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Legado de Chico Mendes agoniza com avanço da pecuária
29/06/2018 - Fabio Pontes - Veja.com

Concebida nos anos 80 pelo líder seringueiro para servir como modelo da conciliação entre desenvolvimento econômico e a conservação da Floresta Amazônica, a reserva extrativista que leva o nome do ambientalista — criada formalmente em 1990, um ano e meio após o seu assassinato — tenta sobreviver ao avanço da pecuária praticada pelos próprios moradores da unidade de conservação.

Até o fim de 2017, a Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes, localizada no sudeste do Acre, perdeu 6,5% de sua área original e se aproxima a passos largos dos 10% de desmatamento, limite imposto pelo plano de manejo da área.

Não é pouco. A área total da Resex é de quase 1 milhão de hectares, quase o dobro de todo o Distrito Federal, o que faz dela a segunda maior UC do país.


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Atualmente, ela figura entre as três em situação mais crítica por conta do avanço da derrubada de árvores, segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIo), responsável pela área. Em 2017, junto com outras duas UCs no Pará (a Área de Proteção Ambiental do Tapajós e a Floresta Nacional do Jamanxim), concentrou 55% do desmatamento total detectado em unidades de proteção do país.

A principal razão é a desvalorização dos produtos de origem extrativista, como o látex e a castanha. No caso das oleaginosas, a lata de 10 quilos, que chegou a ser vendida por 110 reais há cinco anos, hoje não sai por mais do que 40 reais.

Os maiores impactos ocorrem em Xapuri, a terra natal de Chico Mendes. Satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), por meio do seu Sistema de Monitoramento da Floresta Amazônica (Prodes), indicam que os seringais da cidade são os que mais perderam a cobertura florestal original.

É onde fica a fábrica de preservativos Natex, um dos principais investimentos feitos na área para garantir a rentabilidade de quem vive dos recursos florestais. Em 2016, a indústria deixou de comprar o látex dos extrativistas que vivem na UC e, no mês passado, de acordo com funcionários demitidos, encerrou as atividades.

Sem poder contar com os recursos naturais da reserva, as famílias que vivem na área são obrigadas a derrubar a floresta nativa para dar lugar a pastagens por uma questão de sobrevivência. Desde 2016, cerca de 5.000 hectares foram desmatados em toda a Resex.

Na pecuária, a principal força da economia rural do Acre, a rentabilidade é alta e garantida. O modelo é o chamado “gado-de-meia”, no qual os grandes fazendeiros — vizinhos da Resex, que já ocuparam quase todo o entorno da área protegida — ampliam seu território ao arrendar as terras dos extrativistas.

Colocam lá suas cabeças de gado e pagam o “aluguel” com metade dos novilhos nascidos nestas colocações, como são chamadas as propriedades.

Na Resex, a criação de gado é permitida pelo plano de manejo, mas há um limite de área (5% da propriedade, no máximo), o que muitas vezes não é respeitado.

Entre as décadas de 1970 e 1980, grandes porções de terras na Amazônia podiam ser compradas a baixo custo, numa estratégia do governo militar para ocupar a região.

A política do “integrar para não entregar” e “terra sem homem para homens sem terra”, no entanto, desencadeou em uma série de conflitos agrários na floresta.

Ao desembarcarem na Amazônia, fazendeiros do Sul e Sudeste encontram famílias vivendo nas áreas compradas.

Apesar de a região ter a imagem de despovoada, filhos e netos dos seringueiros dos primeiro e segundo ciclos da borracha ainda sobreviviam no interior da floresta.

Aqueles que não foram expulsos, passaram a resistir. Essa resistência, na grande maioria das vezes, resultava em mortes.

Chico Mendes foi um dos símbolos deste momento. Ele era contra a substituição da floresta pelo pasto e defendia um modelo no qual seria possível obter fonte de renda a partir da exploração sustentável dos recursos da floresta, como o látex e a castanha.

