Municípios perdem fôlego financeiro com repasse de serviços pela União 26/12/2009
- Ricardo Brandt - O Estado de S.Paulo
Os 5.563 municípios brasileiros gastaram em 2008 pelo menos R$ 11,8 bilhões com o custeio de serviços que são responsabilidade constitucional da União e dos Estados. Para 70% dessas prefeituras, esse tipo de despesa comprometeu mais do que toda a arrecadação tributária própria - um universo de 3.942 cidades com até 20 mil habitantes que este ano podem fechar as contas no vermelho.
São gastos com a manutenção de prédios da Justiça, das polícias, do Corpo de Bombeiros, de unidades hospitalares estaduais, fornecimento de transporte e merenda para alunos da rede de Estado entre outros. Pelo pacto federativo, os recursos para custear toda essa estrutura deveriam sair dos cofres dos governos federal e estaduais.
"Somos obrigados a decidir entre perder um posto da polícia na cidade, por exemplo, ou comprometer recursos que poderiam ser usados para investimentos. Obviamente optamos pela manutenção dos serviços para a população", afirma o prefeito de Várzea Paulista, Eduardo Pereira (PT), representante da Associação Brasileira de Municípios (ABM).
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Na média nacional, 4% da receita total das prefeituras é imobilizada por esse tipo de gasto extra, que incha a folha de despesas em municípios já sufocados por problemas financeiros - em virtude da concentração de receita por parte da União e da queda de transferências de recursos, como o Fundo de Participação dos Municípios (FPM).
O problema é que quanto menor a cidade, maior o estrago. Nos municípios com até 10 mil habitantes (40% das cidades do País), esse comprometimento salta para 10,8% ano. Para se ter noção mais precisa do prejuízo, nas 102 cidades com menos de 2 mil habitantes, os dispêndios que deveriam ser cobertos pela União e pelos Estados chegam a ser 5,14 vezes maiores que a arrecadação tributária local.
Borá, o município menos populoso do País - são 834 moradores -, teve em 2008 uma receita orçamentária de R$ 6 milhões. Ao longo do ano, a prefeitura desembolsou R$ 660 mil para custear despesas que não eram de sua responsabilidade. Ainda em valores absolutos, uma cidade de médio porte como Jundiaí, com 347 mil habitantes, gastou R$ 27,9 milhões pagando por contas que do Estado ou da União - dinheiro que poderia ser usado para investimentos.
Os dados são de um estudo feito pelo economista François Bremaeker, publicado em setembro pela ONG Transparência Municipal. "Se os municípios continuarem a assumir os encargos das demais esferas de governo, sem que seja efetuada a correspondente compensação financeira, não resta dúvida de que acabará por comprometer a qualidade dos serviços oferecidos à população", conclui o pesquisador.
Para ele, a solução seria um novo pacto federativo "que defina as competências de cada ente da Federação e efetue a justa repartição de recursos para o custeio dos serviços e ações de cada ente governamental".
Paulo Ziulkoski, presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) - entidade que representa a maioria das prefeituras de cidades de pequeno porte do País -, diz acreditar que o valor gasto é três vezes superior aos R$ 11,8 bilhões calculado pelo estudo. Segundo ele, só para manutenção do principal programa do governo federal, o Bolsa-Família, são gastos de R$ 4 bilhões a R$ 5 bilhões por ano pelos municípios. "Essa é uma criança que o presidente Lula pariu, mas quem cria, educa, paga suas despesas são os municípios", diz Ziulkoski.
ILEGAL
Esse pesado encargo que fica às expensas dos municípios compromete não só o caixa das prefeituras, mas representa sérios riscos legais para seus administradores, que poderão ser enquadrados por descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Em seu artigo 62, a Lei Fiscal estabelece que os municípios somente contribuirão para o custeio de competências de outros entes da Federação se houver autorização em suas leis de diretrizes orçamentárias e previsão nos Orçamentos, além de um convênio, acordo, ajuste ou congênere entre as partes.
O problema é que os municípios nem sempre mantêm convênios com Estado ou União para custear esses serviços. Para Bremaeker, "seria injusto penalizar os agentes políticos por um déficit fiscal provocado por despesas efetuadas com a manutenção de serviços de competência" dos demais entes federativos.