Em setembro do ano passado, o governo Dilma, atendendo a uma antiga reivindicação de uma ala do PT, criou um fundo de pensão para os servidores públicos federais.
O fundo, batizado de Funpresp (Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal), cuidará da aposentadoria dos concursados que começam a trabalhar em 2013.
Numa tentativa do governo de diminuir a hemorragia financeira da Previdência pública, cuja conta não fecha faz tempo e só piora com os anos, esses novos servidores, se quiserem uma aposentadoria à altura dos excelentes salários que recebem, deverão contribuir para o Funpresp, como acontece com os trabalhadores de empresas privadas.
Espera-se que a adesão seja rápida e significativa, a tal ponto que, em 20 anos, o patrimônio do Funpresp alcance R$ 160 bilhões, tornando-o um dos mais ricos fundos de pensão do paÃs – e, desde já, um dos mais cobiçados tesouros da República.
O governo Dilma parece ciente do rigor necessário ao nomear os dirigentes que decidirão como investir (tanto) dinheiro dos servidores públicos.
Fez uma rica carreira nos fundos de pensão das estatais, sempre indicado por próceres do PT – como os sindicalistas Wagner Pinheiro, presidente dos Correios e ex-presidente da Petros, fundo de pensão dos funcionários da Petrobras, e João Vaccari Neto, tesoureiro nacional do partido e histórico arrecadador de dinheiro para candidatos petistas.
Pires começou sua trajetória nos fundos de pensão quando Lula assumiu a Presidência, em 2003. Ele era funcionário da Petrobras, e Wagner Pinheiro, quando assumiu a direção da Petros, convidou-o para trabalhar no fundo.
Pires era gerente de novos negócios. Recebia propostas de investimentos e dava seu parecer à diretoria do fundo.
A mesma influência dava-se nos fundos de investimento que Pires ajudava a criar, e nos quais a Petros entrava como sócia.
Um deles havia sido estabelecido, em 2007, pela Bancoop, cooperativa habitacional dos bancários de São Paulo, criada por sindicalistas do PT, como Vaccari.
No mesmo perÃodo, Pires trabalhou em dois fundos de investimento tocados em parceria entre a Petros e o Banco BVA, que viria a sofrer intervenção do Banco Central em outubro do ano passado.
Quando Pires se tornou executivo do BVA, a Vitória Management, da qual ele era o principal responsável, acabara de botar no mercado um fundo para financiar uma das empresas do grupo, a Multiner.
Ficou decidido que a corretora Planner iria administrar o fundo.
Quem a convocou? “Foi o Humberto (Pires) que me convidouâ€, diz Artur Figueiredo, presidente da Planner.
Para levar a cabo as operações da Multiner, o BVA precisava de dinheiro – daà a criação do fundo de investimento.
Passou-se o pires no governo e nos fundos de pensão das estatais.
Após a chegada de Humberto Pires, o BVA conseguiu arrecadar R$ 418 milhões para o fundo de investimento, dinheiro que veio de oito fundos de pensão: Petros, então comandada por Wagner Pinheiro, Postalis (Correios), Funcef, Infraprev (Infraero), Refer (Rede Ferroviária Federal) e mais três fundos de estatais do governo de BrasÃlia.
Naquele momento, em setembro de 2009, a Petros chegou a ser a maior acionista desse fundo, com 41,9% das cotas. (A Petros não informa quanto investiu nesse fundo.)
O dinheiro dos fundos de pensão entrou, mas a Multiner não conseguiu tocar os projetos na área de energia.
Descumpriu prazos para botar em funcionamento as usinas, foi ameaçada pelo governo de perder as licenças, sofreu processos, deu prejuÃzo.
Tamanho prejuÃzo que, em 2011, pouco depois de Pires sair do BVA e seguir para seu cargo na Funcef, os fundos de pensão se viram obrigados a expulsar a Vitória Management do comando do negócio.
Todos os fundos votaram pela saÃda do BVA. Apenas um se absteve de votar: a Petros.
No começo do ano passado, o BVA saiu do negócio. E mais dinheiro foi investido na Multiner – R$ 392 milhões.
Meses depois, o BC decretou a intervenção no BVA. Os auditores do BC estimam que o BVA estava com um rombo de R$ 1,5 bilhão. Não conseguia mais honrar seus compromissos. Os dirigentes do banco tiveram seus bens bloqueados.
Pires escapou do bloqueio porque, segundo interpretação do BC, tinha deixado o BVA havia mais de um ano da intervenção. Os demais executivos da Vitória Management estão com os bens bloqueados.
ÉPOCA teve acesso a um relatório do setor de fiscalização do BC, que acusa Pires e outros executivos do BVA de receber dinheiro desviado do caixa do banco.
O BC descobriu que, da conta da Peg Cred, ao menos R$ 100,8 milhões seguiram para contas de empresas de 18 dos executivos do banco – entre eles Humberto Pires.
A empresa de Pires (HPG Vianna de Lima Cobrança) recebeu R$ 4,6 milhões. Outras duas empresas, com endereço idêntico à de Pires, receberam R$ 700 mil. É mais do que a maioria dos diretores do banco recebiam.
O total repassado pelo BVA à Peg Cred correspondia, em 2011, a 111% do lucro lÃquido e 9,3 % do patrimônio do banco.
Para os analistas do BC, os desvios apontam uma “conduta grave†e “contribuÃram para o grave comprometimento de sua situação econômico-financeira (do BVA)â€. O BC investiga o caso.
Pires admite ter recebido o dinheiro. Diz que era “parte do salário†– e que passou nota fiscal e declarou os recursos no Imposto de Renda.
Pires afirma que o fundo Multiner já estava pronto quando chegou ao BVA. Diz que não pediu dinheiro aos fundos de pensão. E defende seu trabalho à frente do BVA:
“Quando cheguei à Vitória, havia uma carteira de R$ 320 milhões. Quando saà (junho de 2011), estava com R$ 3,4 bilhõesâ€.
Procurados pela reportagem, Postalis e Funcef não informaram os valores dos investimentos no fundo Multiner. Mas afirmaram que Pires não interferiu na decisão de investimento.
O Postalis disse que o retorno da aplicação superou as metas do fundo de pensão. A Funcef disse que o fundo da Multiner não trouxe prejuÃzos e que o novo aporte em 2012 está relacionado à reestruturação da Multiner.
A Petros afirma ter realizado investimentos em tÃtulos que eram administrados pela Vitória Asset, ligada ao BVA, de aproximadamente R$ 80 milhões.
A Infraprev informou que os investimentos no fundo da Multiner começaram em maio de 2009 e totalizam R$ 56,5 milhões. Disse que Pires não interferiu na decisão da Infraprev de investir.
Todos os fundos de pensão procurados por ÉPOCA informaram que seus investimentos foram realizados em estrito cumprimento às normas de mercado.