Acompanhado de outros seringueiros, ele organizou os conhecidos “empates”, correntes humanas que se formavam em frente aos capatazes e tratores das fazendas.

A luta do seringueiro lhe rendeu muitos inimigos. Entre eles, estava o fazendeiro Darly Alves, condenado por encomendar o assassinato do ambientalista.

Após uma partida de dominó com seus seguranças (Chico tinha escolta policial por sofrer ameaças), o seringueiro foi tomar banho no banheiro localizado na parte de fora da casa.

Ao aparecer na porta foi atingido por um tiro no peito.

Ele morreu ainda em casa, que hoje é um memorial, no fim da tarde do dia 22 de dezembro de 1988.

Depois da morte do líder ambientalista, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) concebeu a criação de reservas extrativistas a partir das ideias do seringueiro, com a agricultura de subsistência e a criação de animais de pequeno porte servindo como complementação.

A primeira foi a do Alto Juruá, no Acre, em janeiro de 1990.

Três meses depois, em 12 de março de 1990, um ano e meio após o assassinato do líder seringueiro, o então presidente José Sarney (MDB) assinou o decreto que instituiu a Reserva Extrativista Chico Mendes, também no Acre.

A Resex tem ao todo uma área de 9700 km², quase um milhão de hectares. Como comparação, toda a extensão do Distrito Federal é de 5800 km².

A reserva é a segunda maior entre as unidades de proteção em sua categoria. Ela atravessa o território de sete municípios: Assis Brasil, Brasileia, Xapuri, Capixaba, Epitaciolândia, Sena Madureira e a capital do estado, Rio Branco.

A reserva está na região do Acre mais impactada pela pecuária e é exatamente nela onde se concentra o maior índice de desmatamento no Estado.

A presença de rodovias e estradas vicinais — conhecidas como ramais — também é apontada como causa para o crescimento da degradação.

Para especialistas, não fosse essa porção de floresta protegida pela legislação federal, os seringais onde Chico Mendes cresceu e viveu já teriam virado grandes áreas para o agronegócio.

O ano de 1998 é considerado como aquele em que o movimento político organizado por seringueiros e por parte da esquerda acriana ascende ao poder no estado. A eleição do engenheiro florestal Jorge Viana marca a chegada do PT ao governo, permanecendo até hoje. Um dos objetivos do grupo era resistir ao avanço da agropecuária na floresta.

No Acre, o partido teve o líder seringueiro Chico Mendes como um de seus fundadores. Junto com o ambientalista pelas florestas de Xapuri estava a jovem Marina Silva (hoje na Rede), também nascida num seringal.

Desde que assumiu o governo, o PT implementou a chamada Florestania, política concebida por Jorge Viana com o objetivo de valorizar, no mercado local e nacional, os produtos de origem florestal, mostrando que seria possível gerar riqueza a partir da extração sustentável dos recursos presentes nos 88% de cobertura de Floresta Amazônica do Acre.

O nome Florestania vem da junção das palavras “floresta” e “cidadania”. A pretensão do então governador era levar aos moradores das áreas rurais do Acre os mesmos direitos de quem estava nas cidades, como saúde, educação e renda.

No entanto, os principais empreendimentos desta política só saíram do papel, de fato, na gestão seguinte, do também petista Binho Marques (2007-2010), visto como o governo-tampão para que o então senador Tião Viana, irmão de Jorge, assumisse quatro anos depois.

No governo de Binho, uma indústria para o beneficiamento de madeira, conhecida como Fábrica de Tacos, foi erguida em 2007 às margens da BR-317, estrada que dá acesso à Bolívia e ao Peru. Em 2008, foi inaugurada a fábrica de preservativos Natex.

INDÚSTRIA MADEIREIRA

A meta era transformar o Acre num dos maiores exportadores de madeira beneficiada, retirada a partir de manejo florestal sustentável. O escoamento seria feito pela Rodovia Interoceânica, que tinha como objetivo ser um corredor das exportações brasileiras para o mercado asiático, a partir dos portos de Lima.

