Lula fez tráfico de influência em favor da Odebrecht, diz MPF 20/02/2016
- THIAGO BRONZATTO - REVISTA ÉPOCA
Nos últimos meses, os procuradores do Núcleo de Combate à Corrupção em BrasÃlia dedicaram-se intensa e discretamente à investigação criminal sobre as suspeitas de tráfico de influência internacional do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em favor da Odebrecht.
Com a ajuda de peritos e de outros procuradores, como aqueles que integram a Força-Tarefa da Lava Jato, recolheram centenas de páginas de documentos das empresas de Lula, da Odebrecht e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES, que liberava o dinheiro indiretamente à empreiteira.
Analisaram telegramas diplomáticos sobre a atuação de Lula e dos executivos da Odebrecht no exterior, descobriram notas fiscais e mapearam as viagens e os encontros dos investigados.
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Ouviram as versões de Lula e receberam as defesas da Odebrecht e do BNDES.
- Havia um “modus operandi criminoso†na atuação de Lula, dos executivos da Odebrecht e dos diretores do BNDES para liberar dinheiro do banco à empreiteira;
- Lula praticou o crime de tráfico de influência em favor da Odebrecht;
- Lula vendeu sua “influência polÃtica†à Odebrecht por R$ 7 milhões;
- O contrato de palestras entre uma empresa de Lula e a Odebrecht serviu para “dar aparência de legalidade†ao tráfico de influência;
Embora fundamentadas em meses de trabalhos, as constatações dos procuradores ainda não são definitivas. Eles ainda estão produzindo outros tipos de provas, de modo a embasar firmemente uma denúncia contra Lula, diretores da Odebrecht e executivos do BNDES.
Não há prazo para que isso aconteça, nem certeza sobre o que de fato acontecerá, mas a investigação corre velozmente. Ela começou em abril do ano passado, e foi revelada por ÉPOCA.
Lula, segundo os primeiros indÃcios que levaram à abertura do caso, agia nas duas pontas.
Ele usava sua influência polÃtica para assegurar a liberação de financiamentos no BNDES em condições camaradas e, ao mesmo tempo, convencer ditadores e presidentes amigos a repassar o dinheiro à empreiteira sem dificuldades.
No decorrer da investigação, surgiram evidências que corroboravam a suspeita inicial.
Descobriu-se que Lula viajava em jatinhos da Odebrecht para se encontrar com os presidentes amigos e que era bancado pela empreiteira para “dar palestras†nessas ocasiões.
Em outro despacho, explica-se que os procuradores “estão a investigar delitos conexos, praticados (…) pelo ex-presidente da República, diretores da Odebrecht e agentes do BNDESâ€.
As palavras são fortes porque, diante das provas, os procuradores estão convencidos de que têm um caso sólido.
No perÃodo em que a Odebrecht contratou Lula, ela recebeu US$ 7,4 bilhões do BNDES, divididos em 52 contratos fora do Brasil.
A construtora investigada na Lava Jato pagou R$ 4 milhões para a L.I.L.S., empresa de palestras de Lula, e ainda arcou com despesas no valor de US$ 1,2 milhão e e 40.331 com fretamentos de aeronaves, carros e hospedagens.
Na superfÃcie, o ex-presidente era patrocinado pela empreiteira para dar palestras em paÃses onde a empresa possui obras de infraestrutura.
Uma perÃcia do MPF demonstra que, no perÃodo em que Lula foi contratado pela Odebrecht, a empreiteira passou a conseguir dinheiro do BNDES com incomum rapidez.
Essa operação foi fruto de um encontro realizado seis meses antes, em maio de 2009, entre Lula e o então presidente venezuelano, Hugo Chávez.
Os dois governantes se encontraram em Salvador, na Bahia, onde acertaram que o banco estatal teria maior participação nos investimentos em infraestrutura no paÃs vizinho.
Tão logo as obras começaram, a Odebrecht recebeu pagamentos antecipados, que não correspondiam ao avanço fÃsico do projeto, um fator atÃpico em relação aos procedimentos internos do BNDES.
O caso passou a ser investigado pelo Tribunal de Contas da União, conforme revelou ÉPOCA em abril do ano passado.
Em meados de 2011, o governo venezuelano atrasava os pagamentos para a Odebrecht – e acumulava dÃvidas de cerca de US$ 1 bilhão.
Em junho daquele ano, a construtora bancou uma viagem e contratou Lula para dar uma palestra no paÃs.
“Obtive confirmação hoje sobre o equacionamento da dÃvida do governo venezuelano com a construtora brasileira Odebrechtâ€.
Em 14 de junho daquele ano, Lula emitiu uma nota no valor de R$ 359.281,44, declarando que prestou serviços como palestrante para a Odebrecht na Venezuela.
