Filho de Lula não consegue explicar como ganhou R$ 2,5 milhões 14/11/2015
- FILIPE COUTINHO COM ANA CLARA COSTA E TALITA FERNANDES - REVISTA ÉPOCA
Luís Cláudio da Silva é o filho caçula do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele tem 30 anos e é formado em educação física.
Depois de trabalhar para times de futebol em São Paulo, Luís Cláudio resolveu se aventurar no mundo do marketing esportivo.
Para isso, abriu uma empresa, a LFT, que não tem nenhum funcionário além dele. Logo, começou a prosperar.
PUBLICIDADE
O primeiro contrato foi com o Corinthians, o time do coração do pai -- que, na época, trabalhou abertamente para que a construtora Odebrecht viabilizasse um estádio para o clube, o Itaquerão.
Luís Cláudio assinou um contrato de R$ 300 mil por ano com o time paulista, que previa a criação de campanhas de marketing para desenvolver o esporte amador e atividades lúdicas para crianças.
Depois de estrear no mundo empresarial no Corinthians, Luís Cláudio ganhou, entre 2014 e 2015, R$ 2.552.400 do escritório de consultoria de Mauro Marcondes, Marcondes & Mautoni, cuja especialidade era representar montadoras de carro.
Luís Cláudio prestaria à consultoria de Marcondes consultoria técnica e assessoramento empresarial de marketing esportivo. E foi aí que começaram os problemas em sua vida.
Luís Cláudio agora é um dos investigados pela Operação Zelotes, da Polícia Federal. Seu nome surgiu após a PF começar a investigar Marcondes.
Em 10 de outubro, ao noticiar a investigação, o jornal O Estado de S. Paulo publicou que Marcondes era suspeito de “comprar” medidas provisórias editadas entre 2009 e 2013 para favorecer montadoras, por meio de incentivos fiscais.
Em 26 de outubro Marcondes foi preso. No dia 4 de novembro, Luís Cláudio foi convocado à superintendência da Polícia Federal, em Brasília.
ÉPOCA obteve o depoimento com exclusividade. Obteve também o depoimento dado por Marcondes quando já estava preso no Complexo da Papuda, em Brasília.
Os dois depoimentos sugerem que ainda há muito a ser esclarecido sobre o contrato de Luís Cláudio com a empresa de consultoria de Mauro Marcondes.
“É como se um não soubesse por que pagou e outro não soubesse por que recebeu”, disse uma pessoa próxima à investigação.
Luís Cláudio disse aos investigadores que a empresa teve somente dois clientes até hoje: justamente o Corinthians e a consultoria de Marcondes, a Marcondes & Mautoni.
No depoimento, ele tem dificuldades para explicar o que é consultoria técnica e assessoramento empresarial de marketing esportivo e para dizer quais suas qualificações para prestar esse serviço -- que, aliás, afirma que realizou sozinho.
Consta na declaração:
“Que os projetos contratados pela Marcondes e Mautoni foram executados diretamente pelo declarante, que a formação do declarante é a graduação em educação física, não possuindo nenhuma especialização acadêmica em marketing esportivo”.
Em outro momento do depoimento, a PF pergunta sobre um dos projetos, calculado em R$ 1 milhão. O filho de Lula admite que nunca tinha feito aquele serviço antes.
“Que nunca tinha realizado estudo ou projeto contendo o mesmo objeto dessa minuta deste contrato”, diz o depoimento.
Para fazer algo que nunca tinha feito antes, Luís Cláudio recebeu R$ 1 milhão.
No total, Luís Cláudio e Marcondes acertaram seis serviços, entre junho e julho do ano passado, embora Luís Cláudio tenha afirmado que não executou todos.
Os contratos, obtidos por ÉPOCA, têm de tudo um pouco: trabalhos relativos à Copa do Mundo, violência nos estádios e até um genérico “elaboração de análise de marketing esportivo como fator de motivação e integração nas empresas com exposição de casos e oportunidades”.
No depoimento, a PF tentava esclarecer uma pergunta simples: como se chegou ao valor milionário da consultoria?
A memória de Luís Cláudio, contudo, falhava.
“Não se recorda, neste momento, o valor desse projeto”, diz o depoimento.
De acordo com Luís Cláudio, o valor milionário foi calculado a partir das horas trabalhadas.
E quanto Luís Cláudio teve de trabalhar nos projetos contratados? Diz o documento:
“Que utiliza como parâmetro a quantidade de horas trabalhadas para a fixação dos valores cobrados aos seus clientes nos projetos que executa, que não sabe mensurar, neste momento, o valor cobrado pela sua hora de trabalhar”.
