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Em carta a amigos, Dirceu reclama da corrupção… nos presídios
02/04/2017 - Veja.com

O ex-ministro da Casa Civil do governo Lula José Dirceu, preso desde agosto de 2015 por envolvimento com o esquema de desvios na Petrobras revelado pela Operação Lava Jato, decidiu avaliar e apontar melhorias ao sistema carcerário do país.

Entre elogios e reclamações — falou mal, por exemplo, da corrupção. A informação é do jornal O Estado de S.Paulo.

Condenado duas vezes pelo juiz Sergio Moro a mais de 30 anos de prisão, Dirceu, em longa carta enviada a amigos, relata sua rotina no Complexo Médico-Penal, em Pinhais, na Grande Curitiba.


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No texto, o petista conta a rotina na cadeia, a importância da disciplina e filosofa:

“Preso primeiro chora, depois chama a mãe e seus santos, e faz remissão (direito do condenado de abreviar a pena mediante trabalho, estudo e leitura)â€.

Segundo o ex-ministro, condenado também no escândalo do mensalão, “o trabalho, a leitura, o estudo e a escrita transformam a prisão em vida produtiva e criativa, além de passar o tempo de maneira útil e agradávelâ€.

Ele também falou bem do acervo da biblioteca do presídio: “Em geral, literatura brasileira e mundial, autoajuda, espiritismo, cristianismo, catolicismo, correntes evangélicas. Nossos clássicos – e outros atuais – estão à disposiçãoâ€.

Segundo o jornal, Dirceu cita que, como os presos não podem ter espelhos, “é preciso usar um prato grande e limpo†– e o quanto a prisão favorece o cuidado com a saúde.

No fim da carta, o ex-ministro faz críticas à “falta de trabalho, de colônias agrícolas e industriais, e de escolasâ€.

E reclama do sistema de execuções penais do Brasil.

“O mais grave é a incapacidade do Judiciário-MPF e dos juízes frente a um quadro de injustiça e ilegalidade único – 40% dos presos são provisórios, não julgados. A tudo isso soma-se a superlotação e degradação dos presídios. Fora a corrupção ou mesmo o controle dos presídios pelo crime organizadoâ€, escreve.

ÃNTEGRA DA CARTA

“VIDA DE PRESO POR QUEM ESTà PRESO

Espelho é proibido. Vidro também. Então, pegue um prato grande que reflita sua imagem – e mantenha ele limpo sempre. Ãgua mineral? Só com receita médica. A solução é ferver a água ou tomá-la “in natura†da torneira. Eu nunca tive problemas.

Saúde? É fácil cuidar. Bebida, cigarro, gordura, ou é proibido ou não existe simplesmente. Você pode pedir comida hipossódica e evitar excessos na sexta-feira, quando as famílias de todos os presos podem trazer comida. Embora o peso seja controlado. Nada que possa virar cachaça – a revista é rigorosa.

O preso deve fazer exercícios todos os dias. No meu caso, 71 anos, é light. O importante é manter os músculos lombares fortes. E as pernas. Flexão, abdominal, pesos, caminhadas. No meu caso, pelo menos 20 minutos diários. É importante tomar sol ou ingerir vitamina D – para mim, a recomendação é de 20 minutos diários. O banho de sol é de cinco dias por semana, mas na média são três por conta de chuva, normas de segurança, etc.

No mais, é ler, estudar e escrever, um pouco de tudo. Aqui tem biblioteca – e é boa. Em geral, literatura brasileira e mundial, auto-ajuda, espiritismo, cristianismo, catolicismo, correntes evangélicas. Nossos clássicos – e outros atuais — estão à disposição. Há cursos de alfabetização.

Na cadeia, você passa a dar importância às pequenas coisas. À rotina. À limpeza coletiva em sistema de rodízio. E, muito, à disciplina.
Preso primeiro chora, depois chama a mãe e seus santos, e faz remissão. Cada três dias trabalhados valem um dia de pena cumprida; cada livro lido e resenhado vale mais quatro dias; cada 12 de estudo, um dia de remissão. Assim, em 12 meses, o preso pode remir seis meses, cinco em geral.

Fora a remissão, o trabalho, a leitura, o estudo e a escrita transformam a prisão em vida produtiva e criativa, além de passar o tempo de maneira útil e agradável.

A luta do preso é para viver na cadeia “uma vida normalâ€, de rotina, dormir sem indutor do sono, as horas necessárias, trabalhar oito horas — e ter horas de lazer, de convivência comum. Para os jogos – dominó e xadrez –, futebol, exercícios e caminhadas, agregar “conversa fiadaâ€, contar estórias, falar da família, da vida, dos processos, dos amores proibidos, da liberdade … dos filhos e esposas.

Preso tem que manter cela, corredor e banheiros coletivos limpos, duas vezes por semana; tem que lavar as cuecas (a roupa é lavada na lavanderia do presídio).

