Novo eleitor, velhos políticos 10/01/2016
- Carolina Farina e Eduardo Gonçalves - VEJA
As eleições municipais deste ano serão as primeiras sob vigência das regras que proíbem doações empresariais e encurtam o tempo de campanha.
Mas as mudanças em 2016 devem ir além: o país estará diante de um novo eleitor.
Sua primeira característica é o profundo ceticismo em relação à classe política. A desconfiança se traduz em números: 54% dos brasileiros estão dispostos a votar em um candidato sem experiência política, segundo dados de pesquisa Ibope obtidos com exclusividade pelo site de VEJA.
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Além disso, pela primeira vez o resultado da votação deve refletir um novo ponto de vista do eleitor sobre o Estado.
"As pessoas já não esperam que o governo resolva tudo. Ao contrário, querem políticos que lhes garantam oportunidades para exercer seu potencial de crescimento", diz o cientista político Rubens Figueiredo, que conduziu estudo sobre o tema.
Mais bem-informado e crítico, o novo eleitor brasileiro é resultado das mudanças socioeconômicas dos últimos vinte anos, iniciadas com a estabilização da moeda pelo Plano Real - e que ganharam força com a explosão do consumo e a ascensão da chamada "nova classe média" ao longo dos últimos doze anos.
O acesso a itens como smartphones representa não apenas um avanço nos padrões de consumo, mas também nos de comunicação.
Também a popularização do ensino superior contribuiu para a elevação da autoestima dos brasileiros. Pais pobres conseguiram formar seus filhos, quebrando padrões de gerações anteriores.
O eleitor brasileiro sente-se, portanto, senhor daquilo que realiza - e menos dependente das benesses do Estado.
Este é um processo que se dá em todo o país, avalia Figueiredo, mas com mais força nos grandes centros.
Somem-se a esse quadro a crise política e os esquemas de corrupção desvendados pela Lava Jato e o Brasil tem hoje um eleitor menos disposto a comprar promessas eleitorais.
"O eleitor hoje decide com mais reflexão, justamente porque enxerga sua vida descolada da presença do Estado. E quer candidatos que entendam seus problemas e apresentem soluções que possam ser construídas - sem discursos milagrosos", explica Figueiredo.
O ceticismo do eleitorado ante a classe política é reforçado pela sucessão de esquemas de corrupção a que o país assiste.
Com Executivo e Legislativo imersos em escândalos, o brasileiro não se vê hoje representado por aqueles que elegeu.
A crise de confiança poupa apenas instituições como Judiciário, Ministério Público e Polícia Federal, responsáveis por fazer avançar as investigações e punições contra políticos pilhados em esquemas corruptos.
Parte significativa dessa visão se deve à atuação da força-tarefa da Operação Lava Jato.
Fica para os brasileiros a sensação de que as instituições funcionam a despeito dos políticos.
Como resultado, os eleitores tendem a levar mais tempo para escolher um candidato - e ficam menos propensos a reeleger os atuais prefeitos.
Resume Figueiredo: "A informação empodera".
Novamente, os números corroboram o quadro: 40% dos brasileiros pretendem votar em um candidato de oposição em outubro, segundo pesquisa Ibope, enquanto 16% dos entrevistados avaliam votar em branco ou nulo e outros 15% estão indecisos. Apenas 22% dos eleitores pretendem votar no atual mandatário.
A pesquisa foi feita com 2002 pessoas em 143 municípios das cinco regiões do país.
"Esta é uma clara indicação de que a agenda nacional está impactando as eleições municipais. Existe uma repulsa, uma desilusão em relação à política", avalia Carlos Pereira, pós-doutor em ciência política pela Universidade de Oxford e professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas.
Dada a quantidade de informações à mão, o brasileiro passou a se preocupar mais com temas que, no passado, eram distantes da sua realidade, como as pedaladas fiscais.
"Desde as manifestações de junho de 2013, o eleitor tem uma postura diferente, uma cobrança maior. Quer mais transparência, mais responsabilidade com o gasto do dinheiro público. Nós temos um cenário totalmente diverso da eleição passada", avalia a CEO do Ibope Inteligência, Márcia Cavallari Nunes.
Em 2014, o temor de colocar em risco as conquistas sociais e econômicas da última década acabou por favorecer a reeleição da presidente Dilma Rousseff.
Mas o desmoronamento do discurso de campanha da petista nos meses seguintes ao pleito hoje forçam a ruptura do "acordo" entre o PT e o eleitorado.
A avaliação é reforçada pelo cientista político Rui Tavares Maluf.
"O governo federal vai estar em pauta. A polarização anti e pró Dilma se reproduzirá nas eleições das grandes e médias cidades", afirma.
Como resultado, até mesmo uma característica comum às eleições municipais - o foco em questões próximas ao dia a dia dos cidadãos, como coleta de lixo, vagas em creche e trânsito - será afetada pelo noticiário de Brasília.
E fará deste pleito um tubo de ensaio para 2018.
O sentimento de decepção em relação à classe política, contudo, não poupa partidos.
De acordo com o Ibope, 33% dos eleitores de cidades administradas pelo PT pretendem votar em um candidato de oposição. Os números sobem para 49% e 45% em municípios sob comando do PMDB e do PSDB, respectivamente.
Mas um dado em especial revela o descontentamento da população com o partido que comanda o país: 29% dos eleitores de cidades com prefeituras petistas não pretendem votar em ninguém em outubro, ante 13% dos municípios sob comando do PMDB e 10% em cidades de administração tucana.
Os números reforçam a avaliação consensual entre os especialistas ouvidos pelo site de VEJA: nenhum partido ou político conseguiu captar essa massa insatisfeita.
Isso se dá porque o país tem hoje um novo eleitor, mas os políticos de sempre.
"As mudanças na política não se dão de maneira tão rápida, justamente porque renovação não é palavra de ordem nesse setor. Caberá aos eleitores optar por aquilo que representa uma mudança significativa na vida da cidade em que vivem", diz Figueiredo.