Inflação acima da meta comprova descaso do governo 10/04/2013
- Naiara Infante Bertão - Veja.com
A maior relevância do anúncio sobre o estouro da meta de inflação em março (em taxa anualizada) encerra, de uma vez por todas, a discussão sobre a leniência do governo em relação ao avanço dos preços. Os números - e apenas eles - confirmam tal descaso.
O que disse a presidente Dilma Rousseff sobre a orientação do governo em relação à inflação, há algumas semanas, em Durban, na África do Sul, comprovou-se - ainda que ela tenha desmentido rapidamente o fato, para tentar conter o stress do mercado.
Dilma havia afirmado que não era preciso sacrificar o crescimento econômico para combater a inflação. Diante da concretude de um IPCA acumulado em 6,59% em 12 meses, seria bom que o governo parasse com movimentos hipócritas e jogo de palavras.
PUBLICIDADE
O fato é que, ao longo dos dois anos de governo Dilma, a retórica econômica ditada pela própria presidente serviu para combater os inimigos errados - e deixou sair ilesa a inflação.
O mandato da presidente Dilma Rousseff começou, em 2011, com a inflação aquecida – resultado, em parte, dos gastos exacerbados no fim do governo Lula e do ritmo acelerado de crescimento puxado pelo consumo do mercado interno.
O IPCA de janeiro de 2011 ficou em 0,83%, maior taxa mensal desde abril de 2005 (0,87%). No acumulado em 12 meses, o índice estava em 5,99% e acima do verificado nos 12 meses imediatamente anteriores (5,91%).
Começo equivocado
Contudo, a equipe econômica era taxativa ao afirmar que o avanço inflacionário era causado pelo choque de preços no mercado internacional e que o Brasil estava "importando" esse movimento - ou seja, que não se tratava de um descontrole local.
Diante de tal certeza, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, pilotou uma série de medidas para conter problemas que, em sua avaliação, eram mais graves que a inflação - como a chamada "guerra cambial".
Para sanar tal incômodo, o ministro lançou mão de sucessivos aumentos no Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para frear a entrada de dólares no Brasil e, com isso, tentar desvalorizar o real - em julho de 2011, o dólar chegou a ser cotado a 1,57 real.
Na avaliação do governo, a moeda brasileira estava muito apreciada e tal situação - que era reflexo dos fundamentos do país na época - prejudicaria as exportações de manufaturados e estimularia a entrada de importados no mercado brasileiro - algo visto como ruim para o PT, já que os importados concorrem e ganham da indústria local e podem comprometer a criação de empregos.
No final daquele mesmo ano, após sucessivos aumentos do IOF para coibir entrada de dólares por meio de investimentos de curto prazo no mercado financeiro, a moeda americana, enfim, atendeu aos anseios do Planalto e começou a se valorizar, chegando perto de 1,90 em outubro - movimento que impactou o avanço da inflação porque encareceu as importações, sobretudo de insumos agrícolas.
Ainda em 2011, mesmo lançando mão do IOF para combater o real forte, o Banco Central ainda era adepto de alguma ortodoxia e utilizava a taxa básica de juros (a Selic) como forma de tentar conter a inflação acelerada - os juros subiram até o final do primeiro semestre, quando chegaram a 12,5%.
Porém, num movimento inesperado e muito criticado, o BC passou a reduzir a Selic a partir da reunião de julho de 2011, antevendo um agravamento da crise do euro.
Tal tendência perdura até os dias de hoje, já que desde 2011 a Selic é mantida estável ou em queda, seja qual for o desempenho do IPCA.
Ao final daquele ano, a inflação tocou o teto da meta de 6,5% diante de uma Selic em franca desaceleração e um Produto Interno Bruto (PIB) decepcionante: a economia havia crescido apenas 2,7% em 2011.
Assim, a desculpa da economia superaquecida já não se justificava, como em 2010.
Política industrial
O governo também acreditava que, ao reduzir o custo Brasil, poderia estimular o crescimento de investimentos no país.
Para isso, criou uma política industrial baseada em desonerações para setores castigados pela concorrência externa, compras governamentais que dão preferência a fornecedores nacionais e uma série de estimulos para que a indústria brasileira conseguisse avançar, apesar das adversidades.
Contudo, o plano - chamado de Brasil Maior - é uma colcha de retalhos desconexa e complexa até mesmo para a própria indústria que é alvo das benesses. E, até o momento, ele falha em conseguir reduzir o custo Brasil, ao mesmo tempo em que promove uma queda colossal na arrecadação do governo.
Por fim, o estímulos artificiais do estado exercem peso sobre os preços, assim como o dólar valorizado.
A demanda, por sua vez, não cede - e é garantida pela expansão do setor de serviços, que cresceu 4,4% no acumulado de 2011 e 2012, e vem ajudando a garantir os empregos que a indústria não consegue manter.
"Ao pretender responder a todas as demandas do empresariado, dos consumidores e de quem mais bater à porta do governo, ele acaba produzindo um conjunto de medidas bem intencionadas, mas dotadas de baixa eficácia para promover os objetivos preconizados: expansão do investimento e do crescimento”, diz Felipe Salto, da Tendências Consultoria.
Optar por subir a Selic agora é uma alternativa que trará ônus político para a presidente Dilma - sobretudo quando se constata que a corrida eleitoral está a todo vapor. Porém, ela não só é necessária, como urgente.
“Essas medidas mostram certo desespero por parte do governo, que tenta combater a inflação com mecanismos de natureza popular, usados como instrumento político e eleitoral - e que não são os mais adequados”, afirma o professor do Insper, Otto Nogami.