Preso pode receber material de higiene pessoal e de limpeza – um Sedex com o básico de uma cesta familiar, observando as questões de segurança. Tudo de que um preso precisa para sobreviver. Os itens são básicos mesmo, nada de supérfluos.

A comida é simples, mas suficiente. No café da manhã, café com leite, pão e manteiga. No almoço e na janta, feijão (pouco, ou porque azeda ou porque está caro), muito arroz, carne e legumes. De carne, só frango – peito! – ou carne de vaca moída ou em tiras. Ninguém pode dizer que a comida não é honesta. Dá pra sobrevier – e bem. O problema é a mesma comida meses, anos…

Mas a comida que a família traz, às sextas feiras, dia de visita, resolve a monotonia. Todas as sextas feiras, das 13 e 30 às 16 horas, preso recebe visita da família – duas pessoas. Na verdade, é o único momento em que o preso sente a liberdade, o afeto, o amor e a esperança.

Quem manda?

Mandela dizia que a pessoa mais importante na vida do preso é o carcereiro. Ele tinha toda a razão. Manter uma relação respeitosa e civilizada com a direção do presídio e com os agentes é questão básica, direitos e deveres, como tudo na vida. No caso dos presos, direitos e deveres regulados pela Lei de Execuções Penais e pela direção do presídio.

Presídio é, no Brasil, por definição, um lugar de alta periculosidade e insalubridade, onde falta tudo. Na verdade, não há recursos orçamentários para manutenção e reforma, mesmo tendo mão de obra de graça, a dos presos. Os recursos não dão para o custeio. E isso com educação e saúde sendo obrigações do Estado.

A escola e o posto de saúde são ligados à estrutura administrativa do estado na região – no nosso caso, a escola é o “Faraco†e o centro médico, o CMP- Complexo Médico Penal?

O mais grave problema, inclusive aqui, no Paraná, mesmo no CMP – hoje um misto de “cadeião†e hospital – é a falta de trabalho, de colônias agrícolas e industriais, e de escolas. O trabalho e o estudo devem ser obrigatórios para o preso, insumo básico para a ressocialização e a qualificação, além de suas repercussões na remissão da pena.

Sem trabalho, sem estudo, amontoados em celas superlotadas, os 650 mil presos do país são presas fáceis para o crime organizado. Pior, vivem numa situação degradante e violenta que os transformam em cidadãos violentos, quando não em criminosos violentos.

Uma combinação mortal – aumento das penas, crimes hediondos e criminalização do usuário de droga – fez explodir a população carcerária em regime fechado. Com progressão só com 25% da pena cumprida, e sem indulto.

O mais grave é a incapacidade do Judiciário-MPF e dos juízes frente a um quadro de injustiça e ilegalidade único – 40% dos presos são provisórios, não julgados. A tudo isso, soma-se a superlotação e degradação dos presídios. Fora a corrupção ou mesmo o controle dos presídios pelo crime organizado.

Quem são os responsáveis por esse estado de coisas?

Os juízes das Varas de Execuções Penal responsáveis pelas penitenciárias e os conselhos e secretários de Segurança e/ou Justiça.
Na realidade, agentes do Estado, omissos e responsáveis pela situação que estamos vivendo.

Situações paliativas, como recorrer aos famosos “mutirões†para tirar da cadeia os presos que ali estão sem condenação em Segunda Instância, não resolvem. Só postergam o problema. Também não é saída o recurso à reclusão de segurança máxima, recomendada em casos determinados.

O que pode abre a luz no fim do túnel é uma mudança radical da política penal e penitenciária. Trabalho e estudo, qualificação do preso, separá-lo pelo tipo de crime e pena. Mudar radicalmente o sistema pena: progressão da pena, penas menores para crimes não violentos, semi-aberto domiciliar com controle eletrônico, penas de multa e pecuniárias, trabalho comunitário, perda de patrimônio e função pública.

O preso produtivo, além de manutenção e reforma dos presídios, pode produzir móveis, material esportivo, equipamentos em geral, roupas, trabalhar em obras, infraestrutura pública etc. E os contratos, entre o Estado e empresas, quando for o caso, podem ser administrados por entidades sem fins lucrativos.

Decisão política

Falta vontade política e decisão de mudar radicalmente a política penal e penitenciária.

Quando você convive com a dedicação dos professores, o profissionalismo dos agentes e profissionais de saúde, em condições especiais da profissão (estamos falando de uma cadeia); com presos que trabalham e estudam, no caso do semi-aberto; a conclusão, simples, é que é, sim, possível mudar o sistema. E reintegrar os presos.

O horizonte está no aprisionamento com progressão da pena. Desde que cumpridas as exigências da lei, o tempo de prisão e a remissão por trabalho-estudo.â€


  

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