A Secretaria Nacional de Justiça é um posto estratégico no organograma de poder em Brasília.
Os arquivos do órgão guardam informações confidenciais de outros países, listas de contas bancárias de investigados e documentos protegidos por rigorosos acordos internacionais.
Cercado por poderosos interesses, esse universo de informações confere ao seu controlador acesso aos mais restritos gabinetes de ministros e a responsabilidade sobre assuntos caros ao próprio presidente da República.
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Durante três anos, o delegado de polícia Romeu Tuma Junior conviveu diariamente com as pressões de comandar essa estrutura, cuja mais delicada tarefa era coordenar as equipes para rastrear e recuperar no exterior dinheiro desviado por políticos e empresários corruptos.
Pela natureza de suas atividades, Tuma ouviu confidências e teve contato com alguns dos segredos mais bem guardados do país, mas também experimentou um outro lado do poder -- um lado sem escrúpulos, sem lei, no qual o governo é usado para proteger os amigos e triturar aqueles que são considerados inimigos.
Entre 2007 e 2010, período em que comandou a Secretaria, o delegado testemunhou o funcionamento desse aparelho clandestino que usava as engrenagens oficiais do Estado para fustigar os adversários.
As revelações de Tuma sobre esse lado escuro do governo estão reunidas no livro Assassinato de Reputações -- Um Crime de Estado (Topbooks; 557 páginas; 69,90 reais), que chega às livrarias nesta semana.
Idealizado inicialmente para desconstruir a campanha de difamação de que o autor foi vítima (Tuma foi demitido do governo sob a acusação de manter relações com contrabandistas), o livro, escrito em parceria com o jornalista Claudio Tognolli, professor de duas universidades em São Paulo, pescou mais fundo das memórias do autor.
“Entrevistei Tuma Junior seis dias por semana durante dois anos”, informa Tognolli. “Ele queria uma obra baseada na revelação de fatos, queria que a publicação do livro o levasse ao Congresso para depor nas comissões, onde ele poderia mostrar documentos que não tiveram lugar no livro na sua inteireza”.
Fica a sugestão.
Trechos:
O senhor diz no livro que descobriu a conta do mensalão no exterior.
- Eu descobri a conta do mensalão nas Ilhas Cayman, mas o governo e a Polícia Federal não quiseram investigar.
Quando entrei no DRCI [Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional], encontrei engavetado um pedido de cooperação internacional do governo brasileiro às Ilhas Cayman para apurar a existência de uma conta do José Dirceu no Caribe.
Nesse pedido, o governo solicitava informações sobre a conta não para investigar o mensalão, mas para provar que o Dirceu tinha sido vítima de calúnia, porque a VEJA tinha publicado uma lista do Daniel Dantas com contas dos petistas no exterior.
O que o governo não esperava é que Cayman respondesse confirmando a possibilidade de existência da conta.
Quer dizer: a autoridade de Cayman fala que está disposta a cooperar e aí o governo brasileiro recua?
É um absurdo.
(...)
O senhor afirma no livro que o ex-presidente Lula foi informante da ditadura. É uma acusação muito grave.
- Não considero uma acusação.
Quero deixar isso bem claro. 0 que conto no livro é o que vivi no DOPS [a extinta polícia política em São Paulo].
Eu era investigador subordinado ao meu pai [o falecido elegado Romeu Tuma, que depois seria diretor da Polícia Federal e senador da República] e vivi tudo isso.
Eu e o Lula vivemos juntos esse momento.
Ninguém me contou.
Eu vi o Lula dormir no sofá da sala do meu pai.
Presenciei tudo.
Conto esses fatos agora até para demonstrar que a confiança que o presidente tinha em mim no governo, quando me nomeou secretário nacional de Justiça. Não vinha do nada.
Era de muito tempo. 0 Lula era informante do meu pai no DOPS.
O senhor tem provas disso?
- Não excluo a possibilidade de algum relatório do DOPS da época registrar informações atribuídas a um certo informante de codinome Barba.