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Curto&Grosso O que ainda será manchete

DE ÚLTIMA!

O aviso foi dado: pedalar faz mal
11/12/2015 - LEANDRA PERES - VALOR ECONÔMICO

Dois anos e meio antes de as “pedaladas fiscais†justificarem a abertura do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff e pelo menos um ano antes do início da campanha pela reeleição, técnicos do Tesouro Nacional elaboraram, em julho de 2013, um diagnóstico de 97 páginas sobre a situação fiscal e econômica do país.

Mantido sob sigilo até agora, o relatório, ao qual o Valor teve acesso, continha um claro alerta à cúpula do governo:

“O prazo para um possível ‘downgrade’ é de até 2 anosâ€; “Ao final de 2015 o TN [Tesouro Nacional] estaria com um passivo de R$ 41 bilhões†na conta dos subsídios em atraso; “Contabilidade ‘criativa’ afeta a credibilidade da política fiscalâ€.


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Novos avisos foram incluídos em uma versão revisada, de setembro de 2013.

O caixa do Tesouro estava muito baixo e foi citado no documento como “risco para 2014â€.

Os técnicos do Tesouro projetavam um “déficit sem perspectiva de reduçãoâ€, falavam em “esqueletos†que teriam que ser explicitados e recomendavam “interromper imediatamente quaisquer operações que produzam resultado primário sem a contrapartida de contração da demanda agregada ou que gere efeitos negativos sobre o resultado nominal e/ou taxa implícita da dívida líquidaâ€.

O trabalho foi concluído em novembro de 2013 e apresentado ao então secretário do Tesouro, Arno Augustin.

As 97 páginas do documento original foram resumidas em 16 slides.

Em uma linguagem mais suave, as preocupações continuavam lá.

Mas o documento foi tratado pela cúpula do Ministério da Fazenda apenas como um ato de rebelião dos escalões inferiores.

Pouco mais de dois anos depois, em setembro de 2015, o rebaixamento da nota do Brasil ao grau especulativo foi anunciado pela Standard&Poor’s, principal agência de avaliação de risco soberano.

O descrédito da política fiscal passou a ser considerado um dos principais fatores responsáveis pela recessão de mais de 3% projetada para este ano.

As pedaladas fiscais foram reprovadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e alimentam a crise política enfrentada pela presidente da República.

Nos últimos três meses o Valor conversou com mais de 20 autoridades que ocuparam ou ainda ocupam cargos no governo e teve acesso exclusivo a documentos inéditos que permitem recontar a história fiscal do primeiro mandato da presidente Dilma.

O que é possível mostrar agora é que em momentos-chave, como o da adoção da contabilidade criativa de 2012, o esforço da área técnica do Tesouro para barrar novas operações em 2013 e a construção da fábrica de pedaladas de 2014, não faltaram avisos sobre os riscos que o país corria.
Momentos de tensão

O encontro de Arno com os 19 coordenadores-gerais do Tesouro, os seis subsecretários e seus assessores mais próximos para discutir o documento elaborado pelos técnicos com os avisos ao governo é um dos momentos mais tensos dessa história.

A reunião foi marcada para a tarde de 22 de novembro de 2013, na sala do Conselho Monetário Nacional (CMN), que fica no sexto andar do prédio do Ministério da Fazenda.

O clima era pesado e ninguém se lembra de haver cafezinho ou de ter bebido água durante a reunião, dois ingredientes que raramente faltam nas reuniões da burocracia em Brasília.

A pauta do encontro tinha cinco itens.

O primeiro “ponto de preocupação†era “o risco de ‘downgrade’ e seus impactosâ€.

Os seguintes, a política fiscal e suas consequências; a imagem do Tesouro; e o aperfeiçoamento de processos internos.

Por último, o “relacionamento interpessoalâ€, uma forma educada de se referir às explosões pelas quais o secretário Arno Augustin era evitado por sua equipe.

Naquele momento, quando a burocracia do Tesouro Nacional alertava para uma trajetória fiscal arriscada, a economia brasileira ainda era comandada pela “nova matriz macroeconômicaâ€, definida por um câmbio artificialmente desvalorizado, juros reduzidos na marra e políticas anticíclicas de subsídios e desonerações setoriais.

Os sinais de que a estratégia não estava dando certo já eram visíveis.

O Banco Central (BC) fora forçado a retomar os aumentos da Selic em abril para combater uma inflação que caminhava para o teto da meta, apesar do represamento das tarifas públicas.

A receita do Tesouro ainda crescia 13,3% entre janeiro e novembro de 2013, mas as despesas voavam ainda mais altas, com crescimento de 14,1%, e o quadro fiscal já se anunciava mais sombrio porque o governo havia desonerado R$ 70,4 bilhões em impostos a preços da época.

No front externo, o banco central dos EUA começara a retirar os estímulos monetários que vinha injetando na economia americana, o que prometia reduzir a abundância de capitais para países emergentes como o Brasil.

Escolhido por ser uma voz moderada dentro do corpo técnico do Tesouro, o então coordenador-geral de Planejamento Estratégico da Dívida Pública, Otávio Ladeira, abriu a reunião com Arno.