Em 2007, num modelo de parceria-público-privada (PPP), foi inaugurada a Fábrica de Tacos para fornecer material para a indústria moveleira e de acabamento na construção civil. No entanto, o ICMBio, responsável pela gestão da reserva, só foi autorizar o plano de manejo para retirar madeira da Resex em 2014, o que inviabilizou o negócio por sete anos.

Há dois anos, o governo encontrou um novo parceiro para ressuscitar a fábrica, que estava com o maquinário sucateado. Rebatizada como Complexo Industrial Madeireiro de Xapuri, a nova empresa investiu 13 milhões de reais.

A madeira a ser extraída da Reserva Chico Mendes, a partir do manejo sustentável, será uma das principais fontes do complexo. A exploração vai ocorrer seguindo o modelo comunitário, no qual todos os envolvidos têm participação nos lucros.

As 97 famílias beneficiadas estão reunidas na Cooperativa dos Produtores Florestais Comunitários (Cooperfloresta). A associação calcula que elas receberão, individualmente, até 9.000 reais ao fim do manejo.

“Se a gente demonstrar que o manejo florestal madeireiro é um componente importante na renda familiar e de contenção do desmatamento, os órgãos ambientais, as instituições parceiras, precisarão investir nisso. É mais fácil trabalhar com manejo, mantendo as famílias na comunidade, do que expulsá-las por não se caracterizarem como extrativistas”, afirma Evandro Araújo, técnico-florestal da cooperativa.

NATEX

A ideia do governo era que a Natex fosse referência na fabricação de camisinhas, com látex retirado exclusivamente de seringais nativos, ajudando na renda dos extrativistas.

Desde a sua inauguração, em 2008, a produção foi subsidiada pelos governos estadual e federal e tinha um cliente certo: o Ministério da Saúde, que, apenas nos últimos dois anos, comprou da fábrica 141 milhões de preservativos, a um custo de 19 milhões de reais.

Desde 2015, no entanto, a Natex vinha reduzindo a participação do látex da reserva como matéria-prima. A indústria dava prioridade ao extraído nos seringais de cultivo, presentes em médias e grandes fazendas do Acre. Entre 2016, segundo relato dos extrativistas, a estatal zerou a compra do leite dos seringais da Resex.

No mês passado, segundo ex-funcionários, a Natex demitiu seus trabalhadores e está com sua produção encerrada. Nos últimos anos, dizem eles, a fábrica vinha atrasando com frequência o pagamento dos salários.

CASTANHA

Com o fiasco do investimento na indústria da borracha e problemas que adiaram os planos no complexo madeireiro, o colapso geral da Florestania só foi evitado pela venda da castanha.

Reunidos na Cooperativa Central de Comercialização Extrativista do Acre (Cooperacre), os seringueiros vinham conseguindo ter uma fonte de renda nos últimos oito anos.

O produto coletado na Resex chegou a representar até 30% do total comercializado pela Cooperacre em todo o Estado. Em 2017, as vendas foram de 30 milhões de reais.

Em 2018, contudo, o preço pago pela lata do fruto (de 10 quilos) sofreu uma desvalorização média de 50% no mercado nacional e é vendida por no máximo 40 reais — no auge era comercializada por até 110 reais.

A redução foi provocada pela grande oferta da oleaginosa, que teve este ano uma de suas safras recordes.

Segundo Manoel Monteiro, superintendente da Cooperacre, a safra de 2018, encerrada em março, gerou um prejuízo de 6 milhões de reais ao grupo.

QUEDA DA FLORESTA

Entre 2001 e 2017, a Resex Chico Mendes perdeu 33.555 hectares de floresta — quase 4.000 hectares a mais do que o registrado entre 1988 e 2000, período pré-Florestania.

