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Projetos conflitantes
05/01/2009 - O Estado de S.Paulo

O velho e nefasto hábito parlamentar de deixar para aprovar matérias importantes nas últimas sessões do ano, quando as votações se estendem pela madrugada e os congressistas, ansiosos por entrar em férias, não se preocupam com a qualidade técnica dos projetos que estão aprovando, acaba de produzir uma situação surrealista no âmbito da legislação processual penal. Ao regulamentar a utilização do sistema de videoconferência, pela Justiça criminal, a Câmara e o Senado aprovaram dois projetos colidentes e o enviaram no mesmo dia à sanção do presidente da República.

Restará a Lula sancionar um projeto e vetar o outro na íntegra. Tudo começou quando a Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou um projeto de lei encaminhado pelo governo do Estado, autorizando os juízes criminais a adotar o sistema de videoconferência. Desde a década de 90, magistrados, promotores e autoridades carcerárias paulistas vinham afirmando que o deslocamento de réus de alta periculosidade, presos em estabelecimentos penais de segurança máxima no interior, para prestar depoimento ou participar de audiências no fórum criminal da capital, tem um alto custo para os cofres públicos, uma vez que obriga a Polícia Militar (PM) a manter uma frota de veículos e mais de 2 mil policiais fortemente armados apenas para fazer a escolta.

Em média, os gastos da PM com o deslocamento de um preso comum é de R$ 2,5 mil. Se o preso é de alta periculosidade ou pertence à cúpula de uma facção criminosa, como o Primeiro Comando da Capital (PCC), esse custo pode aumentar para mais de R$ 20 mil. Além disso, alertavam os juízes, promotores e autoridades carcerárias paulistas antes da decisão da Assembleia Legislativa, as quadrilhas aproveitam o deslocamento de presos para tentar resgatar cúmplices, o que põe em risco a segurança da população.


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O problema é que, apesar de a videoconferência ser uma medida necessária e oportuna, o governo paulista não tinha competência legal para apresentar projetos de lei em matéria de legislação processual penal. Como a Constituição atribui essa prerrogativa à União, o caso foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF). E, há cinco meses, ao julgar um pedido de habeas-corpus impetrado por um preso condenado por crime de roubo que havia prestado depoimento na Justiça estadual por videoconferência, a Corte reiterou o entendimento de que somente a Câmara e o Senado podem aprovar alterações nos Códigos Penal e Processual Penal.

A decisão do Supremo abriu caminho para que os advogados de 2 mil pessoas já condenadas pela Justiça paulista e que haviam sido ouvidas pelos juízes em videoconferência começassem a preparar pedidos de anulação de julgamento de seus clientes. Diante dos problemas que isso poderia causar para a segurança pública, o governo paulista, com apoio de juízes, inclusive do STF, mobilizou sua bancada no Congresso e conseguiu que o senador Tasso Jereissati apresentasse um projeto de lei autorizando depoimentos de presos por meio de videoconferência. Na mesma semana, o governo federal, cedendo a pressões corporativas dos advogados, que temem perder mercado de trabalho com essa inovação, encomendou outro projeto ao senador Aloizio Mercadante, reduzindo drasticamente os casos em que a Justiça poderia ouvir réus sem necessidade de levá-los ao fórum.

Os dois projetos tiveram tramitação normal nas duas Casas e ambos foram aprovados, finalmente, um na Câmara e outro no Senado, no dia 17 de dezembro. Pelo regimento das duas Casas legislativas, quando há projetos colidentes versando sobre a mesma matéria, um deles tem de ser arquivado pela Mesa Diretora, não podendo ser submetido ao plenário. No entanto, como as sessões de votação na Câmara e no Senado já avançavam pela madrugada e a pauta era extensa, essa providência não foi adotada.

O resultado é o impasse que o presidente Lula terá de arbitrar. Obrigado a optar por um dos dois projetos, é de esperar que sancione o que mais atenda às necessidades de segurança pública e permita à Justiça brasileira incorporar os avanços da tecnologia.

  

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