/2008
- Folha Online com agências France Presse e EFE
Os objetivos do diálogo entre governo e oposição -- que têm encontro marcado para este domingo em La Paz -- estão ameaçados depois que o governo radicalizou a militarização das zonas de conflito e os governadores oposicionistas ameaçaram romper relações se a violência resultar em mais mortes. A situação se complicou ainda mais depois de o governo ter ordenado a prisão do governador de Pando por descumprir o estado de sítio na região.
A decisão dos governadores coloca em risco o frágil diálogo aberto na última sexta-feira (12) na sede da Presidência entre o governo e o governador de Tarija, Mario Cossío, que representava os colegas de Santa Cruz, Beni, Pando e Chuquisaca. Cossío confirmou presença na reunião deste domingo com o presidente Evo Morales, em La Paz.
¨Ratificamos que, apesar das condições precárias, estamos fazendo todo o possível para manter o diálogo, esperamos que o governo não agregue elementos que gerem mais incerteza¨, afirmou Cossío. A reunião de sexta durou sete horas.
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As bases do diálogo entre governo e seus opositores autonomistas seriam, segundo Cossío, a receita petrolífera do Imposto Direto sobre Hidrocarbonetos (IDH), cuja devolução é reivindicada pelos departamentos, a nova Constituição do país e os estatutos autônomos.
Prisão
A situação se complicou ainda mais depois que o governo boliviano ordenou a prisão do governador do conturbado departamento de Pando (norte), Leopoldo Fernández, por desacato ao estado de sítio decretado na região.
A ordem de prisão foi divulgada à imprensa ontem à noite pelo ministro da Presidência, Juan Ramón Quintana, que coordena as operações militares na região considerada o epicentro da violência política desde quinta-feira (11).
O estado de sítio foi decretado pelo governo em Pando depois dos duros confrontos entre trabalhadores rurais ligados ao presidente Evo Morales e grupos civis de direita que apóiam o governador Fernández.
Na Bolívia, o estado de sítio, entre outros pontos, proíbe o porte de armas de fogo, armas brancas ou explosivos; e a circulação de grupos de mais de três pessoas e de veículos da 0h às 6h. Fica proibido ainda fazer reuniões políticas e deixar a região sem salvo-conduto.
O governador de Pando -- que negou ontem ter planos de fuga para o Brasil -- declarou publicamente sua oposição ao estado de sítio e disse que resistiria à aplicação do mesmo.
Pando
Hoje, a televisão estatal boliviana informou que, em uma operação durante a madrugada, as Forças Armadas da Bolívia tomaram o controle da cidade de Cobija, capital de Pando.
O Exército teria tomado as unidades policiais e militares do setor e estaria patrulhando as ruas de Cobija, que, assim como o resto do departamento, está em estado de sítio. Tais distúrbios teriam deixado cerca de 30 mortos, segundo as últimas informações do governo boliviano.
No entanto, o porta-voz do governo de Pando, Hugo Mopi, negou à agência Efe que a cidade tenha sido tomada pelos militares. Ele disse que os militares ¨estão no aeroporto e nos quartéis¨ e afirmou que ¨tudo está normal¨ nas ruas.
Mopi também destacou que o foco do conflito continua no aeroporto da cidade, onde os militares e o ministro da Presidência estão ¨planejando a tomada da cidade¨. O porta-voz disse que a população de Cobija não quer o Exército na cidade e que não vai acatar o estado de sítio decretado pelo presidente.
Por sua parte, a representante da Presidência em Pando, Nancy Teixeira, denunciou à rádio Erbol que a sede da prefeitura da cidade de Filadelfia, considerada o bastião do governo de La Paz naquele departamento, foi queimada. ¨É gente do governo [de Pando], gente contratada para fazer esse tipo de atentado¨, afirmou Teixeira. Segundo ela, ¨corpos continuam a ser encontrados¨ na região.
Crise
A crise política que afeta a Bolívia preocupa os países da região, além das organizações multilaterais, que defendem uma solução pacífica à espera de uma reunião definitiva neste domingo entre governistas e opositores.
No entanto, a advertência dos governadores de que ¨se houver um só morto ou ferido a mais acontecerá o rompimento de qualquer possibilidade de diálogo¨, como destacou o prefeito de Santa Cruz, Rubén Costas, líder da oposição, faz temer pelo encontro no qual seriam estabelecidas as bases da pacificação.
O presidente Evo Morales enfrenta os governadores e líderes civis de cinco dos nove departamentos da Bolívia. Os anti-Morales reivindicam que o governo devolva aos seus departamentos a renda oriunda do petróleo que, desde janeiro passado, é destinada a um programa nacional de assistência aos idosos. Eles rejeitam o projeto da nova Constituição e pedem autonomia.
Longe de apresentar sinais de reconciliação, Morales pediu aos movimentos sociais que defendam ¨o processo de mudança¨ que o governo estimula ou que ¨morram pela pátria¨.
Diante da gravidade da situação boliviana, a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) se reunirá amanhã (15) em Santiago para examinar a crise.