O dado pôs em xeque o modelo de desenvolvimento econômico, que tinha o ideal sustentável, implementado pelos governos petistas do Acre.

A política ambientalista também não agradou o eleitorado. Na eleição de 2010, por pouco os petistas não foram retirados do poder.

Insatisfeitos, parte dos acrianos apostaram no discurso do agronegócio defendido pelo então candidato do PSDB, o paranaense Tião Bocalom, ex-prefeito do município mais agrícola do estado, Acrelândia.

De olho neste sentimento, Tião Viana, eleito novo governador, fez fortes investimentos no setor rural, deixando de lado, em parte, a Florestania.

Uma de suas principais apostas era transformar o Acre no principal exportador de pescados do Norte, o que não aconteceu até o momento.

Algumas tentativas de garantir uma economia verde dentro da Reserva Extrativista Chico Mendes, no entanto, foram feitas pela gestão de Tião, mas todas sem sucesso.

Os tanques para a criação de peixes viraram crateras — contribuindo para os danos ambientais dentro da unidade.

O projeto de reflorestamento com seringueiras, chamado de Floresta Plantada, também não se viabilizou.

Das 72 famílias beneficiadas pelo programa, apenas cinco viram suas mudas se desenvolverem.

A falta de planejamento e de assistência técnica são apontados como as principais causas para o fracasso.

“A Floresta Plantada foi um fiasco muito grande aqui para Xapuri”, afirma Tião Pereira, presidente da Associação dos Moradores e Produtores da Reserva Extrativista Chico Mendes em Xapuri (Amoprex).

Segundo ele, ao menos 650 extrativistas, somente na área do município, estão sem explorar os recursos naturais dentro de seus seringais por não encontrarem mercado.

Para o professor Carlos Valério Gomes, da Universidade Federal do Pará (UFPA), os problemas observados nas tentativas de fortalecer a economia extrativista no Acre são consequência, em especial, da não diversificação de sua cadeia.

Para ele, a não continuidade da Florestania por Tião Viana também favoreceu o insucesso.

“O governo do Acre, em especial neste mandato do Tião Viana, que tem um viés mais populista, fez com que as políticas de fortalecimento da economia florestal perdessem cada vez mais força”, afirma Gomes, cuja tese de doutorado teve como tema o extrativismo dentro da reserva Chico Mendes.

Ele ressalta que, quando iniciada, a Florestania foi um importante instrumento de melhoria das condições de vida das populações na floresta, garantindo-lhes acesso à educação e saúde.

Enquanto operavam da forma correta, esses empreendimentos exerceram papel importante na cadeia econômica da unidade.

Procurado, o governo do Acre informou que não se manifestará sobre o assunto. O atual senador Jorge Viana também não quis conceder entrevista.

OS MORADORES

O extrativista Estevão Barbosa de Brito tinha 10 anos de idade quando Chico Mendes foi morto, em 1988. Apesar da pouca idade à época, ele diz se recordar das reuniões convocadas pelo líder dos seringueiros para organizar os “empates”, o movimento de resistência ao avanço da pecuária na Amazônia acriana.

Passados mais de 30 anos desde o auge desse conflito, Brito vê aquilo que um dia foi uma densa floresta intacta se transformar em campos abertos para a criação de boi.

Ele é morador do seringal Filipinas, distante quase 40 quilômetros da área urbana de Xapuri. O local figura entre os cinco que mais contribuíram para o aumento do desmatamento no interior da Reserva Extrativista Chico Mendes. Até 2014, 2.655 hectares de mata viraram pastagem, conforme dados do Prodes/Inpe.

Segundo Brito, por lá, apenas sua família mantém vivo o modo tradicional de vida, persistindo no extrativismo como principal fonte de renda. “A gente vem tentando manter o máximo possível a história e a luta de Chico Mendes. Nós temos um grupo pequeno que pensa dessa forma”, diz ele. “O meu pai estava ombro a ombro com o Chico quando enfrentaram a invasão dos latifundiários.”

