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Piratas saqueiam R$ 100 milhões por ano na Amazônia
23/07/2017
- Karla Mendes - O Estado de S. Paulo
A era dos piratas não acabou. Ela apenas mudou de rota: da costa brasileira foi para os rios da Amazônia. Em vez de olho tapado e espadas, capuz, metralhadoras e fuzis AR 15. Para comunicação, sistema de rádio VHF. A nova “caça ao tesouro†agora é por combustÃvel, que representa 70% do prejuÃzo de R$100 milhões por ano para as empresas que fazem transporte de carga pelos rios da floresta amazônica.
Também chamados de “ratos d’águaâ€, os piratas atuam sempre em grupos. Eles ficam de tocaia e, usando rádios, articulam o ataque. O alvo predileto são embarcações que transportam combustÃvel e eletrônicos da Zona Franca de Manaus.
Com barcos pequenos e rápidos, os piratas cercam as embarcações, amarram uma corda e sobem na balsa, encapuzados, com luvas pretas e armas pesadas, fazendo arruaça. A tripulação é presa na cabine e os piratas tomam o comando. Eles levam a carga roubada para um barco maior, ancorado próximo à s balsas. Em quase todas as ocorrências há também roubo de combustÃvel dos tanques das embarcações. Muitas vezes, os piratas levam ainda todos os pertences da tripulação.
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Os rios da Amazônia têm sido alvo crescente de ataques de piratas. O número de assaltos nos trechos Manaus-Belém e Manaus-Porto Velho quadruplicou de 50 em 2015 para mais de 200 em 2016, segundo o Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Aquaviários do Amazonas (Sintraqua). Os ataques são feitos quase sempre à noite. Durante o dia, as ações ocorrem com as embarcações em movimento, para chamar menos a atenção.
Nos pontos mais crÃticos, empresas de transporte de carga só navegam acompanhadas de escolta armada. O Estreito de Breves, canal fluvial de acesso ao Arquipélago do Marajó, no Pará, é um dos trechos mais perigosos. A região é estratégica para o escoamento de diversos produtos. Para atravessar o estreito, as embarcações precisam reduzir a velocidade. É quando os piratas, que estão em barcos mais rápidos, atacam. “Essa é a área vermelha. Nossa situação é horrorosa, pois a pirataria tem uma ligação muito forte com o tráfico internacional de drogasâ€, ressalta Eduardo Carvalho, presidente do Sindicato dos Armadores do Pará (Sindarpa).
Por dia, são registrados de dois a três ataques no Estreito de Breves, com roubo de 20 mil a 30 mil litros de combustÃvel. “Sem falar de roubos de óleo de embarcações menores, que ocorrem toda horaâ€, afirma Carvalho. Ele estima que os prejuÃzos do setor ultrapassem R$ 100 milhões. “A situação piora a cada ano. O isolamento é completo.â€
O comandante Enilson Antônio Sousa Miranda, de 59 anos, relatou ao Estado o terror dos ataques piratas no Estreito de Breves. Em uma noite de janeiro de 2015, ele foi feito refém próximo à Vila de Antônio Lemos, em uma viagem de Belém para Santarém, numa embarcação que transportava 30 carretas de cargas diversas. “Eu tinha acabado de jantar. Me pegaram pelo macacão e colocaram um revólver 38 na minha cabeça. Me bateram, pisaram no meu pescoço para eu deitar no chão e me levaram para a proa.â€
Segundo Miranda, os piratas prenderam a tripulação nos camarotes e levaram tudo o que puderam em um barco maior: aparelho de rádio de comunicação da embarcação, celulares, óleo diesel, óleo combustÃvel e até comida. Os bandidos estavam drogados. Traumatizado, Miranda teve de fazer tratamento psicológico e psiquiátrico. Meses depois, ele foi demitido. “Não tem segurança nenhuma ali.â€
Depois de trabalhar por 20 anos no trecho Rio Paraguai-Paraná, o comandante Marcelo Conceição de Oliveira passou a navegar na Amazônia há três meses. Ao passar pelo trecho para Belém, ficou com medo de ataques de piratas, algo que, segundo ele, não existia na outra região. “Praticamente não dormi com a minha tripulação.â€
OPERAÇÃO COMJUNTA
Cientes dos ataques de piratas, autoridades do Pará passaram a atuar de forma conjunta, valendo-se de serviços de inteligência, principalmente no Estreito de Breves. “O pessoal invade e rouba toda a carga. O que pesa muito é a questão do roubo de carga da Zona Franca de Manausâ€, afirma o delegado Ualame Fialho Machado, superintendente regional da PolÃcia Federal no Pará. Levantamento do Sindarpa aponta que 71% dos assaltos ocorrem em áreas onde não há nenhum sistema de comunicação disponÃvel, o que dificulta que a polÃcia seja acionada. “Quando só roubam, digo que é lucro, pois é um grupo muito violentoâ€, diz o delegado.
Um dos agravantes para a pirataria na Amazônia é o envolvimento da própria tripulação. Todas as investigações presididas pelo delegado Dilermando Dantas Júnior, diretor do Grupamento Fluvial de Segurança Pública no Pará (GFLU), constataram o envolvimento de pelo menos um tripulante nas ocorrências. “E tinha inquérito com toda a tripulação envolvida.â€
As empresas de transporte reclamam da falta de mão de obra especializada. “Se não tivermos formação de aquaviários em grande escala e mais bem preparados, não vamos conseguir combater a piratariaâ€, ressalta Raimundo Holanda, presidente da Federação Nacional das Empresas de Navegação Aquaviária. Por meio de nota, a Marinha informou que não há relação entre o aumento de roubo e a possÃvel “falta de aquaviários†na região.
Os trabalhadores se defendem. “O aquaviário é assaltado no meio do rio, faz o BO na delegacia mais próxima e, quando chega na cidade, ainda é preso. É humilhanteâ€, reclama o capitão Rucimar Souza, presidente do Sintraqua.
O combustÃvel é a mercadoria mais cobiçada pelos piratas na Amazônia. A principal rota de ataque é o Rio Madeira, cerca de 400 embarcações trafegam por mês no trecho entre Porto Velho e Manaus, onde ocorrem 50% dos roubos de combustÃvel da Região Amazônica. “É uma carga fácil de desviar e vender, pois em todo local da Amazônia se consome combustÃvelâ€, afirma Claudomiro Carvalho Filho, vice-presidente do Sindicato das Empresas de Navegação Fluvial do Estado do Amazonas (Sindarma).
O Madeira é o rio mais importante da região para o escoamento da produção, por onde passam cerca de 15 bilhões de toneladas de carga por ano. O transporte de grãos representa 6 bilhões de toneladas, enquanto o de combustÃvel soma 3 bilhões de derivados de petróleo e diesel. Os piratas atacam não só as balsas de transporte de combustÃvel, mas saqueiam até mesmo o óleo dos tanques das embarcações.
Próximo à cidade de Porto Velho, o roubo de combustÃvel no Madeira alimenta sobretudo o garimpo ilegal, segundo representantes do setor e autoridades. Estocado em tambores e galões, o combustÃvel é vendido a garimpeiros ao longo do rio, que chegam a ocupar cerca de 2 mil dragas e balsas de garimpo na época de seca do Madeira. Outro destino são postos de combustÃvel ilegais ao longo dos rios.
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