Coube a ele o alerta de que a política fiscal já entrava numa trajetória insustentável.

Quando foi apresentado o sexto slide com um gráfico que mostrava como o mercado vinha perdendo a referência de qual era a meta fiscal perseguida pelo governo, Arno deixou claro que havia convocado a reunião para pôr fim ao que considerava uma rebelião contra a política econômica e não para tratar de cenários fiscais.

Enquanto Ladeira expunha a dificuldade de o governo atingir a meta de superávit primário de 2,3% do PIB em 2013, o secretário interrompeu:

“Quem disse que não vamos cumprir a meta? O mercado pode projetar qualquer coisa. Eles fazem isso o tempo todo para ganhar dinheiroâ€, disse.

Hailton Madureira de Almeida, um dos assessores mais próximos a Arno, falou sobre um tema sensível: o desconforto que havia no Tesouro em assinar pareceres que contrariavam a opinião da área técnica, que receava os riscos jurídicos de subscreverem documentos que davam guarida a mágicas contábeis.

Arno matou no peito: cada um deveria escrever exatamente o que considerava correto e necessário.

Se ele discordasse, faria um despacho contrário, decidindo como achasse adequado.

Mesmo os mais críticos reconheceram naquela atitude a coragem do ex-secretário em assumir pessoalmente as decisões polêmicas.

A coordenadora-geral de Gerenciamento de Fundos e Operações Fiscais, Maria Carmozita Bessa Maia, foi escalada para falar das relações interpessoais.

O temperamento do secretário pautava de tal forma a relação com os subordinados que funcionários cogitaram uma ação coletiva por danos morais, que nunca foi adiante.

Para espanto de muitos, essa foi a parte mais leve de toda a reunião.

“É a única coisa que eu concordo com vocêsâ€, disse um Arno entre contrito e engraçado.

Reconheceu que às vezes passava do limite e prometeu tentar domar o gênio.

Depois dos funcionários, foi a vez de Arno fazer uma apresentação.

Sua tese era que a política fiscal era fundamental para garantir o crescimento econômico e não levaria o governo à bancarrota, como queriam fazer crer os técnicos do Tesouro.

Os subsídios, por exemplo, traziam retornos ao país.

Exibindo um gráfico em que a taxa de investimento foi combinada à liberação de dinheiro subsidiado para o BNDES, Arno argumentou que sem o Programa de Sustentação do Investimento (PSI) a formação bruta de capital fixo do Brasil poderia ter caído para 13% do PIB.

Em 2013, a taxa foi 20,9% do PIB.

Também gastou tempo mostrando como o desemprego continuava baixo e provava a eficiência da política econômica.

Como das outras vezes em que fora alertado sobre riscos fiscais, o secretário lembrou que a política econômica é definida por quem tem votos e, ali, naquela sala, nenhum dos técnicos havia sido eleito.

Quando a reunião vazou para a imprensa, Arno chamou os subsecretários a seu gabinete e, ignorando a promessa de domar o gênio, quis saber quem era o autor do vazamento.

Ameaçou abrir processos disciplinares contra todos que “ficaram aí circulando essa apresentaçãoâ€.

O ex-secretário desistiu da retaliação por concluir que daria mais combustível ao “motimâ€.

Mas preparou o Tesouro para enfrentar as eleições de 2014 sob o mais estrito sigilo e com a política fiscal sob seu absoluto controle.

Acabou ali a tentativa da burocracia do Tesouro de conter o processo de desajuste fiscal que deságua neste ano num déficit primário de R$ 119 bilhões, dívida bruta chegando a 70% do PIB e uma trajetória vista pelo mercado como insustentável.

Procurados, nenhum dos servidores do Tesouro quis falar ao Valor.

Proximidade ideológica

O processo decisório do governo Dilma, e aí não apenas da política fiscal, foi marcado pela aversão ao dissenso.

Ministros e servidores que participaram de decisões importantes descrevem reuniões longas, como 30 ou 40 participantes, em que questionamentos técnicos eram considerados afrontas ao projeto do governo e davam margem a broncas, em vez de discussões.

“Na primeira reunião para discutir qualquer assunto importante, várias pessoas falavam. Na segunda, menos gente. Da terceira em diante, a impressão era que não adiantava nada fazer ponderações. E aí quem discordava preferia ficar calado e deixar a presidente decidirâ€, conta um ex-ministro.

“É um governo de muitas certezas e quase nenhuma dúvidaâ€, complementa outra autoridade do alto escalão.

No primeiro ano do mandato da presidente, durante as discussões para a privatização dos aeroportos de Guarulhos, Viracopos (Campinas) e Natal, essa dinâmica ficou clara.

A definição da taxa de crescimento do PIB que embasaria os cenários econômicos da concessão se transformou em um embate ideológico entre a ala desenvolvimentista radical — representada pelo secretário do Tesouro e a então ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann — e o resto do governo. Procurada pelo Valor, a ex-ministra não retornou às ligações.
Arno não aceitava usar um percentual para o crescimento do PIB durante os 20 ou 30 anos do período de concessão que fosse diferente da projeção oficial de crescimento de 4,5% ao ano em 2011.