Ele diz que, após a morte de Chico, a nova geração de moradores da unidade abandonou por completo o extrativismo como sua principal fonte de sobrevivência. “O cara que nasceu de 1988 pra cá, estudando todos os dias da semana, jamais vai cortar seringa, coletar castanha. Qual a visão dele? É ir para a pecuária, é ir para a cidade”, diz. “O sonho do Chico sumiu, desapareceu. Para resgatar isso vai dar trabalho.”

Um pouco mais próximo a Xapuri fica o seringal Floresta. É lá, numa simples casa de madeira, que mora João Batista Ferreira, de 43 anos.

Ele afirma ser “nascido e criado” na colocação, como são chamadas as áreas onde ficam a moradia e o roçado do seringueiro. Somando a mulher Elenilda mais os filhos e netos, 10 pessoas vivem na mesma casa.

Ferreira diz que, no ano passado, conseguiu uma renda de 10 mil reais com a venda de castanha. Há dois anos ele não tem vendido do látex, já que o principal comprador, a fábrica de preservativos Natex, deixou de adquirir a produção dos moradores da reserva. Antigamente, as vendas para a indústria de camisinhas podiam render até 800 reais por mês, mas o lucro flutuava conforme a safra e tem a sazonalidade.

“Tem mês que não entra nada pra gente”, lamenta. Por isso, Ferreira mantém no pasto 27 cabeças de gado, uma fonte de renda para emergências. A venda de um único bezerro lhe garante 750 reais em qualquer época do ano.

Mais cinco quilômetros à frente fica a colocação de Carlos Celso Martins, 43 anos. Logo na entrada fica o campo destinado ao seu gado. Ele afirma ter 25 bois.

À margem do ramal (como são chamadas as estradas de barro na região) ficou de recordação a casinha de madeira em que ele deixava o látex para ser levado pelos funcionários da Natex para a fábrica.

Há dois anos ele também já não comercializa o leite da seringueira. Da castanha, queixa-se do preço pago pelo principal comprador, a Cooperativa Central de Comercialização Extrativista do Acre (Cooperacre).

“Estamos passando por uma situação muito complicada. Não temos mais para quem vender nossa produção. Quando tem, o valor é baixo e não ajuda”, diz Martins.

Seu filho, Celso Ferreira Júnior, o Cadu, de 20 anos, concluiu o ensino médio e está desempregado. O rapaz afirma que a reserva tem um papel crucial na preservação da floresta, mas que a pecuária é hoje a principal salvação para seus moradores.

“Uma das coisas que a gente mais debate é a criação de gado, o malefício que ele causa para a floresta, porque onde tem gado tem desmatamento. Mas hoje eu digo: não tem como sobreviver dentro da Reserva Extrativista Chico Mendes sem ter o gado. Não existe outro meio”, afirma.

Tião Pereira, 48 anos, conhece bem a realidade destas famílias. Ele é o presidente da Associação dos Moradores e Produtores da Reserva Chico Mendes em Xapuri (Amoprex).

“Hoje aqui nós não temos outro produto que substitua o gado. Poucos seringueiros querem cortar seringa”, diz ele.

Ele próprio tenta depender o menos possível da coleta da castanha ou de percorrer as estradas de seringa de sua colocação para tirar o látex. Além do gado leiteiro, tem uma criação de abelhas para produzir mel e um pequeno tanque para peixes.

Para o líder comunitário, a falta de fiscalização e de uma assistência por parte do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), responsável pela gestão da área, para o fomento à economia florestal contribuem para o avanço da pecuária.

Ele critica sobretudo a falta de incentivos para os produtos não-madeireiros. Nessa cesta são incluídas raízes, folhas e sementes das espécies amazônicas, que servem como matéria-prima para a indústria farmacêutica e de cosméticos.

