Responsáveis por um terço das doações eleitorais são fornecedores da Petrobrás 06/04/2014
- JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO, DANIEL BRAMATTI, DIEGO RABATONE, LUCAS DE ABREU MAIA - O Estado de S.Paulo
De cada R$ 10 doados por empresas a candidatos e comitês nas eleições de 2010 e 2012, R$ 3 vieram de fornecedores da Petrobrás.
Maior companhia brasileira, a estatal está no centro da mais ampla rede de financiamento privado de campanhas eleitorais no Brasil.
Detentores de contratos com a companhia petrolífera desembolsaram ao menos R$ 1,4 bilhão em contribuições às campanhas de postulantes a presidente, governador, prefeito, deputado e senador.
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Isso não implica que a Petrobrás tenha direcionado as doações -- a legislação proíbe que empresas que tenham participação societária do Estado financiem campanhas eleitorais.
Tampouco denota ilegalidade. Mostra, porém, o potencial de alcance político e econômico da estatal e ajuda a entender os temores de parte da classe política com a instalação de uma CPI da Petrobrás.
Levantamento conjunto do Estadão Dados e da Transparência Brasil revela que 4.792 candidatos e comitês partidários receberam recursos de empresas contratadas pela Petrobrás nos últimos quatro anos.
Nas eleições parlamentares e para governos de 2010, 1.778 candidatos/comitês receberam desses fornecedores. Na disputa municipal de 2012, foram 3.014 os beneficiários.
Os valores doados pelos fornecedores da Petrobrás constituem uma estimativa conservadora: o levantamento levou em consideração só os contratos assinados a partir de 2010.
Pontaria
Além de volumosa e extensa, a rede de doações é certeira. Dos 513 deputados federais eleitos em 2010, nada menos do que 330 contabilizaram doações de empresas privadas que mantêm contratos com a Petrobrás.
Juntos, receberam pelo menos R$ 78 milhões para ajudar a bancar suas candidaturas. O valor pode ser ainda maior, porque não inclui as doações dessas empresas a comitês partidários, que podem beneficiar mais de um candidato.
A regra dos doadores é ter um pé em cada canoa partidária. Tornam-se, assim, centopeias político-ideológicas.
O dinheiro foi doado indiscriminadamente tanto a partidos que apoiam o governo federal quanto a legendas que lhe fazem oposição. Nada menos que 24 siglas receberam recursos em 2010, e 26 em 2012.
Rateio
Nas eleições realizadas há quatro anos, candidatos e comitês do PT, que disputava o terceiro mandato presidencial consecutivo, receberam 25% do valor total doado pelos fornecedores da Petrobrás.
Já o PSDB, principal partido da oposição e havia oito anos distante do Planalto, ficou com uma fatia levemente inferior: 24%.
Levando-se em conta as disputas pelos cargos de presidente, governador, senador, deputado federal e deputado estadual, candidatos do PT receberam em 2010, em conjunto, R$ 224 milhões de empresas ligadas por contratos à Petrobrás. As doações para tucanos somaram R$ 210 milhões.
O PMDB, que tem influência em diretorias da Petrobrás e é segundo maior partido da base governista, recebeu menos recursos do que o oposicionista PSDB em 2010: R$ 165 milhões, o equivalente a 19% do total.
Nas eleições de 2012, PT e PMDB ficaram com uma parcela maior dos recursos: 31% e 16%, respectivamente. Já o PSDB levou apenas 13%.
A lista dos fornecedores que fazem doações para campanhas tem 2.265 empresas. A maioria, porém, faz contribuições relativamente pequenas -- apenas 117 empresas desembolsaram mais de R$ 100 mil.
A concentração de poder no topo é alta: 81% dos recursos doados (mais de R$ 1,1 bilhão) saíram dos 50 maiores fornecedores.
Na lista dos maiores doadores estão as grandes empreiteiras do País, que têm outras fontes de recursos públicos e interesses em diversas áreas do governo, não apenas no setor do petróleo.
Isso explica o fato de, em alguns casos, as doações eleitorais serem superiores aos valores dos contratos firmados com a Petrobrás.
Contratos de serviços são "caixa-preta"
A Petrobrás omite dados dos contratos que assina sem licitação. Documentos obtidos pelo Estado apontam que a estatal fechou pelo menos R$ 19,3 bilhões sem processo licitatório no primeiro biênio do governo Dilma Rousseff, a maior parte ligada a serviços.
Escorada em um decreto presidencial de 1998, do governo Fernando Henrique Cardoso, a Petrobrás tem prerrogativa de contratar à margem da Lei de Licitações uma gama variada de serviços, que abrange de construção a manutenção de prédios, aluguel de equipamentos, como helicópteros, vigilância, gastos com advogados e patrocínios culturais.
Supremo
A petroleira se respalda, ainda, em decisões do Supremo Tribunal Federal, que a autorizam a ficar "de fora" das compras tradicionais impostas aos órgãos públicos.
A justificativa é que para uma empresa desse setor é preciso agilidade no desenvolvimento das atividades operacionais com economia.
Com base no decreto-lei 2.745/98, a Petrobrás dispensou a licitação em contratos que somam R$ 12,5 bilhões.
Outra forma de não aplicar a Lei 8.666/93, é usar a prerrogativa de considerar inexigível o processo licitatório.
Tendo como respaldo esse argumento, foram fechados contratos de mais de R$ 6,8 bilhões.
Ao todo, em um ano, a Petrobrás assinou mais de 6.500 contratos de serviços.
Regras
Segundo a empresa, entre os casos previstos na legislação em que a licitação é dispensada ou mesmo inexigível está a inviabilidade de competição, em negócios, por exemplo, em que o fornecedor é detentor de patente ou direito autoral.
Primeiro, a empresa afirmou, em nota ao Estado, que não divulga informações sobre contratos. Em seguida, esclareceu que, embora existam exceções, "a licitação é a regra para toda e qualquer contratação de obras, fornecimento de bens ou serviços para a Petrobrás".
Os argumentos que permitiram à estatal usar de um "procedimento licitatório simplificado" foram acolhidos pelo STF, que liberou a companhia da necessidade de seguir todas as exigências comuns à máquina pública em situações em que a competição não for possível ou quando houver desvantagem econômica para a petroleira.
A autorização, via decreto-lei, foi dada depois que a União deixou de ter o monopólio na cessão ou concessão de jazidas de petróleo ou gás natural, em 1995.
Acima
A contratação na modalidade convite, prevista na Lei de Licitações, é a mais usada pela Petrobrás. Mas mesmo nesse caso, a empresa sai do script da Lei de Licitações, oferecendo aos concorrentes contratos muito acima do valor permitido.
Nesse período dos dados aos quais o Estado teve acesso, esse tipo de contratação, pela qual no mínimo três interessados apresentam as propostas, foi responsável por negócios da ordem de R$ 39 bilhões, 62% do total contratado pela empresa entre julho de 2011 e o mesmo mês de 2013.
No entanto, a Lei de Licitações estabelece limites para esse tipo de modalidade. Para obras e serviços de engenharia, o valor estimado para a contratação não pode ultrapassar R$ 150 mil; a Petrobrás, no entanto, celebrou inúmeros negócios com valores vinte vezes superiores a esse teto.