Ameaça de retirada de apoio a Dilma salvou Sarney 22/08/2009
- Josias de Souza - Folha Online
Local: CCBB (Centro Cultural do Banco do Brasil), em Brasília. Dia: terça-feira (18), véspera da reunião do Conselho de (a)Ética do Senado.
Ricardo Berzoini, presidente do PT, expôs a um grupo de congressistas e ministros petistas a estratégia que o partido adotaria para salvar José Sarney.
Disse que estava em jogo no julgamento do conselho a sustentação da candidatura presidencial de Dilma Rousseff.
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O apoio do PMDB à candidata de Lula, disse Berzoini, não é fato consumado. Abandonando Sarney, o PT colocaria em risco o projeto.
Berzoini disse que expressava a opinião da direção do PT. Lorota. Seguia ordens de Lula. O presidente conversara reservadamente com Sarney.
Lula reunira-se também com Renan Calheiros, líder do PMDB e chefe da tropa de elite do presidente do Senado.
Sarney e Renan haviam se queixado da dubiedade do PT. Renan foi mais específico: dependeria do comportamento do petismo o apoio do PMDB a Dilma.
A reunião do CCBB serviu apenas para amarrar a estratégia definida nos dias anteriores. Berzoini prosseguiu:
O PT, disse ele, já dispõe de candidata e estratégia para a disputa de 2010. A oposição, ao contrário, está “dividida e sem rumo”.
A mídia, no dizer do presidente do PT, segue uma agenda anti-Lula: tenta grudar em Dilma a pecha de “mentirosa”, bate no PT e esconde as realizações do governo.
Diante desse cenário, concluiu Berzoini, é "essencial" manter a coesão do bloco governista e “segurar” o PMDB. Para isso, seria o PT, fiel da balança no conselho, teria de livrar a cara de Sarney.
O pano de fundo exposto por Berzoini fora tecido em conversas prévias dos ministros presentes ao encontro do CCBB.
São ministros filiados ao PT: a própria Dilma (Casa Civil), Tarso Genro (Justiça) e Luiz Dulci (Secretaria-geral da Presidência).
Gilberto Carvalho, chefe de gabinete de Lula, também tomou parte da conversa. Os auxiliares do presidente falaram pouco.
Os líderes do PT e do governo na Câmara –Candidato Vacarezza e Henrique Fontana—tampouco tinham muito a dizer.
O objetivo da reunião era o de acertar os ponteiros dos senadores do PT: Aloizio Mercadante e os três votantes do conselho: João Pedro, Ideli Salvatti e Delcídio Amaral.
Berzoini esmiuçou a estratégia. O partido providenciara um escudo para atenuar o desgaste eleitoral dos petês que livrariam a cara de Sarney.
Redigira-se uma carta do partido impondo aos senadores o voto pró-Sarney. O texto realçava a politização dos processos e recomendava o arquivamento.
Delcídio quis saber se a Executiva do PT aprovara o documento. Berzoini disse que não reunira a Executiva, mas ouvira os seus membros.
“E o Valter Pomar?”, inquiriu Delcídio, referindo-se a um dirigente petista de uma ala mais às esquerda.
Berzoini reproduziu a frase que ouvira de Pomar: “Ruim com Sarney, pior sem ele”. O líder Mercadante disse que exporia no conselho a sua opinião pessoal.
Uma posição que, dizia ele, era endossada pela maioria da bancada, contrária ao arquivamento em bloco das ações contra Sarney.
De resto, Mercadante levou à mesa uma ameaça. Terminada a sessão do conselho, renunciaria à liderança.
Berzoini, que já ouvira do líder o pretenso ultimato, respondeu com frieza. O exercício do posto de líder, disse ele, é “uma questão pessoal”.
Nem os ministros nem os congressistas presentes fizeram qualquer comentário. Definido o script, Berzoini fez uma segunda reunião.
Ali mesmo, no CCBB, dessa vez só com os senadores. Ficou combinado que caberia a Mercadante ler a carta do PT na abertura da reunião do conselho.
Acertou-se também que o líder realçaria a discordância pessoal e da bancada quanto ao arquivamento em bloco dos processos.
No dia seguinte, quarta-feira (19), João Pedro procurou Delcídio Amaral minutos antes do início da reunião do conselho: “O Mercadante não vai ler a nota”.
“Isso é uma palhaçada”, reagiu Delcídio, que transmitiu a novidade a Ideli. E ela: “Eu vou sumir, porque, se encontrar um jornalista, vou falar tanta merda!”
Coube a João Pedro ler a nota que Mercadante recusou-se a recitar, limitando-se a expressar, no microfone, a discordância dele e da bancada.
Chamados a votar, os três petês do conselho pronunciaram, longe do microfone, o “não” que livrou Sarney de 11 ações por quebra de decoro parlamentar.
Na mesma sessão, manteve-se no arquivo, com os votos do PT, a representação que o PMDB formulara contra o líder tucano Arthur Virgílio.
Seguiu-se uma reunião da bancada do PT. Delcídio e Idelli não deram as caras. Mercadante pôs o cargo à disposição.
Entre quinta e sexta, Mercadante protagonizaria a bazófia da renúncia que, anunciada como “irrevogável”, foi revogada depois de uma conversa com Lula.
O resgate de Sarney custou a humilhação do PT, a desmoralização de seu líder e a manifestação oportunista de um senador que já estava de saída da legenda, Flávio Arns: "O partido rasgou a página da ética".
Tudo isso num dia em que Marina Silva, ícone ambiental do petismo, bateu em retirada rumo ao PV.
Quanto ao apoio do PMDB à candidatura de Dilma, depende muito mais do desempenho da candidata e dos acertos que vierem a ser feitos nos Estados do que da vontade de Renan e Sarney.