Falta de planejamento pode levar Inter ao seu primeiro rebaixamento 27/09/2016
- EDUARDO RODRIGUES E RODRIGO MENEGAT - FOLHA DE S.PAULO
Há pouco menos de dez anos, em dezembro de 2006, o Internacional conseguiu o maior título de sua história e se tornou campeão mundial ao vencer o Barcelona de Ronaldinho Gaúcho, no Japão. Uma década depois, a situação do clube é bem diferente.
A equipe amarga uma das maiores crises da sua história, na 18ª colocação do Brasileiro, com 27 pontos ganhos dos 81 possíveis até a 27ª rodada. O time, que chegou a liderar a competição no primeiro turno, venceu apenas um dos últimos 19 jogos.
Nem mesmo uma vitória no próximo sábado (1º), contra o Figueirense, em confronto direto da briga contra o rebaixamento, tiraria a equipe do Rio Grande do Sul da zona da degola. O time está a quatro pontos do clube de Santa Catarina, 16º colocado e último entre os que se mantém na Série A.
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Alguns dos nomes que levaram o time ao topo do mundo ainda estão no Beira Rio, tanto dentro como fora de campo. É o caso dos jogadores Ceará e Alex, e dos dirigentes Fernando Carvalho - então presidente, hoje diretor de futebol - e Vitório Píffero, atual presidente e, na época, diretor de futebol.
Nos anos seguintes à conquista no Oriente, o clube tornou-se um dos maiores vencedores internacionais do país, conquistando mais uma Libertadores, uma Copa Sul-Americana e duas Recopas Sul-Americanas. Desde 2011, entretanto, os títulos, exceto no Estadual, desapareceram.
A crise já vinha se anunciando há tempos. Disputas políticas, contratações equivocadas, trocas frequentes de treinadores e dificuldades econômicas podem explicar a situação do time colorado.
DANÇA DOS TÉCNICOS
Falcão, Dorival Júnior, Fernandão, Dunga, Clemer, Abel Braga, Diego Aguirre, Argel, novamente Falcão e Celso Roth.
Desde o último título da Libertadores, em 2010 - competição em que o clube teve dois treinadores, o uruguaio Jorge Fossatti e o mesmo Celso Roth-, o Internacional trocou de técnico dez vezes.
Mais do que a inconstância de nomes, causa espanto a mudança no perfil.
O time começou 2015 com Diego Aguirre, adepto de contra-ataques e velocidade; trocou por Argel, tido como motivador e defensivo; por cinco jogos, foi dirigido por Falcão, que prometia posse de bola e jogo bonito; hoje, está com Celso Roth, que tem a fama de retranqueiro.
"O Internacional passa a ter uma gestão totalmente centralizada na visão do Píffero. Para ele, o planejamento é a bola entrar", critica Ivandro Monbach, conselheiro do clube e membro de um grupo político de oposição.
Procurado, Píffero não respondeu ao pedido de entrevista feito pela Folha.
ENDIVIDAMENTO
A falta de planejamento também foi mostrada na hora de estabelecer uma política de contratações.
São vários os exemplos de jogadores contratados para serem titulares que não mostraram futebol equiparável ao investimento feito pela diretoria.
Scocco, por exemplo, foi contratado por cerca de US$ 6,5 milhões em 2013 (R$ 14,5 milhões pelo câmbio da época), depois de ter sido um dos destaques na Libertadores pelo Newells Old Boys.
Sem sucesso, deixou o time no ano seguinte, alegando estar sem "adrenalina" para jogar pela equipe.
"Cada gestor tem a sua política. Lá atrás o clube tinha uma realidade diferente. Passou a ter uma receita maior", afirmou Carvalho.
Essa política de contratações acontece juntamente com uma crise econômica.
De acordo com demonstrativos financeiros publicados pelo clube, apenas em empréstimos bancários, o time tem uma dívida de aproximadamente R$ 50 milhões. Destes, cerca de R$ 18 milhões precisam ser quitados na próxima temporada.
Na eleição para a presidência do clube, em 2014, estimava-se que a dívida total fosse de cerca de R$ 240 milhões.
"O Inter vem gastando mais do que pode. O clube antecipou receitas de forma irregular", declarou o ex-presidente Fernando Miranda à Rádio Gaúcha em 2015.
Também ajudou no endividamento a reforma recente do estádio Beira-Rio para a Copa do Mundo de 2014. O clube aportou R$ 26 milhões para a obra, de um total de R$ 330 milhões investidos.
O restante foi arcado pela construtora Andrade Gutierrez, investigada na Operação Lava Jato, que ficou com o direito de explorar por 20 anos eventos não ligados ao futebol no estádio colorado.
VOLTA POR CIMA
Apesar da situação difícil no Brasileiro, Fernando Carvalho é taxativo quando fala sobre o futuro: "Pode escrever aí: nós não vamos cair".
Idolatrado pela torcida, Carvalho começou sua gestão em 2002, quando o time escapou do rebaixamento por dois pontos.
"Na minha época era um crescimento. O time tinha uma situação diferente, era muito distante dos títulos e conseguimos fazer com que o clube passasse para um outro patamar. Hoje temos que manter esse nível e é algo muito difícil", afirmou.
Situação e oposição concordam que a saída imediata é o apoio da torcida.
E o torcedor garante presença mesmo na situação adversa que o clube vive. Um dos pioneiros nos planos de sócio-torcedor, o Inter é hoje o terceiro colocado no ranking de associados com pouco mais de 112 mil sócios.
No Brasileiro, o time tem a quarta melhor média de público, com 23.023 torcedores por partida.
A paciência, porém, parece estar chegando ao fim.
Na segunda-feira (26), manifestantes estouraram algumas bombas e chegaram a atear fogo à vegetação que circunda o CT, onde o clube treinava.
Entre gritos de "vergonha", os principais alvos foram Roth e Píffero.