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Governo segurou denúncia de suborno, afirma delator
14/04/2015 - LEANDRO COLON - FOLHA DE S.PAULO

O principal órgão de controle interno do governo federal recebeu durante a campanha eleitoral do ano passado provas de que a empresa holandesa SBM Offshore pagou propina para fazer negócios com a Petrobras, mas só abriu processo contra a empresa em novembro, após a reeleição da presidente Dilma Rousseff.

Em entrevista à Folha, o ex-diretor da SBM Jonathan David Taylor disse que prestou depoimento e entregou mil páginas de documentos internos da empresa à CGU (Controladoria-Geral da União) entre agosto e outubro de 2014.

O órgão só anunciou a abertura de processo contra a SBM em 12 de novembro, 17 dias após o segundo turno da eleição presidencial.


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Taylor trabalhou durante oito anos e meio para a SBM na Europa e é apontado pela empresa como responsável pelo vazamento de documentos e informações sobre o caso publicadas na Wikipedia em outubro de 2013.

O vazamento levou a investigações sobre a SBM no Brasil e na África. Os documentos indicam que ela pagou US$ 139 milhões ao lobista brasileiro Julio Faerman para obter contratos na Petrobras.

Entre abril e junho do ano passado, Taylor depôs e entregou documentos ao Ministério Público da Holanda. Segundo a própria SBM, ele participara de um grupo que conduzira uma investigação interna sobre o caso em 2012.

Na entrevista à Folha, a primeira a um veículo brasileiro, o delator disse que foi sua a iniciativa de procurar a CGU, que abrira uma sindicância para apurar o caso no Brasil.

Em 27 de agosto, ele repassou ao órgão o relatório de uma auditoria interna da SBM, mensagens eletrônicas, contratos com o lobista, extratos de depósitos em paraísos fiscais, a gravação de uma reunião da empresa e uma lista com nomes da Petrobras.

O material foi enviado por email ao diretor de Acordos e Cooperação Internacional da CGU, Hamilton Cruz, que no dia seguinte atestou o recebimento e informou que passaria as informações para o chefe da investigação.

No dia 3 de outubro, dois dias antes do primeiro turno, Taylor recebeu no Reino Unido a visita de três funcionários da controladoria, entre eles Hamilton Cruz. "Contei tudo o que sabia", afirma o delator.

A CGU nunca divulgou dados sobre a viagem e o depoimento. Para Taylor, a demora do órgão em anunciar o processo contra a empresa holandesa teve motivação política.

"A única conclusão que posso tirar é que queriam proteger o Partido dos Trabalhadores e a presidente Dilma ao atrasar o anúncio dessas investigações para evitar impacto negativo nas eleições", diz.

Os valores pagos ao lobista Julio Faerman, segundo Taylor, são bem maiores do que os divulgados até aqui: "Era muito mais. O comprometimento [da SBM] era de pelo menos US$ 225 milhões".

Em 12 de novembro, a SBM fechou acordo com as autoridades holandesas e aceitou pagar US$ 240 milhões para se livrar de punições na Holanda. Na tarde do mesmo dia, a CGU anunciou a abertura de processo contra a empresa no Brasil.

"Todas as partes esperaram cinicamente até o fim das eleições", afirma Taylor.

No momento, a SBM negocia com a Controladoria um acordo de leniência, em que poderá colaborar com as investigações sobre corrupção na Petrobras para se livrar de punições e continuar fazendo negócios com o setor público.

O ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco, um dos delatores da Operação Lava Jato, disse que a SBM doou US$ 300 mil à campanha de Dilma nas eleições de 2010 e apontou Faerman como o operador que fez o dinheiro chegar ao PT.

A ENTREVISTA

Por que o sr. deixou a SBM?

- Eu era baseado em Mônaco e deixei a SBM em junho de 2012 quando vi as tentativas de acobertamento das investigações, lideradas pelo então chefe de compliance [fiscalização interna], Sietze Hepkema. Minha família vivia na fronteira com a França, com três filhos, uma vida ótima, e tudo isso foi quebrado exclusivamente por causa desse acobertamento.

Como o sr. descobriu esse esquema de propina?

- Um advogado externo, representante de um dos clientes, nos informou sobre algumas atividades de um agente chamado Hanny Tagher, também ex-diretor da SBM e que atuava em todos os países para a empresa, com exceção do Brasil. Eles tiveram acesso a emails de ex-empregados relacionados a Tagher e propina. Isso foi em janeiro de 2012. A partir daquele momento, muita informação veio a mim sobre o modelo de negócio das últimas duas décadas. Basicamente, evidência de empresas de gás subornando indivíduos para ganhar licitações. No Brasil, a empresa nacional [Petrobras] havia montado esquema de propina por meio do Julio Faerman, desde os anos 90.

