Hildebrando ainda mete medo 27/09/2009
- Hugo Marques - IstoÉ
Em Rio Branco, é costume se comparar o ex-deputado Hildebrando Pascoal com o insano assassino Jason, do filme "Sexta- Feira 13". Mas o ex-coronel da PM, preso desde 1999, é acusado de matar mais gente do que o personagem e com uma crueldade de causar inveja ao mais aterrorizante roteiro de cinema.
Na quarta-feira 23, Hildebrando foi condenado a 18 anos de cadeia, pela morte do mecânico Agilson Firmino dos Santos, o "Baiano".
A vítima teve braços, pernas e testículos cortados por motosserra e os olhos arrancados antes de ser morto, em 1996, num crime que até hoje apavora a população da capital do Acre.
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Somando-se as condenações por narcotráfico, formação de quadrilha e compra de votos, a pena acumulada de Hildebrando sobe para 106 anos de cadeia. Mas, graças ao regime de progressão, o assassino poderá deixar o presídio dentro de três ou quatro anos. O que deixa os parentes das vítimas morrendo de medo.
"Estou apavorada, extremamente abalada, temo pela vida dos meus filhos", diz a esposa de Baiano, Ivanilde Lima de Oliveira. Ela e os filhos Éder e Emanuele foram testemunhas de acusação.
Há 13 anos, Ivanilde fugiu com a família para outro Estado, após matarem seu marido e o filho menor.
O clima durante o julgamento foi tenso. Mesmo com o Fórum Barão do Rio Branco protegido por mais de 100 policiais federais, civis e militares, Ivanilde não era a única pessoa amedrontada.
"Os jurados pediam para não participar por suposto impedimento legal, mas isso era uma forma de esconder o medo", disse à ISTOÉ o promotor Leandro Portela Steffen.
"O Hildebrando tem um padrão de psicopata e personificou um período de terror no Acre. Ele é um divisor de águas. Da barbárie para a fase da cidadania", constata Steffen.
Quatro jurados choraram no momento em que três promotores exibiram fotografias mostrando o corpo esquartejado de Baiano. O pavor espalhou-se também entre as testemunhas.
Três delas recusaram-se a ir ao tribunal. Responsável pelo dossiê com cerca de 100 mortes causadas pelo esquadrão da morte liderado por Hildebrando, o ouvidor agrário nacional, Gercino José da Silva Filho, preferiu não viajar ao Acre para depor contra Hildebrando temendo as ameaças feitas pelo réu.
Como presidente do Tribunal de Justiça do Acre, no final dos anos 90, Gercino foi uma das primeiras autoridades a desafiar o poder do coronel.
"O governo federal retirou a segurança que a PF me prestava e, como Hildebrando disse várias vezes que ia me matar, não me senti obrigado a prestar depoimento", explica Gercino.
Quando Gercino fez a denúncia, em 1997, Hildebrando avisou que ia assassiná-lo. Meses depois, um casal e o cachorro de uma casa localizada na mesma rua onde morava Gercino foram mortos brutalmente.
"Os pistoleiros foram à casa errada. Mataram meus vizinhos", lamenta Gercino.
O grupo de extermínio nasceu quando Hildebrando era comandante da Polícia Militar no início da década de 90. Em 1995, eleito deputado estadual, ele passou a controlar com mão de ferro setores dos Três Poderes do Estado. Em 1998, conquistou uma cadeira na Câmara, mas teve seu mandato cassado, um ano depois, graças ao trabalho da CPI do Narcotráfico.
Nas investigações, descobriu-se que ele fazia agiotagem, redigia bilhetes liberando traficantes das batidas policiais, trocava cocaína por votos nas eleições e escolhia os inimigos que seriam mortos.
A prepotência de Hildebrando pôde ser medida por seus sorrisos irônicos durante o julgamento. Anunciada a sentença de 18 anos, o ex-deputado comemorou com seu advogado, Sanderson Moura.
"Parabenizo sua defesa, por ter me garantido contra a opinião pública", disse ele a Moura. O advogado também fez festa: "A pena foi bem dosada pelo juiz, ele é muito técnico. Eu consegui derrubar todo o imaginário coletivo em torno do crime da motosserra."
Para celebrar o que considera uma reviravolta, Hildebrando começou a redigir um livro sobre sua vida. Ele informou ao advogado que vai enviar exemplares para os ministros do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, além dos membros do Conselho Nacional de Justiça.
Proximidade com os livros não lhe falta. Na ala federal do Complexo Penitenciário Francisco de Oliveira Conde, em Rio Branco, Hildebrando trabalha como coordenador da biblioteca.
Mas é cedo para a família Pascoal celebrar. Os três promotores do caso querem realizar logo o julgamento de mais um crime atribuído à ficha corrida do ex-coronel.
Trata-se do assassinato de José Hugo, em 1997. Nessa época, Hildebrando era comandante da PM e Hugo suspeito de matar um dos irmãos dele.
O promotor Leandro Steffen lamenta que muitos dos crimes atribuídos a Hildebrando não possam ser enquadrados na Lei de Crimes Hediondos, por terem sido cometidos antes da aprovação das novas regras. Com isso, o ex-coronel tem direito à redução da pena.
Se depender do empenho dos promotores, no entanto, Hildebrando "Jason" Pascoal ainda vai gastar muitos anos de sua vida escrevendo histórias, de terror ou não, na biblioteca da carceragem no Acre.