Na avaliação de Pereira, caso houvesse uma política que garantisse mercado e valor à copaíba, ao jatobá e à jarina, os extrativistas teriam uma complementação de renda, o que poderia reduzir seu interesse pelo boi.

“Tem que buscar mecanismos para que eu possa ter a floresta em pé e as pessoas se sentirem bem morando dentro dela, com qualidade de vida. Nós não temos hoje políticas que são voltadas para o futuro”, afirma. “Daqui a dez anos, eu vejo só campo. Vai virar pasto”, diz.

O FUTURO DA RESERVA

Para sobreviver pelos próximos anos, a Reserva Extrativista Chico Mendes dependerá da diversificação dos produtos florestais e do fortalecimento da economia extrativista, além da retirada da área de moradores que estão em situação irregular.

Responsável pela reserva, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIo) afirma que acompanha com atenção a situação da principal unidade de proteção acriana.

Segundo Cláudio Maretti, diretor de Ações Socioambientais e Consolidação Territorial da instituição, a questão fundiária está entre as bases para o avanço da pecuária sobre o extrativismo.

Para ele, a chegada de novas famílias, que compraram lotes dentro da unidade — o que é proibido, já que os moradores têm direito de uso, mas a área é da União — e o desenvolvimento de uma nova geração, de herdeiros dos fundadores da Resex, que não vê os produtos florestais como boa fonte de renda, contribuem para mudança da economia local.

O gado, explica Maretti, que antes tinha uma função social de subsistência, passou a ser visto como o principal ativo econômico na região.

Por conta disso, a instituição irá iniciar um processo para identificar os moradores que estejam em situação irregular e retirá-los da área.

Essas informações serão levantadas a partir de um recenseamento que será feito entre as famílias que estão dentro da unidade. A previsão é que a ação seja feita entre agosto e novembro deste ano.

Paralelamente a isso, o ICMBio buscará mecanismos de diversificação da cadeia econômica do extrativismo para valorizar a produção local.

O fortalecimento da cadeia do açaí e o manejo madeireiro na reserva estão entre as meios a serem incentivados como forma de o extrativismo não sucumbir de vez ante a pecuária.

Para o geógrafo e economista Carlos Valério Gomes, da Universidade Federal do Pará (UFPA), faltam políticas e incentivos para a valorização dos produtos de origem florestal.

“Do ponto de vista mais macro, conjuntural, não existe no Brasil uma política estruturante de fortalecimento da economia extrativista regional, seja para a castanha, a borracha ou qualquer outro produto”, diz ele.

“O Estado é muito contraditório nesse aspecto: cria um espaço, mas ao mesmo tempo não vem respaldado por uma tentativa de melhorias econômicas.”

O economista americano Peter May, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e autor do livro "Economia e Meio Ambiente", concorda.

Para ele, a exploração sustentável de produtos de origem florestal só terá resultados eficazes a partir de políticas de longo prazo.

“O debate não é só se o extrativismo é ou não é viável. Ele tem que estar associado ao resto das políticas públicas para dar suporte para isso acontecer. Em geral esse apoio é muito capenga”, analisa Peter May, que vê o manejo madeireiro como uma alternativa, mas com ressalvas.

O fortalecimento da indústria da madeira por meio de um plano para evitar impactos ambientais, no entanto, não é consenso.

Alisson Maranho, secretário-técnico da SOS Amazônia, ONG acriana que trabalha com extrativismo vegetal na Reserva Extrativista do Alto Juruá, vê riscos na ação pela falta de monitoramento e de técnica.

“Pode ser um item a mais, porém não acredito que só a madeira também vai trazer renda para as famílias o ano inteiro”, comenta ele, que defende investimentos fortes em biotecnologia, o que poderia contribuir para uma diversificação maior na cadeia extrativista.


  

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Editor: Marcos Antonio Moreira
Diretora Executiva: Kelen Marques