Em julho, Luciano Coutinho, presidente do BNDES nomeado para o cargo pelo petista, se reuniu com o ex-presidente no Instituto Lula.
Para os procuradores, não se trata de uma mera coincidência.
“A construtora valeu-se da influência e do trânsito do ex-presidente Lula para poder obter o pagamento de quantia recebida pelo paÃs do BNDESâ€, diz um dos despachos do MPF.
Segundo o MPF, o contrato de Lula para dar palestras não convence.
Alexandrino era o companheiro de viagens de Lula. Ele esteve, por exemplo, ao lado do ex-presidente em reuniões com autoridades no Peru em junho de 2013.
Os dois companheiros caÃram num grampo da Lava Jato em que demonstravam, numa conversa telefônica, certa preocupação com as notÃcias envolvendo o BNDES.
O lobista foi preso em junho de 2015, com Marcelo Odebrecht, e foi liberado quatro meses depois em decisão do Supremo Tribunal Federal.
E assim, pela primeira vez, produziu-se um documento oficial que qualifica como “criminosa†a relação de Lula com a principal empreiteira do petrolão.
Segundo o despacho, a empresa de palestras de Lula “emitiu nota fiscal contendo recolhimento dos tributos devidos sob a operação a fim de dar aparência de legalidade à remuneração paga pelo tráfico de influência exercido por Lula em favor da Odebrecht na Venezuelaâ€.
Um laudo produzido por peritos do MPF cotejou as agendas oficiais de Coutinho com as datas das viagens do ex-presidente para paÃses onde há obras da Odebrecht financiadas pelo BNDES.
“Ao relacionar as datas das etapas do processamento das operações de financiamento com as visitas do ex-presidente Lula a paÃses com projetos financiados pelo BNDES e com os encontros oficiais de Luiz Inácio com o mandatário do BNDES, pode-se verificar uma proximidade temporal entre os eventosâ€, diz o relatório dos peritos do MPF.
Foram identificadas ao menos oito reuniões que contaram com a participação de Lula e Coutinho. A maior parte delas ocorreu na sede do Instituto Lula, em São Paulo.
Os eventos foram nomeados oficialmente de “Conversas sobre a Conjuntura Econômicaâ€. Mas alguns não constavam da agenda oficial de Coutinho.
Um desses encontros ocorreu no dia 15 de julho de 2011. Cerca de um mês antes, Lula viajara para Cuba, onde visitara o Porto de Mariel, empreendimento sob responsabilidade da Odebrecht, e levara de volta para o Brasil uma carta endereçada ao então ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, com um pedido de dinheiro para um projeto da empreiteira na ilha.
Em agosto daquele mesmo ano, ou seja, dois meses após a visita de Lula a Cuba e no mês seguinte à reunião do ex-presidente com Coutinho no Instituto Lula, o BNDES liberou uma parcela no valor de R$ 150 milhões referente à modernização do Porto de Mariel.
Para quem está acostumado aos prazos da burocracia, pareceu um recorde. E foi. É essa sincronia de fatos que leva os procuradores a usar expressões como “modus operandi criminosoâ€.
Outro caso que chamou a atenção dos peritos foi o financiamento de US$ 136,9 milhões, liberado pelo BNDES em 21 de agosto de 2013 para a Odebrecht desenvolver um projeto de irrigação no Equador.
A empreiteira assinou 11 contratos e oito aditivos com a empresa Exergia, que tem como sócio Taiguara Rodrigues dos Santos, filho do irmão da primeira mulher de Lula.
A viagem de Lula ao paÃs africano foi bancada pela Odebrecht, que desembolsou R$ 479.041,92 pela palestra Gestão dos programas Fome Zero e Bolsa FamÃlia.
A construtora ainda afirmou que “o ex-presidente foi convidado pela empresa para fazer palestras para empresários, investidores e lÃderes polÃticos sobre as potencialidades do Brasil e das empresas do paÃs, exatamente, o que têm feito presidentes e ex-presidentes de outros paÃses, como Estados Unidos, França e Espanhaâ€.
“O senhor Taiguara Rodrigues dos Santos nunca foi contratado diretamente para a execução de nenhum desses serviços. Nas diligências de contratação realizadas pela empresa não foi apontado parentesco com o ex-presidente Lula.â€
A assessoria do BNDES, por sua vez, disse que Luciano Coutinho discutiu apenas cenários econômicos nas reuniões que teve no Instituto Lula:
Especificamente sobre a obra do metrô da Venezuela, o BNDES disse que os financiamentos “seguiram todas as práticas usuais do banco, sem qualquer excepcionalidade ou descumprimento de regras, e com as garantias adequadasâ€.
Procurado, o ex-presidente Lula não quis se manifestar.