O sr. é mesmo o responsável pela publicação do material vazado na Wikipedia?

- Eu não posso comentar sobre quem publicou isso, porque pelo menos 20 pessoas tiveram acesso à versão original, entre elas executivos da empresa. Isso foi publicado em outubro de 2013, e saiu na imprensa holandesa em fevereiro do ano passado. O que posso dizer é que estou certo de que a SBM nunca teria discutido publicamente o pagamento de propina na Petrobras se esse artigo no Wikipedia não tivesse sido publicado. Se não fosse o artigo, o caso do Brasil ficaria intocável.

O sr. já se encontrou com Faerman?

- Várias vezes. Julio Faerman não era um agente independente. Ninguém da Petrobras falava com a SBM sem ele. Era altamente íntimo do esquema no Brasil, e atuava com seu filho Marcello e o sócio Luiz Eduardo Barbosa.

O sr. visitava o Brasil pela SBM?

- Visitei acho que umas sete vezes. Eu era o advogado responsável por negociar os termos de condições operacionais dos contratos. Estive em Macaé, Rio de Janeiro, Santos, entre outras cidades.

O sr. colaborou com autoridades brasileiras?

- Sim, três membros da CGU vieram inclusive até aqui falar comigo. Eu disse tudo que eu sabia. Além disso, tinha entregue [por email, no dia 27 de agosto] vários emails, e muita informação. Eu os contatei, porque vi na imprensa brasileira que a CGU não se referia a mim pelo nome e que as autoridades holandesas não estavam colaborando.

À CGU, o sr. confirmou a versão de propina na Petrobras?

- Sim. Me lembro exatamente: era a sexta-feira [3 de outubro] antes do primeiro turno. Vieram três pessoas: os senhores Hamilton Cruz, Ricardo Wágner e um outro.

O ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco afirma que a SBM deu US$ 300 mil para a campanha de Dilma Rousseff em 2010 a pedido do PT. O sr. confirma?

- É muito provável. Como disse, só descobri as coisas depois, e não sei quem recebeu o quê, nós sabemos que a Petrobras foi corrompida, e temos evidência. Mas creio que você pode estar absolutamente correto.

CGU, SBM e Petrobras admitiram irregularidades somente a partir de 12 de novembro. Na sua opinião, houve demora?

- A única conclusão que posso tirar disso é que essas partes queriam proteger o Partido dos Trabalhadores e a presidente Dilma Rousseff ao atrasar o anúncio dessas investigações para evitar um negativo impacto nas eleições. E para a SBM era importante ter uma sobrevida com os contratos no Brasil.

Há uma CPI instalada no Congresso brasileiro. O sr. aceitaria colaborar?

- Claro. Tive contato com os procuradores brasileiros faz nove meses, mas ainda não conseguiram autorização formal do governo britânico para me ouvir no Reino Unido. Estão esperando, me disseram. Provavelmente, se tudo isso tivesse sido descoberto mais cedo, Dilma Roussef não seria presidente.

Que tipo de documentos o sr. tem e entregou?

- Tenho, por exemplo, uma gravação de Hanny Tagher de uma reunião em de 27 de março de 2012. Quando perguntado por Bruno Chabas [presidente-executivo] sobre Julio Faerman, Tagher explica quem é e o que fazia, que era crucial. Disse que, dos pagamentos feitos pela SBM para como comissões, um 1% ficava com o Faerman, e a outra parte, 2%, iria para a Petrobras. E eu perguntei então para ele, na gravação: "Petrobras?". Ele responde "Sim".

Há contratos?

- O que estou mostrando são documentos originais. Há, por exemplo, um adendo de 2007 a um contrato com o Faerman, assinado por ele e pelo Tagher. No último parágrafo da primeira página tem a anotação "1% Faercom [empresa do lobista], 2% outside". Isso foi escrito pelo Tagher, é a letra dele, confirmando num documento de 2007 o que disse na gravação de 2012.

Seria "outside" nesse caso?

- Isso é "Petrobras". Há também um email de 19 de outubro de 2005 do Faerman reclamando de atrasos das "comissões" para o Tagher. Diz que isso pode trazer "mais problemas". O que esses problemas poderiam ser se, em tese, ele era um agente fazendo um legitimo trabalho? É claro o que isso significava. Isso foi acobertado internamente. Há também contas do Faerman no Brasil pagas pela SBM, mostrando que isso era algo controlado pela empresa, implementado por ela.

