Em carta para justificar estouro da meta, presidente do BC, critica o governo 09/01/2016
- Gabriela Valente e Eliane Oliveira - O Globo
O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, divulgou na noite de ontem a carta que enviou ao ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, para justificar o descumprimento da meta de inflação. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficou em 10,67% em 2015 e o objetivo do BC era de 4,5%.
Em 13 páginas, Tombini fala abertamente, pela primeira vez, como decisões da equipe econômica provocaram alta de preços. Ele ataca, principalmente, o fato de o governo enviar para o Congresso Nacional um orçamento deficitário para este ano e admite que isso fez o dólar (um dos principais vilões da inflação do ano passado) subir rapidamente.
"Em julho, o anúncio de alterações nas trajetórias para as variáveis fiscais afetou as expectativas de inflação e os preços de ativos e contribuiu para criar uma percepção menos positiva sobre o ambiente macroeconômico no médio e no longo prazo. No final de agosto, a perspectiva de nova mudança de trajetória para as variáveis fiscais, implícita na proposta orçamentária para 2016, novamente afetou as expectativas e, de forma significativa, os preços de ativos", frisou Tombini, que disse que o processo foi agravado pelo rebaixamento da nota de crédito soberano por duas das mais importantes agências de classificação de riscos.
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Alexandre Tombini disse que isso interrompeu um processo de ancoragem das expectativas que estava em curso desde o fim de 2014. Para piorar o quadro, mudanças no gerenciamento da política cambial na China contribuíram para mais alta do dólar e um repasse maior para a inflação brasileira. O Banco Central também culpa o aumento de tarifas públicas (como a alta da conta de luz) feito no ano passado pelo descumprimento da meta. E ainda indicou que deve haver mais altas de juros:
“Não obstante o esforço de política monetária já realizado, vale reiterar que, nas atuais circunstâncias, a política monetária deve manter-se vigilante para conter eventuais efeitos adicionais resultantes dos dois importantes processos de ajustes de preços relativos que dominaram a economia em 2015. Só assim será possível ancorar as expectativas, um dos pilares do regime de metas para a inflação, e assegurar a convergência da inflação para a meta”.
ELEVAÇÕES DA SELIC
O presidente do BC argumentou que, para controlar a inflação, nos sete primeiros meses do ano passado aumentou os juros cinco vezes em 0,5 ponto percentual. Com isso, a taxa básica (Selic) atingir 14,25% ao ano. Isso seria, na visão do BC, suficiente para a convergência da inflação para a meta. Esse plano foi frustrado pelo impacto das incertezas fiscais e uma alta ainda maior das tarifas.
Tombini disse que, em outubro, quando viu que a alta do dólar e das tarifas públicas seria mais intenso e mais prolongado que o antecipado, decidiu alongar o prazo de convergência da inflação, que estava previsto para este ano para 2017. O argumento é que seria um “custo adicional para a economia, em termos de sacrifício do produto, na busca por maior desinflação em curto espaço de tempo”.
Na reunião seguinte do Copom, em novembro, novamente as incertezas fiscais voltam a preocupar e dois diretores já votam por uma alta dos juros. Tombini explica para Nelson Barbosa que a dúvida em questão é quando o governo voltaria a poupar dinheiro para pagar juros da dívida. E ainda ressaltou que há incertezas em relação à composição do chamado superávit primário.
JUROS PARA COMBATER INFLAÇÃO
Tombini promete que as ações de política monetária restringirão a propagação dessa alta de preços para períodos mais distantes, contendo os chamados efeitos de segunda ordem sobre os demais preços da economia. E a recessão, intensificada por eventos não econômicos, contribuirá para queda da inflação e auxiliará na quebra da resiliência de preços. No entanto, o presidente do BC, colocou uma condicionante nesse processo:
“O Banco Central ressalta que a política monetária deve também buscar o período adequado para que a inflação volte à trajetória das metas previamente definidas, o que depende, sobretudo, da magnitude e do grau de persistência dos ajustes de preços relativos”, disse, antes de prometer cumprir a meta no ano que vem:
“Nesse contexto, é importante ressaltar que, independentemente do contorno das demais políticas, o Banco Central adotará as medidas necessárias de forma a assegurar o cumprimento dos objetivos do regime de metas, ou seja, circunscrever a inflação aos limites estabelecidos pelo CMN, em 2016, e fazer convergir a inflação para a meta de 4,5%, em 2017”.
Em entrevista ao Jornal Nacional, Tombini deixou claro que a autoridade monetária usará a taxa básica de juros para conter a inflação.
— O Banco Central tem a taxa de juros básica da economia e este é um instrumento que vem utilizando e utilizará, quando necessário, para trazer a inflação para meta em 2017 e para fazê-la passar por debaixo de 6,5% neste ano — disse Tombini ao noticiário da TV Globo.
Em nota, o ministro da Fazenda informou que o controle da inflação é prioridade do governo.
Essa foi a quarta vez que um presidente do BC teve de enviar uma carta ao ministro da Fazenda por descumprir a meta de inflação. Desde 2004, o IPCA ficava dentro dos limites estabelecidos pela equipe econômica e não havia necessidade de uma correspondência formal.