Não foi convencido nem mesmo pela evidência de que em dez anos essa projeção transformaria o aeroporto de Brasília, que no ano passado transportou 18,1 milhões de passageiros por ano, em um dos maiores do mundo.

“Vocês são uns pessimistas. Não acreditam no futuro do paísâ€, disse.

A presidente Dilma arbitrou pessoalmente a disputa e a média do PIB usada nesses primeiros projetos é de 3,7% ao ano, com picos de crescimento de 5,5% em 2014 e de 4,41% em 2015.

O preço do pão de queijo nos aeroportos também foi intensamente discutido.

O problema, conforme descrição da ministra Gleisi, era que a alimentação, muito cara, não podia ser um empecilho às viagens dos eleitores da classe C que haviam passado a frequentar os aeroportos.

A solução foi uma licitação em que as lanchonetes pagam aluguel abaixo do preço de mercado e oferecem um cardápio com 15 itens a preços mais baixos.

Em Congonhas, o pão de queijo custava R$ 2,50 na tabela subsidiada de fins de outubro e R$ 5,00 nos demais estabelecimentos.

Arno passou, então, a ser visto pelos colegas de governo como a voz da chefe nas discussões internas.

Ele sempre tratou a presidente Dilma como ela gosta de ser chamada, por “presidentaâ€.

Integrantes do governo, no entanto, descrevem cenas pitorescas que mostram a proximidade dos dois.

Em uma delas, o ex-secretário do Tesouro teve que se ausentar da sala de reunião para cumprir uma ordem de Dilma:

“Arno, seu cabelo está desarrumado, vá lá arrumarâ€.

No Tesouro, Arno funcionava a Coca-Cola, café e cigarros.

Quando deixou o governo em 2015, havia parado de fumar e passara a correr.

Suas pistas favoritas eram as matas ao redor da cidade, aonde ia sem levar nem o celular.

Um dia, quando ainda estava no governo, contou aos colegas da Fazenda que, ao voltar de uma corrida, o aparelho registrava 17 ligações de Dilma.

“Tchê, acabou com meu relaxâ€, disse, arrancando risadas.

A característica mais marcante do ex-secretário é seu senso de missão.

Nas entrevistas feitas pelo Valor para esta reportagem, Arno foi comumente descrito como “um homem de partidoâ€, “um soldadoâ€, “um cumpridor de tarefasâ€.

“A presidente decidia e ele entregavaâ€, descreve uma autoridade que trabalhou com os dois.

Essa determinação ficava ainda mais visível nas ocasiões em que, derrotado, não hesitou em implementar o que foi deliberado.

No primeiro semestre de 2013, por exemplo, quando o governo discutia o lançamento do Minha Casa Melhor, criado para subsidiar a compra de móveis e eletrodomésticos por beneficiários do Minha Casa, Minha Vida, Arno dizia, entre jocoso e crítico, que a mesa listada entre os bens que podiam ser adquiridos no programa era mais cara do que a que ele tinha em seu apartamento.

Ao corpo técnico do Tesouro repetia que “o cara não consegue pagar nem a casa, como vai pagar os móveis?â€

Mas depois que a presidente bateu o martelo, Arno encontrou forma de financiar os eletrodomésticos sem tirar dinheiro à vista do caixa do Tesouro e sem impacto nas estatísticas de resultado primário: o Tesouro fez um empréstimo de R$ 8 bilhões à Caixa, responsável pelo programa, dos quais R$ 3 bilhões foram separados para cobrir a inadimplência do Minha Casa Melhor.

Não era apenas a fidelidade à presidente e o respeito à hierarquia que definiam as ações do ex-secretário.

Colegas de Arno no governo dizem que havia uma proximidade ideológica entre os dois.

Economista formado pela Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o ex-secretário é um desenvolvimentista que acredita na interferência direta do Estado na atividade econômica e tem grande desconfiança do mercado financeiro.

Segundo depoimento ao Valor, o ex-secretário tratava as agências de rating como um instrumento “usado pelos países ricos para impedir políticas de desenvolvimento†de países pobres.

A participação de 49% da estatal Infraero nos aeroportos privatizados foi definida pela necessidade de “o governo participar do dia a dia da empresa†porque o governo considerava as agências reguladoras instrumentos ineficazes de supervisão.

Como define um ex-ministro:

“A presidente achou no Arno alguém que pensa como elaâ€.

Com o ministro Guido Mantega, Arno formou uma dupla curiosa: ele nunca desautorizou o chefe, apesar de ambos saberem que o secretário do Tesouro tinha voo próprio e respondia diretamente à presidente.

Quando a economia começou a dar sinais de desaquecimento em 2012, a resposta do governo veio na forma de mais e maiores estímulos anticíclicos.

E no governo a personificação das políticas de desonerações fiscais e empréstimos subsidiados não foi Arno, mas Mantega.


  

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