Em Abreu e Lima, Petrobras joga no lixo também os direitos trabalhistas 26/04/2015
- Eduardo Gonçalves e Teo Cury - revista VEJA
A refinaria de Abreu e Lima foi um dos principais dutos de desvio de dinheiro da Petrobras ao longo dos últimos anos.
Segundo o balanço que a companhia apresentou nesta semana, a unidade em Pernambuco e o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro respondem, juntos, por mais da metade da baixa contábil de 52 bilhões de reais em 2014: um baque de 30 bilhões de reais.
E a depreciação não deve parar por aí. Isso porque as obras da refinaria ainda não acabaram.
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Impedida de contratar as empreiteiras envolvidas na Lava Jato, a estatal teve de confiar a continuidade dos projetos a pequenas construtoras locais, e algumas delas, por sua vez, estão repassando o serviço a terceiros.
Enquanto, em Brasília, o governo sofre derrotas por se opor ao projeto de lei que amplia a terceirização, a Petrobras coloca em prática muito mais que isso: há uma "quarteirização" em curso na refinaria, que deixa funcionários sem qualquer vínculo ou garantia trabalhista -- e tudo sob as vistas grossas da estatal.
Como consequência da Operação Lava Jato, que investiga os desmandos e desvios de dinheiro na estatal, 23 empreiteiras que há décadas prestam serviços no setor de óleo e gás foram impedidas de continuar operando nas obras da Petrobras.
Entre elas estão as principais empresas que atuam em Abreu e Lima: Engevix, Camargo Corrêa, Odebrecht e Queiroz Galvão.
Como 60% do projeto ainda não está concluído, a petroleira se viu obrigada a recorrer a empresas locais para dar sequência aos trabalhos -- abrindo mão de licitação ou qualquer outro tipo de avaliação criteriosa.
O problema é que as novas subcontratadas também relegam o serviço a terceiros.
Terceirizar é uma prática perfeitamente legítima no meio industrial.
O problema é que, em alguns casos, os terceirizados ficam à margem da legislação.
Para proteger o trabalhador e dar dinamismo à atividade econômica, é imperativo que se avance na regulação desse tipo de mão de obra.
Daí a importância da votação do projeto de lei que regula a terceirização e que, hoje, é alvo de impasse no Congresso.
A quarteirização tampouco é crime. Mas é preciso haver transparência e segurança jurídica nas relações entre a empresa que contrata os serviços e a que, de fato, os executa, para que os trabalhadores não fiquem desprotegidos.
No caso da Petrobras, as informações que chegam de Abreu e Lima mostram que a quarteirização não é uma prerrogativa dos contratos firmados pela estatal -- desta forma, a petroleira não dá qualquer indício de que se responsabilizará por eventuais problemas com os quarteirizados.
O Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Construção de Estradas, Pavimentação e Obras de Terraplanagem de Pernambuco (Sintepav-PE) foi o primeiro a denunciar a situação em Abreu e Lima.
Na quarta-feira, representantes da entidade estiveram na refinaria e constataram a presença de dezenas de funcionários trabalhando sem qualquer vínculo com as construtoras determinadas pela Petrobras para conduzir as obras.
"A Petrobras está quarteirizando mão de obra. Eles burlam as regras dando um crachá provisório de quinze dias aos funcionários, eximindo-se de qualquer responsabilidade", diz Leodelson Bastos, dirigente do sindicato.
Na fiscalização, foi constatado que a estatal confiou a construção de Abreu e Lima a firmas que "alugam" empregados de outras empresas -- e, como não são vinculados, não recebem direitos como o adicional de periculosidade, exigido no âmbito da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) devido ao alto risco de acidentes.
"O único critério levado em conta pela Petrobras na escolha das empresas é que elas não sejam citadas na Lava Jato", diz Regério Rocha, que também representa o Sintepav.
Um dos casos citados pelo sindicato é o da Oliveira Construções, que terceirizou o trabalho na Petrobras para outra empresa chamada AD Construções.
Procuradas, as empresas não responderam o pedido de entrevista.
