Em primeiro depoimento, Nayara relata ameaças e agressões 19/10/2008
- Folha Online
A adolescente Nayara Rodrigues da Silva, 15, que foi rendida por Lindemberg Fernandes Alves, 22, prestou depoimento à polícia na quarta-feira (15), após ter sido liberada do cativeiro pela primeira vez. Ela passou 33 horas em cárcere privado, em um apartamento no Jardim Santo André, em Santo André (Grande São Paulo). O documento, divulgado neste domingo, descreve com detalhes o que aconteceu com ela e com sua amiga Eloá Cristina Pimentel -- ex-namorada de Lindemberg -- no apartamento onde estavam.
No depoimento, Nayara relata que Lindemberg chegou ao apartamento armado e muito irritado. O nervosismo do rapaz aumentou quando ele notou a presença de dois garotos além de Nayara e Eloá. Ele chegou a agredir os rapazes com tapas no rosto.
Além de agredir os garotos, Lindemberg deu tapas, chutes e puxou com força os cabelos de sua ex-namorada. Nayara também contou à polícia que ela e sua amiga foram amarradas com fita adesiva durante a primeira noite no cativeiro.
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O relato de Nayara sobre Lindemberg é de um rapaz descontrolado, que altera momentos de nervosismo e de calma. Um rapaz inconstante que tomava decisões conforme o calor do momento.
Veja a cronologia do caso, conforme Nayara:
Segunda-feira (13)
Segundo Nayara, ela, Eloá, e um amigo combinaram de assistir a um filme no apartamento de Eloá para realizar um trabalho de geografia. Seu namorado foi encontrá-los lá. No imóvel, eles foram surpreendidos por Lindemberg, que estava com arma em punho e deu tapas no rosto dos garotos. Ele queria saber quem era um dos rapazes e o que fazia lá.
Nayara revelou no depoimento que Alves demonstrava estar nervoso com o fim do relacionamento com Eloá. Lindemberg dizia o tempo todo que estava uma pilha de nervos e que não sabia o que iria fazer. Além disso, ele ordenou que não falassem alto, ou chamassem atenção dos vizinhos e agrediu Eloá com tapas, chutes e puxões de cabelo quando ela tentava conversar com ele. A garota contou que sempre que Lindemberg ia até a janela do apartamento, usava Nayara e um dos garotos como escudo, segurando-os pelo pescoço e apontando a arma para suas cabeças.
No fim da tarde de segunda-feira (13), Lindemberg ficou irritado porque alguém tocou a campainha do apartamento. Depois, um irmão de Eloá começou a chamar pela menina do térreo e a atirar pedras na janela. No início da mesma noite, a mãe de Nayara ligou para sua filha preocupada com sua ausência. A garota disse que estava tudo bem e que voltaria para casa de carona quando acabasse de fazer o trabalho escolar.
O pai de Eloá, Aldo, também ligou para a filha, que foi orientada pelo ex-namorado a dizer que estavam em poder de Lindemberg. Aldo ficou sabendo que Alves estava armado e sua filha pediu para que ninguém se aproximasse do prédio. Aldo pediu ao jovem que o deixasse ir até o apartamento, o que não foi autorizado. O pai de Eloá disse que considerava Lindemberg como filho e pediu para que parasse de agir daquela maneira. O rapaz respondeu que o respeitava e tinha muita amizade pelo pai da ex-namorada.
Segundo Nayara, logo após esta ligação, alguém mexeu na maçaneta da porta e, ao ligar para o pai de Eloá, soube que quem tinha subido ao apartamento tinha sido o pai de um dos garotos também rendidos. Nayara disse ainda que, a partir deste momento, começou a perder a noção de tempo e só percebeu que era noite quando a Polícia Militar chegou e o clima ficou mais tenso.
Como os dois garotos rendidos passaram mal, Nayara pediu a Lindemberg que soltasse os dois. O jovem advertiu que, após soltá-lo, ela e Eloá seriam mantidas em cárcere. A garota concordou.
Em seguida, em meio à negociação com a PM, Lindemberg disse que a polícia só passaria a acreditar nele quando um refém fosse morto. Então, disse: ¨Olha o que eu vou fazer¨, e deu um tiro na direção de um sargento. Rindo, o rapaz pediu a todos os PMs que se afastassem do prédio.
Depois disso, os dois voltaram para o quarto de Eloá e o rapaz começou a se acalmar, tratando a garota de forma mais afetiva. No entanto, um recado no celular de Eloá causou nova discussão. Nervoso, o rapaz foi até o banheiro com a ex-namorada e, através da janela, viu, além de PMs, curiosos que se aglomeravam próximo ao prédio. Do banheiro, Lindemberg disparou novamente um tiro, que não atingiu ninguém.
Lindemberg telefonou para quem mandou a mensagem -- um garoto -- e fingiu ser o irmão mais velho de Eloá. O rapaz disse que sabia do relacionamento do casal. O garoto desligou e Lindemberg deu um tapa em Eloá. Ele novamente ligou para o garoto para saber sobre a suposta relação.
Segundo Nayara, o rapaz amarrou as meninas com fita adesiva e camiseta para poder dormir e tentou beijar a ex-namorada a força. Quando ela tinha adormecido, Lindemberg a acordou com tapas. Eloá começa a gritar e o jovem ameaçou agredir Nayara se ela não parasse de berrar.
Terça-feira (14)
Na terça-feira, as duas meninas foram desamarradas e foram tomar café. O clima estava mais calmo e conversaram até o almoço. Logo depois, eles assistiram a um programa de televisão que dizia que se houvesse tentativa de invasão todos sairiam mortos --e isso o deixou irritado.
De acordo com o boletim de ocorrência, àquela altura Lindemberg já havia manifestado intenção em soltar Nayara, mas mudou de idéia. Nayara tentou convencê-lo a liberar todos. Ele quase atendeu ao pedido, e disse que nada de mal aconteceria.
O rapaz foi informado pelo negociador sobre a troca de turno e ficou irritado. Antes de anoitecer, cortaram água e luz. Lindemberg quis falar com os negociadores e pediu que energia fosse religada. Enquanto tentava negociar com os PMs, a bateria de seu celular acabou. Em seguida, foi retomado o fornecimento de energia.
O jovem proibiu as meninas de dormir e, após discussão, Lindemberg decidiu liberar Nayara. Naquela noite, o rapaz levou Nayara até a porta e mandou que ela corresse para sair do apartamento. Ele disse que se a adolescente saísse devagar poderia receber um tiro nas costas.
Aos policiais, a adolescente contou que viu um revólver e um saco com até 30 cartuchos de munição.
Retorno
Nayara voltou ao apartamento na quinta-feira (16) por exigência do rapaz e, após o desfecho do caso, ainda não prestou novo depoimento à Polícia Civil. Ela foi baleada no rosto e permanece internada, mas passa bem. Já Eloá, 15, teve morte cerebral confirmada por médicos do hospital municipal de Santo André na noite de sábado (18). A família da garota autorizou na manhã deste domingo a doação de seus órgãos.
De acordo com o delegado seccional de Santo André, Luiz Carlos dos Santos, Nayara poderá esclarecer se Lindemberg atirou antes ou depois da invasão de policiais militares do Gate (Grupo de Ações Táticas Especiais). Ela deverá ser ouvida somente após receber alta do hospital.