Filho de anistiado político teme ser condenado após pai aparecer vivo 14/02/2011
- Matheus Leitão - Folha de S.Paulo
Nasci em Petrópolis (RJ) em 1967 e, quando tinha apenas um ano, meu pai desapareceu. Da sua história, lembro apenas o que a minha mãe me contou. Pouco antes de ele sumir, passou a viajar muito. Escrevia cartas relatando envolvimento político e dizia que, por isso, corríamos riscos.
Mais velho, descobri a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos. Minha mãe me mandou parte das cartas e, em 1996, entrei em contato com a comissão.
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Consegui três depoimentos, registrados em cartório, de militantes que tinham atuado com o meu pai na organização de esquerda chamada "Grupo dos 11".
PROCURA
A comissão me orientou como deveria procurá-lo, quem deveria acionar e de que forma deveria agir para tentar encontrá-lo. Ele não sumiu só para mim, mas para os irmãos dele também.
Procurei primeiro no Fórum de Campos, onde ele viveu e trabalhou, mas a resposta foi: "à revelia". Entrei na Polícia Federal e na Cruz Vermelha, mas não deu resultado. Aí, consegui o atestado de óbito.
Com o documento, ele foi anistiado em 1997, ainda no governo FHC. Recebemos R$ 100 mil, que usei para comprar uma casa para a minha mãe [A lei 9.140/95 não prevê, no caso de localização com vida de pessoa desaparecida, ação para o ressarcimento do pagamento já efetuado, salvo na hipótese de comprovada má-fé].
A comissão orientou-me ainda a entrar na parte trabalhista, já que ele tinha 13 anos de rede ferroviária e havia abandonado o emprego no mesmo período.
O ENCONTRO
Foi quando eu descobri aposentadoria em seu nome. O funcionário do INSS suspeitou de fraude. O raciocínio foi: alguém deve estar usando o nome dele. Se não, o governo o teria encontrado.
Quando fui ao interior de São Paulo, no endereço que constava da aposentadoria, dei de cara com meu pai. Voltei desesperado e perguntei ao meu advogado o que fazer. Ele disse: vamos avisar a comissão imediatamente.
Fiz uma carta declaratória e contei exatamente o que aconteceu. Eles acreditam em mim e divulgaram uma carta me defendendo.
[Trecho da carta: "Ressaltamos que tivemos ciência do fato por meio de Uelinton, filho do suposto desaparecido, cuja a credibilidade não nos deixa crer ter havido má-fé dos familiares".
Procurada pela Folha, a comissão reafirma o teor da carta].
ESTELIONATO
Quando comuniquei que ele estava vivo, começaram os problemas. O Ministério Público Federal abriu um processo de investigação por estelionato e, no processo, meu pai mentiu.
Disse que não tinha feito nenhuma militância. As três testemunhas mudaram os depoimentos e disseram que "não sabiam por que haviam dito aquilo". Na minha opinião, eles foram pressionados. Agora, fui condenado.
Como eu fraudei a União? Procurei até a Polícia Federal. Eu avisei a comissão que ele estava vivo. Estou esperando um milagre. A história está agora com o STJ (Superior Tribunal de Justiça).
O PAI
Não conheci ele direito. Ele faleceu há um ano. Quando eu o procurei, fingi que era um funcionário da rede ferroviária, já que achava ser uma fraude. Depois, não conseguimos manter uma relação, já que ele negava todas as relações anteriores à nova família, em São Paulo.
A mulher dele disse que o encontrou andando pela cidade e resolveu cuidar dele. O meu entendimento é que, depois de ele passar por tortura, soltaram ele em São Paulo [Em entrevista à Folha em agosto de 1998, Wlademiro disse que abandonou a primeira família porque estava "decepcionado"].
Tenho 95% de chance de ir para a cadeia. Espero que essa injustiça não seja feita.