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STF homologa delação premiada de Delcídio do Amaral
15/03/2016 - Laryssa Borges, Robson Bonin e Daniel Pereira - Veja.com

O ministro Teori Zavascki, relator dos processos do petrolão no Supremo Tribunal Federal (STF), homologou o acordo de delação premiada do ex-líder do governo no Senado Delcídio do Amaral (afastado do PT-MS).

Entre as revelações feitas pelo senador nos depoimentos de colaboração com a Justiça estão a de que a presidente Dilma Rousseff teria aparelhado o Poder Judiciário, com a nomeação do ministro Marcelo Navarro Ribeiro Dantas para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), para libertar empreiteiros enrolados no petrolão, e a de que a petista tinha completo conhecimento da inviabilidade e teria feito ingerência para a compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos.

Ao homologar a delação, Zavascki atesta a validade dos depoimentos e confirma que o senador prestou informações espontaneamente às autoridades, sem coação de qualquer natureza. Com a confirmação pelo STF, deve ser suspenso o sigilo dos depoimentos feitos pelo parlamentar.


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O atestado da legalidade da delação do senador ocorre às vésperas de o STF julgar recursos sobre o rito de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. O levantamento do sigilo dos depoimentos prestados por Delcídio do Amaral deve ampliar a pressão política contra a petista e contra senadores citados pelo congressista, entre eles o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).

A homologação do acordo de colaboração com a Justiça acontece também em meio às articulações para que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se torne ministro no governo Dilma e, com isso, adquira foro privilegiado e consiga remeter o processo que o investiga na Operação Lava Jato para o Supremo.

Nos depoimentos que prestou no início do ano, o ex-líder do governo no Senado implicou Lula ao afirmar que ele tinha pleno conhecimento do propinoduto instalado na Petrobras e de que atuou diretamente como o mandante do pagamento de dinheiro para calar testemunhas.

Não é a primeira vez que o ex-presidente é citado como o articulador para o silêncio de pessoas que poderiam o implicar. Delcídio também revelou que Lula e o ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil, Antonio Palocci, atuaram em 2006 para pagar o operador do mensalão, o notório Marcos Valério, em troca do silêncio dele sobre o esquema de pagamento a parlamentares para a formação da base governista no primeiro mandato do PT no Palácio do Planalto.

O acordo de delação premiada do senador Delcídio do Amaral inclui 21 termos de declaração. Segundo a Procuradoria-geral da República, "tal acordo foi firmado com a finalidade de obtençăo de elementos de provas para o desvelamento dos agentes e partícipes responsáveis, estrutura hierárquica, divisão de tarefas e crimes praticados pelas organizações criminosas no âmbito do Palácio do Planalto, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados, do Ministério de Minas e Energia e da companhia Petróleo Brasileiro SA entre outras".

Pelo acordo de delação, Delcídio do Amaral se comprometeu a pagar 1,5 milhão de reais.

Nos depoimentos que prestou à Justiça, o senador detalhou não só a trama envolvendo a compra do silêncio do ex-diretor da área internacional da Petrobras Nestor Cerveró, como também a atuação do ex-presidente Lula e da família do pecuarista e amigo de primeira hora do petista, José Carlos Bumlai, para comprar o silêncio de testemunhas do petrolão.

Governo tentou comprar o silêncio de Delcídio

O senador Delcídio do Amaral cumpria uma jornada dupla quando era líder do governo. Em público, presidia a poderosa Comissão de Assuntos Econômicos do Senado e negociava a aprovação das medidas de ajuste fiscal consideradas prioritárias pela presidente Dilma.

Nos bastidores, era peça-chave na estratégia destinada a impedir que a Operação Lava-Jato descobrisse a cadeia de comando do petrolão. Longe dos holofotes, Delcídio atuava como bombeiro.

Conversava com empreiteiros, funcionários da Petrobras e políticos acusados de participar do esquema de corrupção, anotava suas demandas e informações de bastidor e, depois, relatava-as em detalhes a Dilma e a Lula.

Sua missão era antever dificuldades e propor soluções. Foi ele quem alertou a presidente de que a Odebrecht tinha pagado no exterior ao marqueteiro João Santana por serviços prestados a campanhas presidenciais do PT. Foi ele quem falou para Lula que petistas estrelados estavam reclamando de abandono e falta de solidariedade.

Aos dois chefes, Delcídio fazia o mesmo diagnóstico: "Enterramos nossos cadáveres em cova rasa. É um erro. Precisamos enterrá-los com dignidade".

