Em carta aberta ao Supremo, procuradores atacam Gilmar 24/08/2017
- Julia Affonso, Fausto Macedo, Luiz Vassallo e Beatriz Bulla - O Estado de S.Paulo
Em carta aberta aos ministros do Supremo Tribunal Federal, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), atacou o ministro Gilmar Mendes.
A maior entidade de procuradores do PaÃs, responsável pela lista trÃplice a cadeira de Procurador-Geral da República, defendeu a força-tarefa da Operação Lava Jato do Rio e criticou a "desenvoltura" com que Gilmar Mendes ‘se envolve no debate pública, fora dos autos’.
Em 21 de agosto, Janot pediu novamente a suspeição de Gilmar. Desta vez, no caso do "rei do ônibus". O ministro concedeu dois habeas corpus em 24 horas ao empresário Jacob Barata Filho. Gilmar colocou em liberdade outros oito investigados da Operação Ponto Final – desdobramento da Lava Jato, no Rio, que prendeu a cúpula do Transporte do Estado.
Janot viu "múltiplas causas" para a suspeição de Gilmar no caso do "rei do ônibus".
O ministro foi padrinho de casamento de Beatriz Barata, filha de Jacob, em 2013. Bia Barata se casou com Francisco Feitosa Filho, sobrinho de Guiomar Mendes.
Isto traz, todavia, permitam-nos dizer, enorme responsabilidade, pois nos atos, nas decisões, no comportamento e nos exemplos, Vossas Excelências são e têm de ser fator de estabilidade. Vossas Excelências são, em larga medida, a imagem e a pedra em que se assenta a justiça no PaÃs.
É do respeito ao Supremo Tribunal Federal e do respeito por cada um de seus componentes que exsurge a constatação de que apenas o Supremo pode conter, pode corrigir, um Ministro da própria Corte, quando seus atos e exemplos põem em dúvida a credibilidade de todo o Tribunal e da Justiça.
Não se pretende aqui papel de censores de Membros do Supremo. Não existem corregedores do Supremo. Há a própria Corte. Só o próprio Tribunal pode exercer este papel.
Salta aos olhos que, em grau e assertividade, e em quantidade de comentários, Sua Excelência se destaca e destoa por completo do comportamento público de qualquer de seus pares.
Notas públicas diversas já foram divulgadas para desagravar as constantes vÃtimas do tiroteio verbal – que comumente não parece ser desprovido de intenções polÃticas – do Ministro Gilmar Mendes.
Concentremo-nos, então, na última leva de declarações rudes e injustas – atentatórias, portanto, ao dever de urbanidade – de Sua Excelência, que acompanham sua atuação como relator de Habeas Corpus de presos na Operação Ponto Final, executada no Rio de Janeiro.
Com esta última declaração Sua Excelência conseguiu a proeza de lançar, de uma só vez, sombra de dúvida sobre a dignidade de todas as instâncias inferiores e mesmo a seus colegas de Tribunal, vale dizer, lançou-se em encontro à credibilidade de todo o Poder Judiciário.
Estas declarações trazem desde logo um grave desgaste ao STF e à Justiça brasileira. Nestas crÃticas parece ter esquecido o Ministro o dever de imparcialidade constante nos artigos 252 e 254 do Código de Processo Penal bem como na Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 8º), no Pacto de Direitos Civis e PolÃticas e na Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Ademais, as declarações são absolutamente injustas.
Senhores Ministros, em nome dos Procuradores da República de todo o Brasil reforçamos aqui o apoio aos membros da Força-Tarefa da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro, que realizam um trabalho grandioso no combate à corrupção naquele Estado, que notoriamente já foi muito vilipendiado por violentos ataques aos cofres públicos.
Um fato a mais, todavia, separa as declarações e atos do Ministro Gilmar Mendes neste caso de outros em que se lançou a avaliações públicas não cabÃveis.
A amizade – que determina a suspeição – foi a causa do convite, e não o contrário.
Em decorrência deste e de outros fatos – advogado em comum com o investigado, sociedade e notórias relações comerciais do investigado com um cunhado do Ministro, tudo isto coerente e indicativo de proximidade e amizade – o Procurador-Geral da República, após representação no mesmo sentido dos Procuradores da República que atuam no caso, apresentou nesta semana pedidos de impedimento e de suspeição do Ministro Gilmar Mendes ao STF.
Conforme a arguição, há múltiplas causas que configuram impedimento, suspeição e incompatibilidade do ministro para atuar no processo, considerando que há entre eles vÃnculos pessoais que impedem o magistrado de exercer com a mÃnima isenção de suas funções no processo
Viola a aparência de imparcialidade da Suprema Corte brasileira a postura do ministro que, de um lado, e no mesmo processo, lança ofensas e sombras sobre agentes públicos, inclusive seus colegas, ataca decisões judiciais de que discorda, e finda por julgar pai de apadrinhado e sócio de cunhado.
Senhores Ministros, apenas o Supremo pode corrigir o Supremo, e apenas a Corte pode – e deve, permita-nos dizer – conter ação e comportamento de Ministro seu que põe em risco a imparcialidade.
Um caso que seja em que a Justiça não restaure sua inteira imparcialidade, põe em risco a credibilidade de todo Poder Judiciário.