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Antes de aval relâmpago de financiamento à JBS, Joesley encontrou com o presidente do BNDES
09/07/2017 - Eduardo Bresciani - O Globo

Registros de entrada da sede do BNDES no Rio mostram que o empresário Joesley Batista, dono da JBS, esteve no gabinete do então presidente do banco, Luciano Coutinho, às vésperas de decisões controversas sobre duas operações que teriam provocado prejuízo de R$ 711 milhões à instituição financeira, nos cálculos do Tribunal de Contas da União (TCU).

Os dados foram obtidos pelo GLOBO por meio da Lei de Acesso à Informação.

Em sua delação, Joesley afirma não ter negociado propina com Coutinho ou funcionários do banco, mas diz ter feito pagamentos de US$ 150 milhões ao PT acertados com o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega.


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Uma das operações questionadas pelo TCU trata da liberação de R$ 1,1 bilhão para o grupo de Joesley adquirir uma empresa de carnes americana, a National Beef, a australiana Tasman Group e a divisão de carnes da Smithfield Beef Group.

O apoio foi pedido em 11 de fevereiro de 2008. Nove dias depois, o enquadramento da operação já foi feito pela área técnica e, no dia 4 de março, a diretoria aprovou o aporte. Em um relatório sobre o caso, o TCU observou que essa tramitação em 22 dias é fora do padrão do BNDES, que demoraria, em média, 210 dias para realizar esse tipo de operação.

Os dados obtidos pelo GLOBO mostram que Joesley esteve na presidência do BNDES no dia 14 de fevereiro, três dias depois de o pedido ter sido efetivado e durante a tramitação relâmpago do aporte.

De acordo com o registro, ele foi ao gabinete que era ocupado por Coutinho no Rio e ficou no local das 14h54m às 17:07m.


O dinheiro foi liberado, mas, após sinalizações de autoridades americanas de que a compra da National Beef não seria aprovada, a JBS desistiu da aquisição.

O BNDES, então, não solicitou a devolução dos recursos, mantendo o dinheiro aportado na companhia para futuras compras.

Para os técnicos do TCU, o banco errou ao ter deixado os recursos com a empresa dos irmãos Batista.

“Vale lembrar que a BNDESPar investe recursos públicos que devem atender a determinada finalidade pública. Se não são utilizados, devem retornar aos cofres do banco para que outros fins públicos sejam alcançados e não permanecer em empresa privada, sem destinação específica, visando ao seu exclusivo benefício”, afirmam os técnicos.

Outra operação que teria provocado prejuízos ao BNDES teve o enquadramento aprovado com base apenas numa apresentação de PowerPoint, de acordo com os técnicos do TCU.

Tal fato ocorreu no dia 24 de novembro de 2009. Cinco dias antes, Joesley esteve no gabinete de Coutinho no Rio.

Na ocasião, os registros informam que ele teria ficado por apenas seis minutos.

A operação foi aprovada pela diretoria em 22 de dezembro do mesmo ano.

Nesse caso, os recursos foram liberados para a compra da americana Pilgrim’s e a fusão com o grupo Bertin.

Foram emitidos R$ 3,47 bilhões em debêntures para dar o aporte financeiro.

O contrato previa que eles seriam convertidos em ações quando a JBS fizesse sua abertura de capital nos Estados Unidos, o que nunca ocorreu.

Após diversos aditivos, o banco aceitou receber de outra forma tendo prejuízo, de acordo com os técnicos, por não ter sequer cobrado uma multa prevista em contrato de 10% da operação.

23 VISITAS AO GABINETE DO PRESIDENTE

Os dados obtidos pelo GLOBO mostram que Joesley esteve 23 vezes no gabinete da presidência no Rio, entre 1º de maio de 2007 e 16 de maio de 2016, quando Coutinho ocupava a presidência.

Seu irmão, Wesley Batista, esteve no local em oito oportunidades. Joesley esteve ainda outras dez vezes no escritório da presidência do banco em São Paulo somente entre 2012 e 2014.

O banco não dispõe de dados mais antigos sobre o seu escritório paulista.

Foram solicitados os registros desde o ano de 2003.

Além das visitas na gestão Coutinho, Joesley esteve no gabinete da presidência ainda uma vez na gestão de Demian Fiocca, em 2006, e em outubro do ano passado na administração de Maria Silvia Bastos Marques.

Wesley, por sua vez, além dos oito encontros durante a gestão Coutinho aparece nos registros da presidência apenas em junho de 2016, na administração de Maria Silvia.

Os dados mostram que Joesley esteve ainda outras 65 vezes na sede do banco desde 2003. Na maioria das vezes seu destino foi a “área de mercado de capitais”, com 39 registros.

Seu irmão, Wesley, esteve na mesma área 12 vezes durante o período mencionado.

O apoio do BNDES à JBS se concentrou em operações financeiras de renda variável, ou seja, a compra de ações e emissões de debêntures.