Dignidade, no caso, significava ajudar companheiros e executivos presos ou sob investigação com dinheiro, assistência jurídica e lobby a favor deles nos tribunais superiores, para evitar que contassem às autoridades segredos da engrenagem criminosa que desviou, segundo a Polícia Federal, quase 50 bilhões de reais da Petrobras.

Delcídio repetiu essa cantilena de forma exaustiva até ser preso e - como gosta de dizer - traído. Lula o chamou de imbecil por ter sido gravado ao tentar comprar o silêncio de Nestor Cerveró, um dos delatores do petrolão.

PT também o rifou em público.

Com medo de expiar seus pecados em cova rasa, o bombeiro, agora no papel de incendiário, mostrou-se disposto a contar às autoridades tudo o que viu, ouviu e fez a mando de Lula e Dilma durante treze anos de intimidade com o poder. Não era um blefe.

O acordo de delação premiada no qual Delcídio afirma que Lula e Dilma sabiam da existência do esquema de corrupção e atuaram a fim de mantê-lo em funcionamento foi homologado pelo ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF).

A colaboração, apelidada de "A delação", só foi formalizada porque o senador resistiu a uma proposta generosa de "enterro com dignidade" apresentada pelo petista Aloizio Mercadante.

Ex-chefe da Casa Civil do governo Dilma, atual titular da pasta da Educação e um dos ministros mais próximos da presidente, Mercadante prometeu dinheiro e ajuda para que Delcídio deixasse a prisão e escapasse do processo de cassação de mandato no Senado.

Em contrapartida, pede que Delcídio não "desestabilize tudo" com sua delação. O ministro não tratou diretamente com o senador, que já estava sob a custódia da polícia, mas com um assessor da estrita confiança do senador, José Eduardo Marzagão.

Os dois se reuniram duas vezes no gabinete de Mercadante no ministério. As conversas foram gravadas por Marzagão e entregues à Procuradoria-Geral da República por Delcídio, que, em depoimento formal, disse que o ministro agira a mando de Dilma.

Com essa observação, acusou o ministro e a presidente de tentar comprar o silêncio de uma testemunha, obstruindo o trabalho da Justiça. Era o acerto de contas de Delcídio com os senhores que lhes viraram as costas. "Me senti pressionado pelo governo", disse ele aos procuradores.

Nos diálogos, aos quais VEJA teve acesso, Mercadante oferece ajuda financeira à família de Delcídio e promete usar a influência política do governo junto ao Senado e ao Supremo Tribunal Federal para tentar evitar a cassação do senador e conseguir sua libertação.

Além de dizer a Marzagão que Delcidio deveria ficar "calmo", deixar "baixar a poeira" e não fazer "nenhum movimento precipitado", Mercadante prometeu procurar o presidente do Senado, Renan Calheiros, para armar um plano de modo a fazer com que o Senado voltasse atrás na decisão, tomada em plenário, ratificando a ordem de prisão expedida pelo Supremo.

"Por que é que não pede reconsideração ao Senado? Pode?", questiona o ministro. "Acho que não", diz o assessor. "Em política, tudo pode", ensina Mercadante.

Descrevendo seu plano, Mercadante deixa claro ao assessor que vai tentar "construir com o Supremo uma saída" para Delcídio. Diz que Ricardo Lewandowski, o presidente do STF, poderia libertar Delcídio por meio de liminar, durante o recesso de fim de ano do Judiciário.

"O presidente vai ficar no exercício... Também precisa conversar com o Lewandowski. Eu posso falar com ele pra ver se a gente encontra uma saída", oferece Mercadante. Sem citar o nome, o ministro dá a entender que irá procurar outro ministro do STF e que sua ideia é fazer com que o Senado procure Teori Zavascki para pleitear a soltura do senador.

"Talvez o Senado possa fazer uma moção, a mesa do Senado, ao Teori, entendeu? Um pedido: olha, nós demos autorização considerando o flagrante, considerando as condições etc, mas não há necessidade pá, pá, pá - pá, pá, pá. E tentar construir com o Supremo uma saída", diz.

A menção ao STF foi ligeira mas estratégica. Naquela altura, a prioridade da família de Delcídio era libertá-lo antes do Natal.

Havia, entretanto, a suspeita de que Teori negaria, como de fato ocorreu, o pedido de habeas-corpus.

A oferta de Mercadante remediaria o problema.

Sobre a possibilidade de uma delação de Delcídio, Mercadante diz:

"Eu acho que ele devia esperar, não fazer nenhum movimento precipitado, deixar baixar a poeira, ele vai sair, a confusão é muito grande."

