Lula e a Dinda do Guarujá 03/10/2015
- Robson Bonin e Kalleo Coura - revista VEJA
Bancar melhorias na Casa da Dinda, a residência de Fernando Collor, no Lago Norte, em Brasília, era uma das muitas maneiras de agradar ao então presidente, deposto do cargo por corrupção em 1992.
A mesma tática foi e está sendo usada por empreiteiras para demonstrar afeição ao ex-presidente Lula.
Em meados de 2014, depois de quase dez anos de espera, a ex-primeira-dama Marisa Letícia viajou à Praia das Astúrias, no Guarujá, para buscar as chaves do apartamento dos sonhos da família.
PUBLICIDADE
O refúgio dos Lula da Silva no litoral é um tríplex de 297 metros quadrados.
São três quartos, suíte, cinco banheiros, dependência de empregada, sala de estar, sala de TV e área de festas com sauna e piscina na cobertura.
Ah, sim, para um eventual panelaço das elites, o tríplex tem varanda gourmet no 1º andar.
O plano de comemorar o réveillon no imóvel foi adiado pela decisão de fazer ali uma reforma.
O porcelanato e os acabamentos de gesso foram refeitos, a planta interna foi modificada para abrigar um escritório e um elevador privativo, interligando os ambientes do 1º andar com a ala dos quartos, no 2º nível, e a área de festas, na cobertura.
Acompanhada de perto por dona Marisa, a obra não custou um centavo à família do ex-presidente.
Do primeiro parafuso ao último azulejo, tudo foi pago pela OAS, uma das empreiteiras envolvidas no escândalo de corrupção da Petrobras.
VEJA teve acesso a documentos e a fotos que detalham a reforma do tríplex presidencial e mostram que os serviços foram contratados pela empreiteira.
O trabalho foi feito pela Tallento Inteligência em Engenharia, uma empresa conhecida no mercado por executar obras de alto padrão em prazos curtos -- duas exigências dos contratantes, mas não as principais.
A exigência maior era a discrição.
As investigações da Lava-Jato revelariam meses depois as razões disso.
Iniciada em 1º de julho de 2014, a reforma transcorreu sob medidas de segurança incomuns.
A fechadura da porta de acesso era trocada toda semana.
A reforma da cobertura tríplex chamou a atenção dos moradores do prédio.
"Nos dias em que eles marcavam para visitar a obra, a gente tinha de parar o trabalho e ir embora. Ninguém era autorizado a permanecer no apartamento. Só ficamos sabendo quem era o dono muito tempo depois, pelos vizinhos e funcionários do prédio, que reconheceram dona Marisa e o Lulinha (Fábio Luís Lula da Silva, o filho mais velho do ex-presidente)", disse a VEJA um dos profissionais que colaboraram na reforma.
O ex-presidente Lula esteve no tríplex algumas vezes.
O segredo durou até dezembro do ano passado, quando o jornal O Globo publicou detalhes de uma investigação sobre a Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo (Bancoop).
Controlada pelo PT, a entidade faliu e deixou 3.000 famílias sem receber seus imóveis.
O tríplex destinado a Lula, com uma das melhores vistas do Guarujá, avaliado em 2,5 milhões de reais, foi um dos poucos a ser entregues.
VEJA revelou em abril passado que, depois de um pedido feito pelo próprio ex-presidente a Léo Pinheiro, executivo da OAS, seu amigo, preso na Operação Lava-Jato, a OAS assumiu a construção do prédio, que estava parada.
Além de Lula, parentes do tesoureiro petista João Vaccari Neto, também preso, sindicalistas e familiares de Rosemary Noronha, a amiga íntima de Lula, foram contemplados com apartamentos em outros prédios da Bancoop assumidos pela OAS.
Revelado o privilégio, e diante da repercussão negativa, desapareceu o entusiasmo da família Lula pelo imóvel.
O ex-presidente passou a negar ser o proprietário do tríplex, embora admita que sua esposa seja dona das cotas de um apartamento no mesmo edifício, o Solaris.
Não é mentira.
É apenas uma meia verdade.
No papel, o tríplex ainda está em nome da OAS.
Funcionários da empreiteira procurados por VEJA confirmaram que o apartamento pertence aos Lula da Silva, está parcialmente mobiliado, permanece fechado e está à venda por 2,3 milhões de reais.
"Para entrar aí, só com autorização da cúpula da construtora. Só eles e o Lula têm a chave", disse a VEJA, na semana passada, um funcionário da própria OAS.