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Brasil, ainda um país de justiceiros e justiçados
10/02/2014 - João Marcello Erthal - revista VEJA

Ao longo da última semana, a população do Estado do Rio, bombardeada pela propaganda oficial que alardeia vitórias sobre a criminalidade, foi confrontada com situações em que a barbárie se fez presente igualmente numa área nobre da capital e na desfavorecida Baixada Fluminense.

No bairro do Flamengo, a poucos metros da residência oficial do comandante da Polícia Militar do Estado, autointitulados “justiceiros” castigaram e expuseram como troféu um jovem de 15 anos, deixado atado pelo pescoço a um poste, com uma tranca de bicicleta.

Cinco dias depois, vieram à tona imagens da execução a sangue frio de um jovem acusado de praticar assaltos em Belford Roxo.


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Os dois episódios têm o impacto de um pouso forçado no Brasil real, onde grupos que fazem injustiça com as próprias mãos e cadáveres desconhecidos do sistema judiciário não são situações atípicas.

Justiçados e justiceiros não estão, definitivamente, extintos no Brasil.

Ambos inaceitáveis, os casos da última semana chocam por razões bastante distintas.

No encontro de um jovem atado pelo pescoço a um poste, o espanto está no local onde ocorreu o crime, a fatia mais policiada, iluminada e bem cuidada da capital.

A morte do jovem na Baixada, sentenciado à morte por pistoleiros, ocorrida em 23 de janeiro, tinha tudo para entrar para a lista de crimes de autoria desconhecida, arquivados com as pilhas de inquéritos inconclusos da Polícia Civil.

Um detalhe, no entanto, fez do caso uma exceção: um celular captou 18 segundos de um vídeo revelado pelo jornal Extra, transformando o que seria um “acerto de contas de bandidos” em um foco de indignação nacional.

Nos dois casos, a pressão popular e a difusão dos casos pelas redes sociais obrigaram a polícia a passar os inquéritos para o topo da pilha.

A 9ª DP (Catete) corre para encontrar os ‘playboys’ que castigaram o adolescente no Flamengo. E o pistoleiro da Baixada, identificado como Douglas Idael Pereira Ramos, teve prisão preventiva decretada pela Justiça no dia seguinte à divulgação das imagens.

Só então a lei passou a valer em favor de Igor de Oliveira Falcão, de 20 anos, o executado.

Para a pesquisadora Jacqueline Sinhoretto, do departamento de Sociologia da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), que estudou os justiçamentos no Estado de São Paulo nas décadas de 80 e 90, o caso da tranca de bicicleta usada como instrumento de tortura choca pela violência, não pela novidade.

“A prática punitiva persiste no Brasil e é permeada pela violência física desproporcional. De certa forma, uma parte da população entende aquilo como compreensível”, afirma, ajudando também a explicar o aplauso do abuso por uma parte da população e dos usuários de redes sociais.

Registros de linchamentos disponíveis nos bancos de dados do Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV), feitos apenas com base em casos noticiados, mostram que, no Estado de São Paulo, as punições impostas por grupos a indivíduos acusados de algum crime beiravam as centenas na década de 80, passando a uma dezena nos últimos anos catalogados.

O estudo tem, atualmente, os registros até 2010, quando foram noticiados e catalogados dez linchamentos em solo paulista.

É certo que os dados são apenas uma fração do universo de linchados. Como se sabe, os executados ou castigados dos grupos de extermínio, dos tribunais do tráfico e das milícias não têm visibilidade.

A persistência das condenações à margem do Estado e dos linchamentos em praça pública não deve, no entanto, ser entendida como se houvesse aceitação ampla da sociedade.

Ainda que exista um endosso à barbárie até entre autoridades, como na manifestação do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), para quem, no Flamengo, o justiceiro “praticou um ato corajoso” e deu “uma surra num vagabundo”, também houve, nesse caso, uma onda de depúdio às práticas medievais.

No Facebook, veio primeiro o aplauso a quem “combateu o crime”. Em seguida, surgiu uma onda de convite aos “bloqueios mútuos”, proposta pelos que não aceitam a ação de justiceiros.

