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Bolsa Família, o maior colégio eleitoral do Brasil
18/08/2014 - Gabriel Castro e Laryssa Borges - Veja.com

“Quem de vocês aqui gosta do Bolsa Família levanta a mão?”, brada ao microfone, do alto de um palanque improvisado, o senador Lobão Filho, candidato do PMDB ao governo do Maranhão, na pequena cidade de Barra do Corda (85.000 habitantes).

A plateia reagiu imediatamente com os braços estendidos.

O candidato continuou: “Isso me preocupa, porque os nossos adversários estão unidos a Aécio Neves, que já disse em todos os jornais e todas as emissoras de TV que é contra o Bolsa Família".


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Filho do ministro Edison Lobão (Minas e Energia), que orbita o petismo como representante de José Sarney há anos, o candidato peemedebista convive com Aécio Neves no Senado.

Os dois são colegas.

O peemedebista sabe que o tucano nunca se opôs ao programa -- pelo contrário, é de Aécio a proposta para transformar o programa em política permanente de Estado.

Mas, nos grotões do Brasil, Lobão Filho utiliza um discurso convenientemente falso.

Mesmo um candidato ligado à oligarquia recorre ao discurso de que os seus concorrentes são inimigos do povo por causa de uma oposição fictícia ao programa.

Nas últimas semanas, os candidatos a presidente (especialmente Dilma Rousseff) intensificaram as viagens a São Paulo para tentar conquistar a simpatia do eleitor paulista.

A razão é óbvia: o Estado tem 32 milhões de votos, o maior número de eleitores entre as unidades da federação.

Mas, na disputa deste ano, também está em jogo um "colégio eleitoral" muito mais poderoso -- e leal: o dos beneficiados pelo Bolsa Família.

São aproximadamente 40 milhões de eleitores, espalhados pelas 14,2 milhões de famílias que recebem o benefício.

Esse grupo tende a votar na candidata petista com uma fidelidade incomparável.

E, claro, essa arma é utilizada à exaustão Brasil afora, especialmente longe dos holofotes.

Neste ano, a Bahia foi a que mais recebeu repasses do governo federal no programa Bolsa Família: 1,36 bilhão de reais, segundo o Portal da Transparência do governo federal.

As maiores cidades do estado são as principais beneficiárias: Salvador, com 113,8 milhões de reais neste ano, Feira de Santana, com 29,2 milhões de reais, e Vitória da Conquista, com 21,9 milhões de reais.

Há mais beneficiários do programa na Bahia do que em São Paulo, cuja população é três vezes vezes maior. Mais em Pernambuco do que em Minas Gerias. Mais no Maranhão do que no Rio de Janeiro.

Isso ajuda a explicar por que o Nordeste se transformou em uma quase intransponível fortaleza eleitoral do petismo.

Em 2014, até agora, o governo destinou 10,5 bilhões de reais ao programa.

Jailza Barbosa, 33, desempregada, moradora do bairro Cajazeiras, em Salvador, tem dois filhos, de 10 e 15 anos, e recebe 134 reais por mês.

“O candidato em que eu vou votar é o do partido que me ajuda por causa do Bolsa Família. Não sei o nome dele, mas já estava com isso na cabeça. O programa é muito bom porque me ajuda e é a única renda que eu tenho hoje”, diz.

O número de beneficiários só tem aumentado: em 2004, eram 6,6 milhões de famílias atendidas.

A elevação desde então foi de 215%, muito acima do crescimento vegetativo na população -- e se deu num período em que, segundo o governo, dezenas de milhões de pesoas deixaram a pobreza.

Os números ajudam a entender o que é fácil de constatar in loco.

Na cidade Central do Maranhão, onde Dilma teve 96% dos votos em 2010, é difícil encontrar alguém que saiba quais são os adversários da presidente Dilma Rousseff.

E a razão principal para o apoio incondicional à petista, seja qual for o oponente, é apresentada pelos próprios eleitores.

Como o lavrador Carlos Azevedo:

“Para mim, a candidata é a Dilma. A gente tem medo de tirarem o Bolsa Família”, diz ele, ao lado da mulher, a dona-de-casa Marinete Viana.

Ela diz ter visto na televisão a informação de que os adversários da presidente colocariam fim ao programa.

"Não me interessa saber quem são os outros candidatos", declara Claudilene Melo, que trabalha como doméstica mas também recebe o Bolsa Família.

O cenário eleitoral deve acentuar a importância do Bolsa Família para a candidatura de Dilma Rousseff.

A trágica morte do candidato Eduardo Campos e a possível entrada de Marina Silva na disputa devem acentuar, por um lado, a vantagem de Dilma no Nordeste (onde Campos era mais popular) e, por outro lado, tirar votos da petista nas grandes cidades (onde Marina tem um eleitorado mais forte).

Como consequência, a tendência é que o PT se encastele ainda mais no Nordeste, onde estão 52% dos beneficiados pelo Bolsa Família (a região tem apenas 27,7% da população brasileira).

"O governo vai se fiar nesses programas de transferência de renda, porque a gerência macroeconômica é débil, a inflação é crescente, o crescimento econômicio tem sido pífio", diz o professor Carlos Pereira, da Fundação Getúlio Vargas.

O efeito do Bolsa Família nas eleições de 2006 e 2010 foi objeto da análise de pesquisadores do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB).

Conclusão: havia uma forte correlação entre o voto no PT e a participação no programa do governo.

Independentemente da postura dos adversários de Dilma Rousseff, a maior parte dos eleitores que recebem o Bolsa Família não arrisca apoiar aquilo que veem como uma aposta duvidosa.

Para o jogo democrático, o efeito é desastroso.

Se o único critério na escolha do candidato é o Bolsa Família, o eleitor vota sem levar em conta outros temas essenciais, como as políticas para saúde, segurança e o combate à corrupção.

“É como se nós tivéssemos voltando para o século XIX, com os currais eleitorais fechados”, diz o professor José Matias-Pereira, da UnB.

Como o número de beneficiários do Bolsa Família cresce continuamente, é cada vez maior o contingente de eleitores que escolhe seu candidato presidencial apenas com base no receio de perder o pagamento mensal.

“O coronel local está sendo substituído pelo coronel federal. Mas o padrão é o mesmo: o modelo patrimonialista onde indivíduo usa os bens do estado para se beneficiar politica ou em benefício próprio”, afirma o professor da UnB.


  

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