E quais os indícios do interesse da SBM em acobertar?

- Eu não especulo, dou evidências. Em 26 de março de 2013, a SBM anunciou um contrato de US$ 3,5 bilhões com a Petrobras. Dois dias depois, divulgou nota sobre suas investigações internas de pagamentos impróprios, citando um país de fora da África, sem mencionar o Brasil. No comunicado, disse que não havia provas conclusivas. Essa era a chave do acordo com a Petrobras: 'você, Petrobras, em silêncio, nós continuamos a fazer negócio, e vamos nos manter calados.' Afinal, 60% dos negócios da SBM vinham da Petrobras.

Pode-se dizer que Petrobras e SBM combinaram versões?

- Claro, eles nunca quiseram mostrar tudo. Petrobras teve 30 dias [de auditoria interna] para fazer o que a SBM levava dois anos. Estão querendo fugir da palavra propina.

Qual sua intenção ao colaborar com investigações?
- Eu quero demonstrar que a SBM sabia o que estava fazendo ao pagar propina para a Petrobras via Julio Faerman.

A SBM o acusa de ser chantagista.

- Eu nunca extorqui a empresa. Eles receberam uma carta dos meus advogados buscando uma compensação de 3,5 milhões de euros porque tive danos na carreira, tive de abrir mão do meu posto, porque foi construída uma demissão. E eles consideram essa carta uma extorsão. Essencialmente, estão focados em me desacreditar.

Todos da SBM sabiam do esquema?

- Isso era do alto nível. Todo negócio feito pela empresa foi por meio pagamento de propinas. Isso era absolutamente normal. É como escovar os dentes de manhã: se você não lembra de escová-los, não é algo normal de ocorrer. Há duas novas investigações contra a SBM em outros países, como resultado de informações que eu dei.

O sr. colaborou com a investigação na Holanda?

- Pessoalmente estive em 14 de abril e 27 de junho do ano passado. Em abril, uma investigadora e o investigador Peter van Leusden me disseram pessoalmente: "a SBM não havia dito nada sobre Brasil". Eu dei informações, como e-mails confidenciais, com nomes de funcionários da Petrobras. Em junho, disseram que a investigação independente foi capaz de confirmar quem tinha recebido de Julio Faerman.

Como o sr. vê o acordo para a SBM pagar US$ 240 milhões em troca de encerrar o caso?

- É exemplo claro de conluio. A procuradoria, mesmo ciente do que havia descoberto, permitiu que a SBM continuasse pelo mundo e no Brasil. Veja quão bizarro é isso. Os procuradores divulgaram um release em 12 de novembro, mas eu fui avisado em junho. O que aconteceu nesse período? As eleições presidenciais no Brasil.

OUTRO LADO

A CGU afirma que abriu o processo contra a SBM Offsshore em novembro porque foi quando encontrou "indícios mínimos de autoria e materialidade" sobre o caso.

A controladoria diz que isso ocorreu após a aprovação de relatório preliminar da comissão de sindicância interna.

A controladoria confirma a versão do ex-funcionário da SBM Jonathan Taylor de que o órgão recebeu informações dele por e-mail e servidores estiveram no Reino Unido para ouvi-lo.

A CGU diz que não usou seu material para embasar as conclusões dos trabalhos e afirma que Taylor questionou sobre possível recompensa financeira, semelhante, segundo a controladoria, ao que ocorre nos EUA, o que foi negado.

Em entrevista à Folha, o chefe jurídico da SBM, Alessandro Rigutto, reafirmou a acusação da empresa de que Taylor tentou chantageá-la.

"Ele pediu algo em torno de 3,5 milhões de euros pelo silêncio", afirmou.

Segundo Rigutto, Taylor teve acesso a informações sigilosas porque integrou investigações internas em 2012 e teria deixado a empresa por divergências com o chefe da auditoria, Sietze Hepkema.

Ele negou as acusações de que a SBM tentou acobertar a apuração em relação à Petrobras.

Rigutto manteve a versão de que a empresa foi informada pelo Ministério Público da Holanda da descoberta do pagamento de propina no Brasil.

A procuradoria holandesa disse que Taylor foi ouvido como testemunha, mas destacou que também usou outras fontes de informação.

O órgão não respondeu à acusação dele de que houve "conluio" com a SBM para chegar a um acordo.


  

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