Mas quantas horas Luís Cláudio teve de trabalhar?
De novo, ele não soube responder.
Luís Cláudio tampouco sabe responder sobre o negócio.
Qual a margem de lucro? E quanto custou para executar o projeto?
“Que, neste momento, não tem noção de quanto foi o custo de execução desse projeto; que também não sabe, neste momento, declinar a margem de lucro obtida nesse contrato”, diz o documento.
A Polícia Federal fez uma mesma pergunta para Luís Cláudio, contratado, e Marcondes, contratante.
Por que o escritório de advocacia escolheu a empresa LFT?
“Que Mauro Marcondes nunca explicou ao declarante por que optou por contratá-lo; que não sabe dizer se o Mauro Marcondes realizou alguma pesquisa de mercado antes de contratar o declarante”, diz o depoimento.
Marcondes, por sua vez, preferiu o silêncio.
No depoimento, a PF pediu que Luís Cláudio apresentasse os documentos que comprovassem os serviços prestados.
Dias antes, a busca e apreensão no escritório da LFT tinha sido infrutífera.
Os vizinhos relataram aos policiais que o escritório parecia que estava de mudança, em razão da intensa retirada de documentos.
Em seu depoimento, Luís Cláudio não apresentou relatórios que comprovassem os serviços prestados.
À Polícia Federal, ele disse que, sim, produziu relatórios e que ficou com cópias, mas que havia entregue a advogados após a reportagem de O Estado de S. Paulo, para uma “confirmação jurídica” -- seja lá o que isso significa.
O escolhido para guardar os documentos foi Roberto Teixeira, advogado do pai, Luiz Inácio Lula da Silva.
Por que Luís Cláudio não levou à PF?
“Além de não conhecer a legislação, não sabia da investigação em curso envolvendo o nome do declarante e também (disse que) é habitual os ataques à sua família por parte da imprensa.”
Os documentos só foram entregues à PF após um mês da reportagem e da análise do escritório de Roberto Teixeira.
De acordo com Marcondes, “a contratação da LFT Marketing Esportivo refere-se à realização de estudo para um projeto de implantação de um centro de exposição numa cidade do interior de São Paulo”.
Nada a ver com marketing esportivo.
Marcondes, contudo, recusou-se a dar detalhes sobre o tal centro de convenções.
O consultor, aliás, sempre optava pelo silêncio quando a PF o questionava sobre os serviços contratados com Luís Cláudio.
Não explica, por exemplo, como escolheu a empresa do filho de Lula.
Marcondes, contudo, admite que sabia que o valor pago era “absurdo”.
De acordo com o depoimento, ele disse que fez uma “pesquisa superficial” para saber dos preços.
Quem fez a pesquisa foi um estagiário da empresa de Mauro.
“Ele constatou que eram absurdos”, disse Marcondes no depoimento.
Isso, contudo, não o impediu de pagar cerca de R$ 2,5 milhões a Luís Cláudio, que trabalhava sozinho e nunca tinha prestado aquele tipo de serviço antes.
Essa equação financeira está sendo investigada pela PF.
Marcondes também falou à PF sobre suas andanças no Palácio do Planalto, onde diz ter estado por “diversas vezes” durante o governo Lula, em razão de ser vice-presidente da Anfavea, a associação das montadoras.
Ele citou nominalmente encontros com Gilberto Carvalho, para entregar estudos de interesse das montadoras.
Gilberto também é alvo da Operação Zelotes. Marcondes afirma que “nas reuniões com Gilberto Carvalho não foram tratados assuntos referentes a edição de medidas provisórias para a prorrogação de benefícios fiscais”.
Ele citou ainda que “a entrega dos documentos (a Gilberto Carvalho) ocorreu antes da edição da Medida Provisória 412/2009” -- que prorroga incentivos fiscais para a compra de máquinas e equipamentos de uso na movimentação de cargas nos portos brasileiros.
Procurado por ÉPOCA, o advogado de Luís Cláudio, Cristiano Zanin Martins, disse:
“Luís Cláudio Lula da Silva, profissional da área privada, já prestou às autoridades todos os esclarecimentos que lhe foram solicitados”.
A assessoria do Corinthians disse que não poderia confirmar hoje qualquer função que Luís Cláudio tenha exercido no clube por meio da LFT, por não dispor dessas informações de bate-pronto.
Contatado por ÉPOCA, o advogado de Mauro Marcondes não respondeu até o fechamento da reportagem.