Sedes rasgam os contratos e arranham imagem da Copa 25/02/2014
No fim de semana, o site de VEJA revelou os resultados de uma pesquisa de opinião que mostrou a péssima imagem da Copa do Mundo entre os brasileiros -- para nove entre cada dez entrevistados, o evento deixará uma imagem negativa.
Mesmo depois de despejar muito dinheiro na organização do Mundial (93,7% dos 8,9 bilhões de reais gastos até agora nos estádios saíram dos cofres públicos), o país se arrisca a manchar sua imagem também no exterior.
Por enquanto ainda é cedo para falar em fracasso da Copa como vitrine do país. É provável é que o torneio transcorra sem problemas desastrosos, ainda que o país-sede decepcione seus visitantes com dores de cabeça nos deslocamentos pelo país, na qualidade dos serviços e no transporte público deficiente.
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Mesmo que tudo dê certo, porém, a reputação dos brasileiros já terá sido arranhada entre algumas das empresas mais influentes do mundo.
Elas são as patrocinadoras oficiais da Fifa que esperam com apreensão pela resolução dos impasses que cercam alguns dos preparativos finais para a Copa.
Em quase todas as cidades-sede, pendências diversas emperram a montagem de dois aparatos de responsabilidade dos anfitriões: as estruturas temporárias nos estádios e as Fan Fests da Fifa.
Nos dois casos, são instalações que interessam diretamente às gigantes multinacionais que pagam dezenas de milhões de dólares para atrelar suas marcas ao evento.
E em ambos os casos, há risco de que os preparativos sejam prejudicados por causa da resistência dos responsáveis em cumprir o que foi combinado.
Idealizadas como uma forma de aumentar o envolvimento das pessoas com o torneio -- e amenizar a frustração de quem ficou sem ingresso --, as Fan Fests estrearam na Copa da Alemanha-2006 e foram um enorme sucesso. Na África do Sul-2010, a presença de público foi mais modesta.
No Brasil, há o temor de que os festivais, montados nas áreas públicas de todas as doze cidades, sejam prejudicados pelas manifestações violentas contra o evento.
As sedes não se empolgam com o evento, e não é só por causa da preocupação com possíveis tumultos. A montagem dos festivais -- com um caderno de exigências extenso e detalhado, como de costume nos empreendimentos da Fifa --, custa caro.
Recife, a primeira sede a anunciar que não pretende arcar com as despesas, calculou o investimento com sua Fan Fest em 20 milhões de reais.
Além da instalação das estruturas (parte delas, oferecida pela própria Fifa), as sedes precisam bancar os gastos com segurança, seguros e licenças e até com o cumprimento das exigências de artistas convidados para se apresentar nos palcos montados em cada cidade.
Para quem já torrou centenas de milhões de reais para erguer ou reformar estádios, esse gasto adicional não cai bem, é verdade. Mas é tarde demais para reclamar.
Ao assinar o compromisso para receber o Mundial -- depois de muito lobby e muita briga política nos bastidores, aliás --, cada cidade-sede se comprometeu a arcar com essas contas, parte do custo necessário para abrigar as partidas.
O rompimento de contrato a menos de quatro meses para a abertura é uma irresponsabilidade, por mais que o gasto seja salgado, e por mais que o retorno seja questionável.
Como as patrocinadoras aproveitam a Fan Fest para divulgar suas marcas e produtos, através de tendas, estandes e distribuição de brindes, o cancelamento do evento, como promete Recife, reduziria o retorno prometido na hora em que essas empresas fecharam seus acordos multimilionários com a Fifa.
A encrenca, portanto, tem tudo para acabar nos tribunais, com a entidade e seus parceiros comerciais cobrando as sedes pelas perdas financeiras.
Na semana passada, a Fifa confirmou a intenção de processar a capital pernambucana caso não haja Fan Fest na cidade.
"Se você tem um contrato com um parceiro e ele não corresponde, uma ação pode ser tomada contra ele. Mas vamos esperar para ver o que acontece. Se precisar, acionaremos nossos advogados", disse Thierry Weil, diretor de marketing da entidade.
Ele deixou claro que a saída mais civilizada -- a negociação -- nunca foi descartada pela dona da festa.
"Podemos negociar, sim. É possível cortar algumas atrações e mudar a localização, por exemplo", disse Weil durante o congresso técnico da Fifa, em Florianópolis.
Recife, porém, dava pistas de que esperava uma ajuda financeira direta.
"Não podemos arcar sozinhos com o investimento. Vamos aguardar que a Fifa nos traga outras sugestões", disse o secretário de Esportes George Braga.
A entidade ressalta, entretanto, que não colocará dinheiro no evento, e que pode auxiliar apenas na tentativa de ajudar a atrair investidores.
Em algumas sedes, as próprias parceiras comerciais da Copa fecharam patrocínios adicionais para ajudar a bancar as festas.
Cogita-se que outras cidades que não conseguiram um lugar no Mundial (como Florianópolis e João Pessoa) organizem uma Fan Fest no lugar do Recife.
O secretário-geral Jérôme Valcke mostrou irritação ao ser questionado sobre o tema.
"As cidades precisam entregar as Fan Fest, que estão incluídas num compromisso assinado por todos. Se houve compromisso financeiro, por que a Fifa deve recuar? Foi algo acordado há anos", reclamou o francês em sua última visita ao país.
Entre as gigantes que patrocinam o Mundial estão Coca-Cola, Sony, Visa, Hyundai, Adidas, Johnson & Johnson e Emirates, além das brasileiras Garoto, Itaú e Oi.
Nenhuma patrocinadora reclama publicamente do possível cancelamento dos festivais, mas todas acompanham com receio a controvérsia em torno do assunto.
Outro foco de preocupação para a Fifa e seus parceiros é a instalação das estruturas temporárias para a Copa, mais uma empreitada custosa ligada ao evento.
Orçadas em cerca de 30 milhões de reais, elas consistem em todo o aparato necessário para a realização das partidas, como esquema de segurança (com detectores de metais), instalação de redes de comunicação e áreas montadas para receber torcedores, convidados e imprensa.
Nos três estádios privados do evento -- Itaquerão, Beira-Rio e Arena da Baixada --, os donos das arenas pediram para dividir os custos (por contrato, de sua responsabilidade) com o poder público.
Porto Alegre, São Paulo e Curitiba aceitaram ajudar, ainda que sem investimento direto, captando patrocínios, por exemplo.
O presidente do Inter, Giovani Luigi, falou em desistir da Copa caso não recebesse auxílio para arcar com gastos que o próprio clube havia assumido. Foi atendido pela prefeitura da capital gaúcha.
Nos estádios públicos, o problema é a demora nas licitações para contratar os serviços. Sem as estruturas temporárias, a Fifa não consegue realizar as partidas, repete Valcke, cada vez mais irritado com o tema.
"Há acordos firmados. Todas as partes têm compromissos muito claros. O país anfitrião organiza a Copa com apoio da Fifa. Existem acordos e comprometimentos, e as cidades se propuseram a entregar X, Y ou Z. Nós pagamos tudo que estamos usando e não estamos pedindo dinheiro para nada."