A AD se limitou a dizer que não tem contrato com a Petrobras.
A Jole Construções, que é uma das principais novas contratadas, disse que não forneceria informações sobre sua operação em Abreu e Lima.
Em nota, a Petrobras afirmou que, diante da rescisão de contratos com firmas envolvidas na obra da refinaria, "houve a necessidade de contratação de empresas para atividades específicas, a fim de garantir a execução de trabalhos essenciais".
Segundo a estatal, há permissão para subcontratação "em atividades específicas" e "apenas em casos previstos e estabelecidos em contrato".
Judicialização
Os problemas trabalhistas em Abreu e Lima se intensificaram mesmo antes da proibição dos contratos com as empreiteiras da Lava Jato.
Temendo as investigações, a então diretoria da estatal, presidida por Graça Foster, congelou os pagamentos a fornecedores, dando origem não só à quebradeira de empresas, como também uma espiral de ações judiciais.
Apenas em Ipojuca, município onde se localiza a refinaria, são 512 processos protocolados.
A Alumini (ex-Alusa) é uma das empresas envolvidas que conseguiu na Justiça que a Petrobras assumisse todos os compromissos salariais de seus funcionários.
Alguns chegaram a ficar mais de 4 meses sem receber.
Segundo a procuradora do Ministério Público do Trabalho de Pernambuco, Débora Tito, os pagamentos já estão sendo feitos pela estatal.
"A situação está mais controlada do que no ano passado", afirma.
Contudo, segundo o ex-funcionário da Alumini na refinaria, Alexandre Pereira da Silva, de 43 anos, em sua conta bancária não há sinal de pagamentos desde outubro de 2014.
"A Alumini não fala nada, até trocou de nome. Eles nos disseram que não têm previsão nenhuma de pagamento. Eles me devem 42.000 reais em salários atrasados e multas rescisórias. Há 5.000 funcionários nessa situação", afirmou.
Com o nome sujo desde a demissão, ele disse estar vivendo de "bicos" para sobreviver.
"Estou fazendo uma grade aqui, um portão ali, pintando e tentando achar outros lugares onde haja obras. Enquanto isso, eu espero que as autoridades competentes reajam", disse.
A Alumini entrou com pedido de recuperação judicial em janeiro deste ano, cobrando da Petrobras uma dívida de mais de 1,5 bilhão de reais referente a Abreu e Lima.
A Camargo Corrêa, umas das principais operadoras da refinaria, se prepara para abandonar a obra, já que seu contrato vence este mês e, devido à proibição, não poderá renová-lo.
Guilherme Noleto, que trabalha como assistente técnico da obra, estima que 2 mil funcionários sejam demitidos com o fim do contrato e, segundo ele, todos temem não receber seus direitos trabalhistas.
"Chegamos todos os dias na refinaria com medo. O que temos a ver com a Operação Lava Jato?", diz.
Marcada por uma série de atrasos, Abreu e Lima custou sete vezes mais do que o previsto em seu projeto original.
Os 2,4 bilhões de dólares orçados inicialmente se transformaram em 18,5 bilhões de dólares calculados em 2014, levando-a ao primeiro lugar entre as obras em curso mais caras do país.
O Tribunal de Contas da União estima que a construção da refinaria tenha sido superfaturada em, pelo menos, 360 milhões de reais.
A área da companhia responsável por sua execução era justamente a de Abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa.
Nesta semana, o ex-diretor foi condenado a sete anos de prisão por desvios de dinheiro público na refinaria.
A Petrobras informou, em seu balanço, que os atrasos de cronograma foram os principais fatores de avaliação na depreciação do valor de Abreu e Lima.
Isso porque a refinaria deveria ser entregue em 2011. O novo prazo é agosto deste ano.
Porém, diante do circuito de amadorismo que permeia a obra, há uma grande desconfiança de que o projeto não seja concluído dentro do previsto.
Isso significa que, se a Petrobras mantiver a política de depreciação de ativos em razão de atrasos, acionistas podem esperar que Abreu e Lima perca ainda mais valor -- e custe mais recursos ao combalido caixa da estatal.