“A população brasileira progressivamente rejeita as punições violentas, formais ou informais. Tanto que crescem as denúncias por abuso policial. Não se pode mais, impunemente, afirmar que ‘bandido bom é bandido morto’”, diz Jacqueline.

Apesar de ter avançado no plano institucional – com leis e apoio a órgãos de direitos humanos –, o país convive com práticas violentas.

“Ainda somos um país que impõe e aceita penas degradantes”, alerta Jacqueline. A pesquisadora conecta a ação de "justiceiros" à tragédia em curso no presídio de Pedrinhas, no Maranhão.

“Sob o controle do Estado, ocorrem mortes, decapitações e práticas que o arcabouço institucional tenta eliminar, mas persistem pelas mãos de grupos de linchadores e matadores dentro do sistema carcerário”, lembra.

Festejar a barbárie, ou achar que o crime contra o criminoso é algo que pode tornar um lugar menos violento, é um comportamento que vai além da ingenuidade.

A cada justiçamento o Brasil fica mais próximo de algo como o Afeganistão, onde voltou a existir, no ano passado, a pena de apedrejamento para adultério.

Bolsonaro, José Sarney -- que comemorou o fato de, no Maranhão, a violência "não sair dos presídios" -- e uma ala das autoridades, no entanto, insistem no caminho inverso.

Mantêm vivos, assim, ideais como o do deputado estadual fluminense e inspetor de polícia José Goginho, o Sivuca.

Em meio à onda de sequestro no Rio de Janeiro nos anos 80 e 90, Sivuca defendia abertamente que a polícia matasse sequestradores e outros bandidos e os enterrasse “em pé, para não ocupar espaço”.

Crimes

Pelo menos dois depoimentos tomados pela Polícia Civil indicam que, no Flamengo, o aumento dos assaltos motivou um levante de gangues que, supostamente, querem proteger moradores do bairro.

Dois detidos na última segunda-feira deram depoimentos nesse sentido, admitindo integrar uma "patrulha" contra roubos no bairro. O menor preso pelo pescoço a um poste também relatou ter sido acusado de roubos.

Há, de fato, um aumento nos roubos de carros (50,1% a mais, na comparação dos meses de outubro de 2013 e 2012), (passaram de 1.762 para 2.645 registros no Estado), a pedestres (subiram 38,2%) e os assaltos em ônibus (67,7%). Também cresceram roubos a residência, com aumento de 89 para 120 casos (34,8%).

Os crimes e os criminosos, nesse caso, estão bem menos armados e são muito menos organizados que as facções de traficantes encasteladas nos morros. Mas têm, em contrapartida, impacto muito mais imediato e direto na sensação de segurança.

Assaltos são combatidos, em todo o mundo, com policiamento em locais e horários de maior incidência dos ataques.

“Coibir roubos de rua é algo simples, que se faz com uma saturação de policiamento onde sabe-se que o crime vai ocorrer. O problema é que nem isso a polícia sabe”, critica o sociólogo Claudio Beato, professor da UFMG e coordenador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp).

Quem acompanha de perto o desenrolar da luta contra o crime não chega a se espantar com assaltos ou mesmo com um levante de justiceiros.

“O Rio viveu, nos últimos tempos, uma ficção. A ostensiva propaganda do Estado para promover as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) anestesiou a percepção da população sobre a criminalidade”, afirma a professora de Antropologia Ana Paula Miranda, pesquisadora do Instituto de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos da UFF (Ineac).

Moradora do Flamengo -- bairro no centro da discussão sobre ação de justiceiros na cidade --, Ana Paula tem, como os demais cariocas, a percepção de que os roubos ocorrem com frequência preocupante nas ruas.

O fato de um grupo tentar promover "justiça com as próprias mãos", segundo ela, não chega a ser uma novidade na realidade brasileira.

O local ao que o jovem foi encontrado, na Zona Sul, este sim, produziu a reação de estupefação da sociedade.

“No mesmo bairro, no Morro Azul (uma favela da região), encontrar alguém preso pelo pescoço não criaria tanta comoção, infelizmente. Linchamentos e execuções são uma questão antiga que o Brasil não conseguiu resolver. Não se pode esquecer que o caso ocorre em uma cidade com áreas controladas por milícias e onde, de tempos em tempos, surgem histórias de grupos de extermínio”, alerta.


  

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