Em dez anos, com forte apoio do BNDES, o grupo dos irmãos Batista teve um crescimento exponencial, com seu faturamento anual saltando de R$ 4 bilhões, em 2006, para R$ 170 bilhões, em 2016.

Em sua delação, Joesley afirma que, quando Guido Mantega era presidente do banco, em 2005, conseguiu o primeiro financiamento para a internacionalização do grupo e, desde então, sempre negociou com ele propina em troca dos aportes.

O dono da JBS afirma nunca ter tratado de assuntos ilícitos com Coutinho.

Relata que chegava a haver constrangimentos quando ia a reuniões com Mantega e o então presidente do BNDES estava presente e demonstrava surpresa em vê-lo.

Joesley Batista chegou a reclamar para os procuradores que julgava, inclusive, que o banco era mais rigoroso com ele do que com os concorrentes.

— Eu acho que era mais rigoroso do que com os meus concorrentes. Eu sempre achei que os meus concorrentes tinham vida mais fácil do que eu. Eu não sei se exatamente para poder me vincular a ter que pagar propina ou se eu não merecia mesmo. Ou se eu sou um sujeito que mereço menos. Porque ter crédito é danado mesmo — afirmou Joesley na delação.

Ele contou que, entre 2005 e 2008, os pagamentos a Mantega eram feitos por meio de um intermediário e que somente a partir de 2009 passou a tratar diretamente com o ministro.

Ele afirmou ter aberto duas contas no exterior em nome de empresas suas que serviam para fazer os depósitos dos valores acertados com Mantega.

Tais contas teriam movimentado US$ 150 milhões, com os recursos todos direcionados por ordem do ministro ao PT e aliados, com o saldo encerrado em 2014.

Joesley disse ter ouvido do ministro que uma conta era de Luiz Inácio Lula da Silva e outra, de Dilma Rousseff.

COUTINHO: REUNIÕES COM PAUTA TÉCNICA

Coutinho afirma que operações como as que estão sob investigação pelo TCU no caso da JBS têm “particularidades” que exigem uma maior confidencialidade e, por isso, as informações só entram no sistema quando a operação já está “madura”.

Ele afirma que as reuniões com os irmãos Batista se pautaram pelo aspecto “técnico” e que não houve sua participação na negociação de pontos específicos dos projetos apresentados.

Coutinho ressalta que as operações questionadas são de renda variável e, por esse motivo, precisam de maior sigilo.

Ele afirma que foram respeitados os princípios de “rigor técnico e impessoalidade”, mas destaca o caráter específico deste tipo de operação.

“Elas possuem particularidades, que se referem à necessidade de estrita confidencialidade para evitar qualquer vazamento interno e externo de informações, bem como a necessidade de observar cronogramas externos ao BNDES, como é, por exemplo, o caso de validade de propostas de aquisição. Por isso, em alguns casos só ocorre a formalização da consulta no sistema após meses de negociações, quando a operação já está madura, permitindo seu enquadramento”, diz nota enviada pela assessoria do ex-presidente.

O ex-presidente do banco afirma ser equivocado o entendimento do TCU sobre o prazo de tramitação da operação relativa à compra da National Beef.

“Isso acaba resultando em um prazo formal de tramitação menor, mas é absolutamente equivocada a interpretação de que a análise da operação tenha ocorrido em período pouco superior a 20 dias. É importante também reiterar que esses procedimentos e prazos resultantes não foram exclusivos das operações com a JBS e são comuns a outras operações de renda variável realizadas pelo Banco”, diz Coutinho.

Coutinho sustenta que o BNDES teve “retorno financeiro significativo” nas operações e destacou o fato de outros operadores do mercado financeiro terem aderido a diversas das ofertas de ações feitas pelo grupo dos irmãos Batista.

Sobre os encontros com Joesley, Coutinho sustenta ter participado de “mais de quatro mil audiências” no período em que presidiu o banco, tendo recebido representantes de todos os setores empresariais.

“Todas as reuniões realizadas entre Coutinho e os empresários da JBS tiveram caráter técnico, não decisório, e envolveram apresentações relacionadas a operações que a empresa realizou ou planejou realizar. Nessas audiências, Coutinho sempre esteve acompanhado de técnicos do BNDES e nunca se engajou na negociação de pontos específicos de qualquer projeto, neste e em outros casos, atribuição esta que é de competência exclusiva da área técnica”, afirma.

A JBS, por sua vez, limitou-se a dizer que “os colaboradores já apresentaram informações e documentos à Procuradoria-Geral da República e continuam à disposição para cooperar com a Justiça”.

O BNDES não respondeu aos questionamentos enviados pela reportagem.

Mantega nega que tenha cometido as ilegalidades descritas pelo delator.

A defesa de Lula ressalta que as citações feitas a ele seriam por meio de “terceiros” e que o ex-presidente é inocente.

A ex-presidente Dilma já qualificou as acusações feitas por Joesley de “inverídicas” e diz que jamais autorizou qualquer pessoa a abrir contas ou empresas em paraísos fiscais.


  

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