Apesar de trégua, situação continua tensa na Bolívia 24/09/2008
- Márcia Carmo - BBC
Apesar do anúncio de uma trégua no cerco promovido por apoiadores de Morales ao Departamento de Santa Cruz, bastião da oposição, os protestos continuam na Bolívia enquanto se aguarda a retomada do diálogo entre governo e opositores amanhã.
O presidente da Conalcam (Coordenadora Nacional para a Mudança, na sigla em espanhol), Fidel Surco, anunciou a ¨trégua¨ na ¨caminhada¨ para a capital de Santa Cruz, Santa Cruz de la Sierra, mas ressalvou: ¨Recebemos sugestão do presidente de suspender a caminhada até esta quinta-feira, mas não estamos nos desmobilizando. É um intervalo. Queremos que os governadores assinem o documento nesta quinta¨, disse à rádio Red Erbol.
Nesta terça-feira, líderes do grupo ¨Ponchos Rojos¨ (¨Ponchos Vermelhos¨) disseram que estavam embarcando em ¨mais de dez ônibus¨ em La Paz em direção à Santa Cruz.
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¨Estamos prontos para chegar lá e dar nossa solidariedade aos companheiros que cercam Santa Cruz¨, afirmou um deles à rádio Red Erbol. Os ¨Ponchos Rojos¨ são uma organização indígena que defende as propostas de Morales e costuma ser temida por outros grupos, opositores ou não ao líder boliviano.
No Departamento (Estado) de Potosí, estudantes realizaram manifestação pedindo ¨justiça¨ pelas mortes em Pando.
No Departamento de Beni, manifestantes ameaçaram, segundo as rádios bolivianas, ocupar a prefeitura (palácio estadual) diante da possibilidade de que o governo local determine o fim do bloqueio das estradas nesta região.
¨Se tentarem tocar nos bloqueios, ocuparemos imediatamente o prédio do governo¨, disse o secretário-executivo da Federação dos Colonos de Beni, Adrían Lobera. Ali, os bloqueios também são em apoio ao governo Morales.
Apesar da trégua anunciada em Santa Cruz, a situação continua muito tensa em várias partes do país.
¨Quando passaram aqui, eles jogaram uma dinamite contra a igreja, onde um grupo de crianças de oito a 12 anos ensaiava na orquestra mirim, e outra contra a casa do comitê cívico feminino de Ichilo e ainda contra uma rádio local. Por sorte, ninguém saiu ferido¨, disse à BBC Brasil, por telefone, o vice-prefeito de Ichilo, Mamerto Quiroga, opositor de Morales.
A rádio seria afiliada à Red Erbol, como informou a rádio e agência em sua página na internet.
O município de Ichilo fica a cerca de 80 quilômetros do centro de Santa Cruz de la Sierra.
¨Eles já passaram daqui e agora estão na cidade de Portachuelo, a cerca de 70 quilômetros da capital do Estado¨. Na noite de segunda, duas pessoas saíram feridas quando promotores de justiça tentaram liberar o trânsito em Ichilo.
Transferência de governador
Ainda ontem, centenas de pessoas da terceira idade cercaram a prisão de São Pedro, em La Paz, para protestar contra a possibilidade de transferência do prefeito (governador) -- ainda não se sabe se suspenso ou cassado -- de Pando, Leopoldo Fernández.
Fernández é responsabilizado pelo governo Morales pelas mortes que ocorreram há quinze dias em Pando, na fronteira com o Acre, e por ter ¨desobedecido¨ o estado de sítio ali decretado.
No fim do dia, a Suprema Corte de Justiça decidiu não transferi-lo a Sucre -- onde, especulava-se que poderia ser libertado.
Antes desta decisão, o vice-ministro de Coordenação dos Movimentos Sociais, Sacha Llorenti, disse que o ¨caso prova que a justiça favorece os poderosos¨.
Em Sucre, movimentos sociais já analisavam a realização de protestos contra a possível presença de Fernández.
Ele fez parte do grupo dos cinco governadores de oposição ao governo Morales, num país que tem nove administrações estaduais.
Críticas a Washington
As manifestações são registradas enquanto se espera o reinício do diálogo entre governo e oposição nesta quinta, em Cochabamba, no centro do país.
O diálogo foi suspenso porque Morales está em Nova York, para participar da Assembléia Geral das Nações Unidas.
Ao discursar na ONU, nesta terça, ele reiterou suas críticas ao governo americano.
¨Escutei a condenação que o presidente dos Estados Unidos fez ao terrorismo. Na Bolívia, grupos de direita incendeiam gasodutos para evitar a exportação de gás, mas o governo americano não condena estes atos de terrorismo¨.
Antes de viajar, Morales assinou o documento com a proposta do governo aos opositores, como informou a Agência Boliviana de Informação (oficial).
O governo propõe que o Congresso defina até 15 de outubro a data do referendo que deve ratificar ou rejeitar a nova Constituição, aprovada sem a presença da oposição.
O porta-voz da oposição, o governador de Tarija, Mario Cossío, disse que não vai assinar o documento sem discutir a Carta Magna. O texto inclui temas como a reforma agrária e os recursos naturais.