Órgão responsável por monitorar barragens não tem dinheiro para fiscalização 19/11/2015
- Eduardo Gonçalves - Veja.com
A cidade de Barra Longa está tomada pela lama, neste domingo (8), após o rompimento de duas barragem de rejeito da mineradora Samarco, entre os municípios de Mariana e Ouro Preto.
As barragens ficam a cerca 60 km de Barra Longa
Homem que trabalha no resgate de vítimas é fotografado no distrito de Bento Rodrigues, coberto de lama devido ao rompimento da barragem de rejeito da mineradora Samarco, em Mariana, Minas Gerais.
Num roteiro comum a tragédias, o rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Samarco na cidade mineira de Mariana despertou a atenção do Brasil para a questão da segurança dessas instalações.
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O desastre imediatamente levantou dúvidas acerca da qualidade da fiscalização desses empreendimentos.
E não sem razão: em um país com mais de 600 barragens cadastradas pelo governo federal, a situação do órgão responsável por monitorá-las preocupa.
No Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), autarquia vinculada ao Ministério de Minas e Energia, falta até gasolina para que os fiscais cheguem às barragens.
Sem funcionários suficientes para dar conta do volume de trabalho, o órgão chega a abrir mão da fiscalização in loco.
"Como não temos recursos nem gente, nós aceitamos e acreditamos nos relatórios enviados pelas empresas. Tome-se a Samarco como exemplo. É uma empresa grande e seus acionistas são bastante conhecidos. Logo, pressupomos que esteja fazendo um bom trabalho", afirma ao site de VEJA um funcionário de carreira do órgão.
As barragens da Samarco em Mariana foram classificadas pelo DNPM como "de baixo risco" justamente com base em auditorias realizadas pela própria mineradora.
Dias depois da tragédia, o diretor de fiscalização da atividade minerária do DNPM, Walter Lins Arcoverde, chegou a dizer que a autarquia "não dá atestado de estabilidade", mas apenas verifica se os empreendimentos estão dentro das normas de segurança.
Ele assumiu, no entanto, que o sistema precisa ser revisto.
"Você tem todo controle da estrutura, classifica como de baixo risco, e aí vem o tsunami. E aí?".
Para o especialista em barragens de rejeitos e engenheiro geotécnico Pimenta de Ávila, seria preciso "multiplicar por dez" o efetivo do DNMP "para se fazer uma fiscalização bem feita, bem documentada e transparente para a sociedade".
Segundo dados do Ministério de Minas e Energia, o DNPM tem hoje 990 funcionários, sendo 220 técnicos.
São eles os responsáveis por verificar a situação das 662 barragens cadastradas no órgão, quase metade delas (317) em Minas Gerais.
De acordo com o Sindicato Nacional dos Servidores das Agências Nacionais de Regulação (Sinagências), apenas 151 vistorias foram feitas em 2014.
E o trabalho dos servidores da autarquia não se resume a monitorar os diques.
Da análise de concessões e licenças a relatórios anuais das mineradoras, as tarefas desses funcionários englobam 27.293 empreendimentos de lavra mineral.
Além disso, eles são os responsáveis por fiscalizar o pagamento da Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais (Cfem), o royalty da mineração, pelas empresas.
Ainda segundo o Sinagências, a taxa de evasão de servidores do DPNM é de 21% e 40% do contingente estão aposentados.
A situação ficou ainda mais complicada este ano, quando os cortes do governo federal atingiram em cheio o órgão.
Segundo levantamento da Ong Contas Abertas, até outubro deste ano, a autarquia recebeu do Planalto 1,3 milhão de reais, o que corresponde a apenas 13,2% do previsto na Lei Orçamentária de 2015.
Para efeito de comparação, no mesmo período de 2014, os repasses foram mais do que o dobro: 3,6 milhões de reais.
Após o incidente de Mariana, o governo se apressou a liberar 9 milhões de reais ao DNPM para a "adoção de medidas emergenciais".
Entre elas, a contratação de geólogos e de uma auditoria independente com expertise para avaliar as barragens em operação.
Uma das cláusulas do novo Código de Mineração prevê transformar o departamento em agência reguladora para ampliar a verba destinada ao órgão.
O relator do texto, deputado Leonardo Quintão (PMDB-MG), é um maiores apoiadores da ideia.
"Hoje o DNPM está em calamidade pública. Eles não têm dinheiro nem para pagar a gasolina para ir até as minas", disse.
Segundo o parlamentar, a autarquia ainda utiliza métodos ultrapassados.
"Lá tudo é feito em papel. Imagina, se pegar fogo, queima todo o controle sobre a mineração do Brasil", afirma.
O cenário de sucateamento do órgão não para por aí. Além da falta de verba para encher o tanque dos carros, funcionários relatam acidentes de trânsito por falta de motoristas, e reclamam das instalações precárias de seus locais de trabalho.
"Na unidade do Rio Grande do Sul, parte do teto do prédio caiu. Se fosse durante o dia, podia ter matado muita gente", diz um servidor.
Na terça-feira o diretor-geral do departamento, Celso Luiz Garcia, pediu demissão do cargo.
Conforme antecipou o site de VEJA, em e-mail a funcionário, ele disse estar "com problemas de saúde".
Foi nomeado para seu lugar interinamente o geólogo Telton Elber Correa, que já foi assessor da presidente Dilma Rousseff, quando ela trabalhava na secretaria de Minas e Energia do Rio Grande do Sul.
Como também é comum no roteiro das grandes tragédias, as autoridades só começam a se mexer sobre a questão depois da catástrofe de Mariana.
A tramitação do novo Código de Mineração, parado na Câmara dos Deputados desde 2013, voltou a ganhar força nesta semana -- o presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ, já indicou que pretende colocá-lo em votação com urgência.
Se aprovado, o texto substituirá o regulamento vigente, de 1967, e incluirá, além do ponto que garante mais verba ao DNPM, uma cláusula que obriga as mineradoras a tratar dos rejeitos e a contratação de seguro ambiental.