A primeira conversa entre Mercadante e o assessor de Delcídio ocorreu no dia 1º de dezembro, uma semana após a prisão do ex-líder do governo. A segunda conversa deu-se no dia 9 de dezembro, um dia após a família de Delcídio decidir contratar o escritório do advogado Antonio Augusto Figueiredo Basto, um dos principais especialistas em delação premiada no país.

No primeiro encontro com assessor, Mercadante se mostra cauteloso. Diz que Delcídio é "fundamental para o governo", fala em lealdade, promete ajuda e deixa entender que fala em nome da presidente Dilma:

"Eu sou um cara leal. A Dilma sabe que se não tiver uma pessoa para descer aquela rampa, eu vou com ela até o final."

Fica claro que Mercadante está preocupado em acalmar a mulher e as filhas de Delcídio, principais incentivadoras de um acordo de delação. Diz ao assessor do senador:

"Eu tô te chamando aqui para dizer o seguinte: eu serei solidário ao Delcídio. Eu gosto do Delcidio, eu acho ele um cara muito competente, muito habilidoso, foi fundamental para o governo (...) Eu vi o que estão fazendo com as filhas dele. Uma canalhice monumental. Imagino o desespero dele. Então você veja o que ele precisa que eu posso ajudar."

O ministro aconselha o assessor a dizer para Delcidio seguir em silêncio para "não ser um agente que desestabilize tudo".

Chega a fazer uma ameaça velada, caso o petista revele os podres do governo: "Vai sobrar uma responsabilidade pra ele monumental, entendeu?".

No segundo encontro, ainda sob o impacto da notícia da contratação do especialista em delações, Mercadante é mais explícito.

Revela seu plano no Judiciário, reclama que por causa dos rumores de acordo com a Lava-Jato nem Renan Calheiros, investigado no STF, nem o governo poderão se mexer para salvar Delcídio.

Chega a pedir para que o petista abafe o assunto delação. Diz Mercadante:

"Como é que o Renan vai se mexer... Eu sei que ele tá acuado porque o outro vai... Entendeu? Como é que o governo se mexe, porque parece que tem alguma coisa que ele (Delcídio) sabe do rabo de alguém. Então, eu acho que tem que tirar isso (delação) da pauta nesse momento."

O assessor de Delcídio relata as dificuldades financeiras do senador, afirma que a família está planejando vender imóveis e se desfazer de bens para custear o processo. Mercadante se dispõe a viajar ao Mato Grosso do Sul para dar assistência à família:

"Isso aí também a gente pode ver no que é que a gente pode ajudar, na coisa de advogado, essa coisa. Não sei. Pô, Marzagão, você tem que dizer no que é que eu posso ajudar. Eu só tô aqui pra ajudar. Veja o que que eu posso ajudar".

O ministro explica que, se a mulher de Delcídio aceitasse conversar, ele organizaria uma visita, como ministro da Educação, em alguma universidade do estado para ocultar o real objetivo da viagem.

Marzagão trabalha com o senador há treze anos. Nos 87 dias em que o petista ficou preso, Marzagão só não fez companhia a ele uma única vez, quando foi ao casamento da filha em Fortaleza.

Era Marzagão quem levava e trazia informações, providenciava alimentação e livros, ouvia histórias e compartilhava de desabafos e crises de choro.

Antes de procurar o assessor, Mercadante tentou contato com a esposa do senador.

O ministro foi repelido com contundência.

Maika, a esposa de Delcídio, não escondia a raiva pelo fato de o marido ter se prestado, segundo ela, a fazer serviços sujos para Lula e Dilma, como a tentativa de comprar testemunhas do petrolão, motivo que o levou à prisão.

Além disso, Maika sabia que o ministro sempre fora um desafeto de Delcídio no partido.

Os dois, senador e ministro, nunca foram amigos, nem mantinham relações amistosas. Por isso, Maika viu a tentativa de aproximação de Mercadante com estranhamento.

Ao ser chamado para uma conversa com um desafeto de Delcídio, Marzagão resolveu gravar tudo, como medida de precaução.

Temia ser alvo de uma armadilha tramada pelo governo a fim de desmoralizar o senador, que, como antecipara VEJA, ameaçava contar seus segredos às autoridades.

O senador e seu assessor também sabiam como o Ministério Público valorizava gravações com tentativas de obstruir a Justiça.

Afinal, uma gravação e uma proposta de auxílio financeiro levaram Delcídio à cadeia, acusado de tentar sabotar o trabalho da Justiça.

Como Mercadante, Delcídio também queria calar uma testemunha.


  

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